Acionado na ONU, Moro leciona tática para Lula, POR JOSIAS DE SOUZA (UOL)

Publicado em 01/08/2016 20:50

Acusado no Comitê de Direitos Humanos da ONU de cometer arbitrariedades na Lava Jato, o juiz Sérgio Moro deu uma lição de tática a Lula, seu detrator. Contra a vontade da Procuradoria da República, o doutor mandou soltar o marqueteiro do PT João Santana e a mulher dele, Mônica Moura.

Representante de Lula na ONU, o advogado Geoffrey Robertson, um australiano que se estabeleceu no Reino Unido, tachou de “primitivo” o sistema penal brasileiro. Declarou que “o juiz tem o poder de deter indefinidamente até obter uma confissão e a delação premiada.”

Pois bem. Sem ter firmado nenhum acordo de delação, Santana e Mônica já confessaram ter recebido US$ 4,5 milhões em verbas ilegais por serviços pretados ao comitê Dilma-2010. Ganharam o meio-fio sem tornozeleira. Devem virar delatores em liberdade. Longe das grades, entregarão Dilma —guiçá o próprio Lula— em troca de redução da pena.

Moro deixou claro que a pena virá. E pode ser dura. O juiz não comprou o álibi do caixa dois. “…Não é provavelmente verdadeiro e ainda que o fosse não elimina a responsabilidade individual.'' Acrescentou: “Se um ladrão de bancos afirma ao juiz como álibi que outros também roubam bancos, isso não faz qualquer diferença em relação a sua culpa'', anotou o juiz da Lava Jato num de seus despachos.

De resto, a maleabilidade de Moro revelou-se seletiva. O magistrado liberou Santana e Mônica. Mas manteve presos, a título de fiança, R$ 31,5 milhões. Lula que se vire para explicar na ONU por que “não sabia'' que os responsáveis pelo marketing das campanhas presidenciais do PT haviam se transformado em clientes tão prósperos do sistema penal “primitivo”.

Monotemáticos! 

– Charge do Paixão, via 'Gazeta do Povo'.

 

Corrupção incide mais sobre educação e saúde

Ministro Torquato Jardim, titular da pasta da Transparência: 'A Lava Jato é apenas um começo'

A Controladoria-Geral da União, rebatizada sob Michel Temer de Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle, realizou 221 operações especiais anticorrupção entre 2003 e o primeiro semestre de 2016. Executadas em parceria com a Polícia Federal e a Procuradoria da República, essas ações produziram uma estatística estarrecedora: 67% dos casos de desvio de verbas federais repassadas a Estados e municípios ocorreram nas áreas de educação e saúde.

Repetindo: o roubo é mais frequente nos cofres da educação e da saúde. Pense nisso sem pensar no resto. Esqueça por um instante o desemprego e a inflação. Pense só nisso. A verba da educação e da saúde, que já é insuficiente, fica mais escassa por conta dos assaltos. As escolas e os hospitais brasileiros são escandalosos em parte porque a gestão da dinheiro público nessas áreas tornou-se um escárnio.

“A Lava Jato é apenas o começo”, disse o ministro Torquato Jardim (Transparência) ao comentar o flagelo da corrupção em conversa com o blog. As seis operações mais relevantes realizadas no primeiro semestre de 2016 resultaram na descoberta de desvios de R$ 143 milhões. Os seis casos mais importantes desbaratados ao longo de 2015 somaram R$ 452 milhões. Perto dos bilhões da Lava Jato, as cifras são modestas.

Mas Torquato pondera: “Admitido o critério da proporcionalidade, esses casos não são menores do que a Lava Jato. Para mim, tudo isso é muito chocante. Em 13 anos, mais de 200 operações, 67% dos desvios na saúde e na educação. É dinheiro de merenda e saneamento. Quer dizer: são gestores públicos que estão destruindo a próxima geração de brasileiros.”

Torquato não exagera. Estudo repassado a Michel Temer anota: 1) na educação, a maioria dos casos de corrupção pilhados pelos órgãos de controle ocorre no Fundeb (38%), fundo que se destina ao desenvolvimento do ensino básico, e no PNAE (24%), programa de merenda escolar. Na saúde, a corrupção avança mais sobre as verbas do saneamento básico (18%) e do programa ‘Saúde da Família’ (13%), que fornece cuidados básicos de saúde por meio de visitas periódicas aos lares de brasileiros pobres.

A maior parte das operações especiais anticorrupção tem origem em denúncias. Das 221 operações especiais realizadas nos últimos 13 anos, 105 nasceram no âmbito da Polícia Federal, 87 foram deflagradas na antiga CGU e 29 surgiram no Ministério Público Federal. O que mais deixa inquieto o ministro da Transparência é a reincidência do roubo.

“Está acontecendo agora”, disse Torquato Jardim. “Tem um município, que vou me permitir nao citar o nome, em que a prefeita foi autuada pela segunda vez. Trata-se da avó de um deputado federal muito conhecido. Autuada no primeiro mandato, a prefeita continuou a praticar os delitos no segundo mandato.

O ministro realçou que o fenômeno da reiteração criminosa tornou-se latente. “No plano federal, enquanto se julgava o mensalão já se operava o petrolão. Do ponto de vista cultural, isso é uma barbaridade. Há poucos dias, com a Operação Zelotes a todo vapor, um conselheiro do Carf foi encontrar-se com um diretor do Itaú de quem tinha exigido uma bola de R$ 1,5 milhão. Apesar de tudo o que está acontecendo, o sujeito faz uma coisa dessas no shopping!”

Dilma diz contar com seu retorno! Heimmm?!?

– Aqui, mais detalhes sobre entrevista de Dilma à BBC.

 

A autenticidade é melhor do que qualquer marqueteiro

Personalidades gastam muito com profissionais responsáveis por sua imagem. Equivocam-se (por JUAN ÁRIAS, no EL PAÍS)

Os políticos famosos e as personalidades gastam tempo e dinheiro com profissionais responsáveis por sua imagem que maquiam sua forma de se apresentar em público. Equivocam-se, uma vez que a melhor apresentação e a mais convincente é a autenticidade.

Muitas vezes, inclusive, deixam que destruam o melhor do personagem para apresentá-lo artificialmente, sem identidade própria.

De fato, os políticos com maior força pública são aqueles que se apresentam com suas qualidades e defeitos, sem se transformarem em robôs inexpressivos e irreconhecíveis.

Vejamos o exemplo do ex-presidente Lula, um dos políticos mais carismáticos justamente porque não se esconde sob aparências que não lhe correspondem. E quando foi tentado a fazê-lo, se saiu mal.

O Lula que o povo gosta ou desgosta é o autêntico, o que fala a linguagem colorida dos trabalhadores nos bares da periferia, de quando era torneiro mecânico e sindicalista, não o político elegante vestido de Armani.

Imagine se Lula, em vez de usar sua linguagem florida de palavrões e grunhidos, saísse por aí recitando latinices emprestadas de Cícero.

E imagine, ao contrário, Michel Temer soltando palavrões. A ele sim caem bem as sentenças em latim dos clássicos que conhece e os florilégios da gramática que domina.

Tudo o que signifique se afastar da própria identidade desnaturaliza a pessoa e lhe faz perder densidade e credibilidade.

Isso acontece com os políticos e com os artistas e pensadores. Nada aproxima mais as pessoas do que ser como se é. E isso não custa dinheiro. Em minha longa carreira jornalística tive a oportunidade de me encontrar e de poder entrevistar centenas de personalidades. Os mais interessantes, ainda que às vezes os mais duros de lidar, foram sempre os que se apresentaram como eles mesmos, sem máscaras nem maquiagens.

Recordo, por exemplo, na Itália, minha primeira entrevista com o genial cineastaFederico Fellini, autor de obras imortais como Roma e A Doce Vida.

Fellini sempre foi, e nunca escondeu, um adolescente com todas as suas manias, que às vezes fazia desesperar e em outras encantava. Mas era sempre ele, que não aceitava ser entrevistado sem que antes colocasse seu chapéu de feltro e seu cachecol de lã, mesmo que fosse no verão.

Tinham me alertado e fui precavido para a minha primeira entrevista. Recebeu-me com toda a sua vestimenta e fazendo desenhos em uma folha branca de papel, enquanto eu falava com ele. Quando fiz a primeira pergunta, sem levantar os olhos do papel, me espetou: “Que pergunta estúpida!”. Mordi meus lábios e voltei a repeti-la, como se não tivesse o escutado. Havia lhe perguntado como nascem os nomes de seus filmes. Tentou escapulir chamado seu secretário Vicentinho, de uns cem quilos, para que ele me respondesse. Nós dois nos olhamos, e dessa vez ganhei a batalha. Parou de desenhar e, me olhando, deu uma resposta magistral. Disse que os títulos iam crescendo como o filho no ventre de sua mãe, até que toma forma e aparece. Explicou à la Fellini, como o gênio que era.

Imagine um Fellini domesticado por um marqueteiro? Um crime humano e artístico. Ele era um gênio porque sabia ser ele e não outro, nem melhor nem pior. Só ele.

Também na Itália, o maior escritor da máfia, o siciliano Leonardo Sciascia, era um avarento das palavras. Dizia que sobravam 80% das que pronunciamos. Também era difícil entrevistá-lo porque respondia com um substantivo ou com um adjetivo. Naqueles anos, a máfia matava juízes e policiais. Perguntei-lhe o que era para ele a Sicília, e me respondeu: “Não é só máfia”. Tinha razão. A Sicília foi, é e será um patrimônio da Humanidade. Cada vez que lembro disso quero que algum jornalista me pergunte o que é o Brasil para responder como ele: “Não é só violência e corrupção”, porque esse país é infinitamente mais do que isso, apesar de tantos políticos corruptos.

Certa vez, comendo na pequena cozinha de seu apartamento simples em Palermo com ele e sua esposa, Maria, ela lhe disse: “Leonardo, temos que trocar de geladeira”. Ele perguntou: “Maria, funciona?”. “Sim, funciona, mas é muito velha”. E ele: “Mas funciona!”. Todo um doutorado de anticonsumismo. Assim são os grandes gênios. Foi a voz da consciência da Itália com seus artigos no Il Corriere della Sera, nos anos obscuros do terrorismo.

Sciascia era ele e só ele. Por isso sua força intelectual e moral. Morreu alertando os juízes que a máfia assassinava, que não se deixassem contagiar pela “fumaça da fama”, que podia acabar lhes sacrificando inutilmente.

Uma vez que lhe perguntei se acreditava na inocência, me respondeu: “Não, porque não existe nem nas crianças”.

E foi justamente na Itália onde um político, sendo eu ainda um jovem estudante, me conquistou por sua seriedade, austeridade e personalidade, sem que tivesse sido moldado por marqueteiros. Refiro-me ao então líder do Partido Comunista, Enrico Berlinguer. Aquele sardo, feito de raízes como os pastores de sua terra, era outro pão-duro de palavras, mas foi a alma do eurocomunismo naquele momento. Também não gostava de falar nem dar entrevistas. Nunca consegui, apesar de ter confessado para ele que a primeira vez que votei em minha vida, quase aos 40 anos, graças a ter conseguido a cidadania italiana, havia sido nele. Não se comoveu. “É que eu sou muito lento, um elefante”, me disse um dia, sentado ao meu lado durante um Congresso de seu partido.

No dia que morreu saíram às ruas de Roma dois milhões de pessoas para se despedir dele, como quando a Itália ganhou a Copa do Mundo. Estava por acaso de visita Gorbachev, e ficou impressionado de ver a capital do cristianismo sair às ruas chorando para o funeral do líder do Partido Comunista.

É que Berlinguer era mais que um político. Era um personagem íntegro como político e como cidadão. Conquistava com sua austeridade e falta de protagonismo.

Os políticos ganhariam em dinheiro e em eficácia se, em vez de se deixarem plasmar artificialmente pelos marqueteiros, aprendessem a se apresentar com suas virtudes e defeitos, sem esconder nada, e sem querer parecer nem melhores nem piores do que são. Nada como ser eles mesmos. O público agradeceria, e o bolso também.

– Charge do Paixão, via 'Gazeta do Povo'.

 

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Blog do Josias (UOL) + EL PAÍS

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