Em dilmês, ‘factoide’ é caso de polícia, por Augusto Nunes

Publicado em 16/09/2010 18:18 e atualizado em 19/09/2010 00:02


“Acho essa denúncia mais um factoide”, disse na segunda-feira, repetiu na terça e insistiu na quarta Dilma Rousseff, sempre que instada a comentar as bandalheiras na Casa Civil divulgadas pela reportagem de capa de VEJA. O factoide acaba de despejar do gabinete a melhor amiga da candidata.

Como a descobridora de Erenice Guerra também qualificou de “factoides” o dossiê contra José Serra, encomendado pelo melhor amigo Fernando Pimentel, e o escândalo da Receita Federal, protagonizado por companheiros estupradores, ficou evidente o significado da palavra em dilmês erudito: quer dizer caso de polícia.

Então, fica combinado assim: sempre que Dilma disser “factoide”, nem é preciso perder tempo com o chamado “rigoroso inquérito”. Está claro que a denúncia é procedente. Houve mais um crime escandaloso. Os bandidos são os de sempre. Têm endereço certo e sabido. Basta que a polícia aja e o Judiciário cumpra o seu dever.

“Precisamos extirpar o DEM da política brasileira”, berrou na segunda-feira, em Santa Catarina, o presidente que disputa o terceiro mandato disfarçado de Dilma Rousseff.  Enganou-se quem viu na frase a condenação à morte de tudo o que se move à direita do PT. Se fizesse alguma objeção a siglas ou políticos conservadores, não faria tantos agrados ao PP, nem seria o melhor amigo de um José Sarney. Equivocou-se também quem enxergou no palavrório o revide à profecia feita em agosto de 2005 pelo catarinense Jorge Bornhausen, hoje presidente de honra do DEM, induzido pelos estragos decorrentes do escândalo do mensalão a acreditar que se veria “livre dessa raça por, pelo menos, 30 anos”. A calorosa reconciliação com Fernando Collor e outros desafetos juramentados avisou que Lula, se o abraço convier a seus interesses políticos, perdoa qualquer ofensa imperdoável.

Nada a ver, portanto, com colisões ideológicas ou rancores.invencíveis. A frase é só uma veemente  declaração de amor ao poder e a si próprio. Extasiado com a popularidade que lhe atribuem institutos de pesquisa companheiros, Lula exige o apoio de 100% dos brasileiros (ou 103%, se a margem de erro aderir). Depois do DEM, viriam o PSDB e o PPS. Depois de Bornhausen, viriam José Serra e Fernando Henrique Cardoso. O caçador de unanimidades não faz questão da eliminação física. Bastam a rendição incondicional, a conversão sem ressalvas, meia dúzia de adjetivos bajulatórios e o reconhecimento de que nunca antes neste país houve um governante tão extraordinário.

Foi assim com Sarney. Foi assim com Collor. Assim será com qualquer adversário desprovido do sentimento da vergonha, que Lula trancou em alguma gaveta do passado. Topa alianças com qualquer currículo ou prontuário. Seu sonho é virar presidente perpétuo, dispensado de aparecer no local do emprego para desfrutar dos prazeres e privilégios do cargo sobre um palanque ou a caminho do aeroporto. Pouco lhe importa saber se o regime é de esquerda, de direita ou em crise de identidade. Ele seria igualmente feliz se substituísse no comando do Paraguai o ditador Alfredo Stroessner ou o reprodutor Fernando Lugo.

Para materializar o sonho, imagina Lula, só falta extirpar o tumor formado por irritantes 4%. Alguém precisa lembrar-lhe que, caso estivesse a quatro passos da unanimidade, teria apenas de comunicar aos eleitores os nomes dos escolhidos para governar São Paulo, Minas, Goiás, Santa Catarina, o Paraná, o Pará e outras paragens insubordinadas. Lula parece eufórico com os 50% que, segundo institutos amestrados, dobraram-se à ordem de instalar Dilma Rousseff na Presidência. Não custa registrar que, vistos por outro ângulo, os índices atestam que metade do eleitorado  brasileiro não aceita votar na melhor amiga de Erenice Guerra.

Lula quer um rebanho único. Os stalinistas farofeiros querem um partido único. A miragem do chefe confirma que o país é governado pelo fruto do cruzamento da soberba com a ignorância. A miragem dos camaradas alojados no PT, entre os quais Dilma Rousseff, confirma que ainda nem desconfiam de que destacamentos revolucionários comandados por zédirceus só conseguem matar de rir. Podem todos acabar acordando diante de um país partido ao meio. A democracia sobreviverá. Mas talvez tenha de adiar por mais alguns anos a chegada à idade adulta.

No palestra para 100 sindicalistas da Bahia, José Dirceu afirmou que a vitória do PT na disputa presidencial deste ano é mais importante que as ocorridas em 2002 e 2006. Por que?

“A eleição da Dilma é mais importante do que a eleição do Lula porque é a eleição do projeto político, porque a Dilma nos representa. Se nós queremos aprofundar as mudanças, temos que cuidar do partido e temos que cuidar dos movimentos sociais, da organização popular. Temos que cuidar da consciência política, da educação política e temos cuidar das instituições, fazer reforma política e temos que nos transformar em maioria. O PT é a base dela”.

É mais que palavrório de camarada de armas. É conversa de candidato a emprego no Planalto. Despejado da Casa Civil pelo escândalo do mensalão, Dirceu acha que será transferido do banco dos réus no Supremo para o gabinete que ocupou entre janeiro de 2003 e agosto de 2005. O vídeo explica por que anda tão otimista. 



Os olhos não mentem

Foto: Ayrton Vignola/AE

Na primeira foto, Marta Teresa Smith de Vasconcelos Suplicy contempla Dilma Rousseff com o olhar enviesado de granfina quatrocentona que virou copeira.

Na segunda, Dilma Vana Rousseff  devolve a água a Marta Suplicy com o olhar superior de quem virou patroa de granfina quatrocentona.

O senador ensina em 90 segundos que o dever de um oposicionista é fazer oposição

As bandalheiras da família de Erenice Guerra confirmaram que, se nenhum partido faz tanto para perder quanto o PT, nenhum se esforça mais que o PSDB para não ganhar. Desde o começo da campanha eleitoral, a oposição foi presenteada pelos governistas com pelo menos quatro cruzamentos para a pequena área que deixaram os adversários na boca do gol: o dossiê bandido contra José Serra, os estupros em série do sigilo fiscal de parentes e amigos do candidato, a prisão dos quadrilheiros do Amapá e, agora, as bandidagens na Casa Vil.

Nenhuma dessas bofetadas no rosto da lei, da moral e da ética animou os comandantes da campanha presidencial oposicionista a acordarem o país abúlico com veemência dos justificadamente indignados. Prisioneiro da opção pela ambiguidade e da falácia segundo a qual quem topa a briga perde pontos, Serra reagiu a cada escândalo com os mesmos protestos tímidos e o refrão soprado por marqueteiros: “O mais importante é discutir programas de governo”. Como se no país devastado pela gula dos ladrões e pela arrogância dos autoritários já não valessem por um programa inteiro de governo a defesa do estado democrático de direito a o combate feroz à corrupção.

Além do mais, ainda que confrontado com um quadro político-eleitoral adverso, o dever de um oposicionista é fazer oposição. A lição, velha como a primeira urna, é reiterada pelo senador Jarbas Vasconcelos no vídeo de 90 segundos (o tempo de que dispõe no horário eleitoral gratuito). Candidato ao governo de Pernambuco, o senador do PMDB tem lutado com a bravura de sempre contra o vale-tudo dos caciques regionais. Mas não renunciou ao combate na frente nacional. Afrontado pelo apodrecimento do coração do Planalto, defendeu José Serra e atacou o governo. Falou em nome dos brasileiros honestos.

Jarbas deve perder a eleição. É irrelevante. Não perdeu a valentia, a coerência e a capacidade de indignar-se que têm faltado à campanha presidencial da oposição.

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Fonte:
Blog Augusto Nunes (Revista Veja

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