“Precisamos extirpar o DEM da política brasileira”, berrou na segunda-feira, em Santa Catarina, o presidente que disputa o terceiro mandato disfarçado de Dilma Rousseff. Enganou-se quem viu na frase a condenação à morte de tudo o que se move à direita do PT. Se fizesse alguma objeção a siglas ou políticos conservadores, não faria tantos agrados ao PP, nem seria o melhor amigo de um José Sarney. Equivocou-se também quem enxergou no palavrório o revide à profecia feita em agosto de 2005 pelo catarinense Jorge Bornhausen, hoje presidente de honra do DEM, induzido pelos estragos decorrentes do escândalo do mensalão a acreditar que se veria “livre dessa raça por, pelo menos, 30 anos”. A calorosa reconciliação com Fernando Collor e outros desafetos juramentados avisou que Lula, se o abraço convier a seus interesses políticos, perdoa qualquer ofensa imperdoável.
Nada a ver, portanto, com colisões ideológicas ou rancores.invencíveis. A frase é só uma veemente declaração de amor ao poder e a si próprio. Extasiado com a popularidade que lhe atribuem institutos de pesquisa companheiros, Lula exige o apoio de 100% dos brasileiros (ou 103%, se a margem de erro aderir). Depois do DEM, viriam o PSDB e o PPS. Depois de Bornhausen, viriam José Serra e Fernando Henrique Cardoso. O caçador de unanimidades não faz questão da eliminação física. Bastam a rendição incondicional, a conversão sem ressalvas, meia dúzia de adjetivos bajulatórios e o reconhecimento de que nunca antes neste país houve um governante tão extraordinário.
Foi assim com Sarney. Foi assim com Collor. Assim será com qualquer adversário desprovido do sentimento da vergonha, que Lula trancou em alguma gaveta do passado. Topa alianças com qualquer currículo ou prontuário. Seu sonho é virar presidente perpétuo, dispensado de aparecer no local do emprego para desfrutar dos prazeres e privilégios do cargo sobre um palanque ou a caminho do aeroporto. Pouco lhe importa saber se o regime é de esquerda, de direita ou em crise de identidade. Ele seria igualmente feliz se substituísse no comando do Paraguai o ditador Alfredo Stroessner ou o reprodutor Fernando Lugo.
Para materializar o sonho, imagina Lula, só falta extirpar o tumor formado por irritantes 4%. Alguém precisa lembrar-lhe que, caso estivesse a quatro passos da unanimidade, teria apenas de comunicar aos eleitores os nomes dos escolhidos para governar São Paulo, Minas, Goiás, Santa Catarina, o Paraná, o Pará e outras paragens insubordinadas. Lula parece eufórico com os 50% que, segundo institutos amestrados, dobraram-se à ordem de instalar Dilma Rousseff na Presidência. Não custa registrar que, vistos por outro ângulo, os índices atestam que metade do eleitorado brasileiro não aceita votar na melhor amiga de Erenice Guerra.
Lula quer um rebanho único. Os stalinistas farofeiros querem um partido único. A miragem do chefe confirma que o país é governado pelo fruto do cruzamento da soberba com a ignorância. A miragem dos camaradas alojados no PT, entre os quais Dilma Rousseff, confirma que ainda nem desconfiam de que destacamentos revolucionários comandados por zédirceus só conseguem matar de rir. Podem todos acabar acordando diante de um país partido ao meio. A democracia sobreviverá. Mas talvez tenha de adiar por mais alguns anos a chegada à idade adulta.