O vídeo é muito mais revelador que 100 debates eleitorais, 200 discurseiras de Lula, 300 falatórios de Dilma Rousseff ou 500 comícios do PT. Em 64 segundos, comprova que o padrinho furta façanhas produzidas pelo antecessor, reitera que a afilhada mente, lembra que o partido dos dois sempre apostou no quanto pior, melhor e escancara a superioridade intelectual e política de Fernando Henrique Cardoso sobre a dupla de estrelas do palanque governista.
“O PT tem uma avaliação de que esse plano econômico é um estelionato eleitoral”, diz Lula aos companheiros e repete numa entrevista em meados de 1994, quando o Plano Real foi lançado. Em seguida, aparece ao lado de FHC em junho de 1994, minutos antes do começo do debate com o candidato do PSDB, em ascensão nas pesquisas graças ao triunfo sobre a inflação.
“Quando o Collor fez o programa dele, imediatamente o povo dava 90% de aceitação do Collor”, inventa o espancador compulsivo do gramática e da verdade. Também por ter decretado o confisco da poupança, o farsante que hoje é amigo de infância de Lula foi sempre um campeão de impopularidade. “É preciso ver no longo prazo se a economia brasileira resiste”, prossegue a lengalenga.
“Estou convencido de que a economia resiste, porque esse plano foi feito com cuidado”, replica FHC. “Com muita objeção do PT e do PDT, mas vamos fazer”. Estava coberto de razão, reconhece Dilma Rousseff no fecho perfeito do vídeo: “Acho que, sem sombra de dúvida, a estabilidade do Real foi uma conquista do governo Fernando Henrique Cardoso”, ouve-se admitindo no auditório da Folha a candidata que agora jura que teve de ajudar o chefe na reconstrução do país que herdaram “em petição de miséria”.
A aparição conjunta dos presidentes explica por que o SuperLula sai em desabalada carreira quando alguém sugere um debate com sua kriptonita verde. E a sequência de cenas desenha para a oposição o mapa da vitória nas urnas. Serra deve perguntar a Dilma o que acha do Plano Real. E repetir o que a criatura e o criador nos melhores 64 segundos do ano eleitoral.
A melhor amiga de Erenice insiste: não há como controlar a roubalheira na sala ao lado
“Ninguém controla o governo inteiro”, repetiu no Jornal Nacional desta segunda-feira Dilma Rousseff, ainda agarrada à versão tão convincente quanto um sorriso de Marco Aurélio Garcia: uma chefe da Casa Civil não consegue enxergar uma quadrilha em ação na sala ao lado. A roubalheira promovida pela turma da melhor amiga Erenice Guerra correu solta, mas Dilma descobriu só agora que qualificou de “factoide” um balaio de crimes capitulados no Código Penal.
“Estou indignada”, informou com a voz de quem está ensaiando a Ave Maria. A indignação não tem nada a ver com as patifarias do sobrinho honorário Israel Guerra, nem com as negociatas envolvendo os Correios, a Anac e a Infraero, muito menos com a transformação da Casa Civil em covil. O que a deixa irritada é nepotismo.
“A Erenice errou”, disse. “Erro”, como ensina o Mestre Lula, é um crime cometido por bandidos de estimação. E Dilma sempre fez questão de expor publicamente a especial estima devotada à figura que indicou para substituí-la no ministério mais importante da República. Ao despedir-se do cargo para dedicar-se à campanha presidencial, como mostra o vídeo, ela deixou o Planalto de braços dados com Erenice. A demonstração de afeto ficou com jeito de coisa de comparsa.
William Bonner quis saber o que produziu a mais recente conversão protagonizada por Ciro Gomes. Ainda outro dia, o companheiro do Ceará achava que José Serra está muito mais preparado que Dilma para assumir a Presidência, que o PMDB é um “ajuntamento de assaltantes” e que o candidato a vice Michel Temer é “o chefe da turma”. Como é que virou coordenador da campanha da aliança governista?
“O Ciro ficô magoado pela circunstância que levô ele a não sê candidato”, respondeu Dilma. Simples assim. Amainado o chilique, Ciro entendeu que quem não tem preparo é o outro, que o PMDB é um exército de voluntários da pátria e que Temer sempre serviu aos interesses da nação.
Ao saber que o tempo da entrevista estava no fim, fingiu que queria mais. Está na hora de ter o desejo atendido por José Serra num debate na TV.
Dilma espanca o idioma na visita ao Museu da Língua Portuguesa