Lula desqualifica, achincalha e sataniza as oposições

Publicado em 03/11/2010 17:19 e atualizado em 04/11/2010 02:36

O presidente Lula concedeu nesta quarta uma entrevista coletiva, ou quase isso. Foi um bate-papo, em que falou o que bem entendeu, com aquele seu jeito desabrido de sempre, a simpatia habitual, os gracejos dirigidos a jornalistas, que a todos encantam, as simplificações e, no fim, uma nota de inacreditável descortesia com José Serra —  o que provocou, evidentemente, o riso dos jornalistas (depois faço uma notinha sobre esse particular). Comecemos pelo principal: o papel das oposições.

Embora Lula concedesse uma entrevista com o peito humildemente estufado de quem tivesse vencido o pleito por, sei lá, 83% a 17%, a verdade verdadeira é que teria bastado que 6,05% dos eleitores votantes mudassem de lado para que fosse tragédia o que agora é triunfo. “Teria bastado, Reinaldo! Mas não aconteceu…” Não! Eu não sou do tipo que conta a história que não houve. Só os fatos me interessam. Estou destacando um fato: a diferença de votos, dado o conjunto do eleitorado brasileiro, foi bem menor do que se alardeia. Nada menos de 44% dos eleitores resistiram a uma fantástica máquina eleitoral, especializada em moer reputações, no que Lula também é craque. Pois bem, o que diz o demiurgo sobre os oposicionistas?

“O que eu queria pedir à oposição é que, a partir do dia 1º de janeiro, contra mim não tem problema, podem continuar raivosos, podem continuar do jeito que sempre foram, mas, a partir do dia 1º de janeiro, que eles olhassem um pouco mais o Brasil; que eles torcessem para que o Brasil desse certo; que eles ajudassem o Brasil a dar certo; que, cada vez que tome uma atitude, ao invés de prejudicar o presidente, eles prejudiquem a parte mais pobre da população que precisa do governo e que precisa das políticas públicas do governo. Então eu espero, eu não vou falar aqui em unidade nacional, porque essa é uma palavra já queimada, já mal usada, mas eu queria apenas pedir a compreensão, é que, dentro do Congresso Nacional, a nossa oposição não faça contra a Dilma a política que fez comigo, a política do estômago, a política, eu diria, da vingança, a política do ‘trabalhar para não dar certo’. Eu acho que a oposição tem um outro papel, e ela pode fazer isso, até porque a oposição governa estados importantes da federação, e sabe que a relação institucional entre estados e o governo federal tem que ser a mais harmoniosa possível porque senão todos perdem

Comento
Como se lê, segundo Lula, a oposição hoje é raivosa, não olha para o Brasil, torce para o país dar errado e atua para prejudicar a população pobre. E ele espera mudança. Trata-se, obviamente, de um discurso autoritário, que sataniza os adversários. É uma clamorosa mentira histórica afirmar que foi esse o comportamento das oposições durante o seu governo. Ao contrário: o que hoje qualquer pessoa razoável tem claro é que faltou justamente “opor-se”. É o que se tem escrito neste blog, como sabem, desde sempre. Abaixo, há um editorial do Estadão e um artigo do professor Marco Antonio Villa que tratam justamente do tema.

Se vocês virem o filme inteiro, perceberão que, dado o formato da entrevista, os jornalistas interrompiam a fala de Lula o tempo todo — Dilma até chega a dar uma bronquinha na turma —, mas se calaram durante esse discurso. É quando Lula fala absolutamente sozinho. Só no fim da peroração antioposionista um jornalista indaga:

“E como seria essa oposição, presidente?”

E ele responde —Dilma sorri com ironia, como  se a pergunta fosse idiota:
“Eu não posso dizer como é que vai ser a oposição. Aí já seria demais, né? Na minha opinião, em primeiro lugar, a oposição tem de continuar oposição; não pode perder a característica de oposição. Agora, tem de saber diferenciar o que é o interesse nacional, que envolve o povo brasileiro, e o que é que é a política partidária. Eu não esqueço nunca que, por conta disso, essas pessoas tiraram R$ 40 bilhões anuais, que se formos levar em conta o mandato inteiro, dá mais de R$ 160 bilhões anuais da saúde. E todo mundo sabe, qualquer prefeito, qualquer governador, sabe que é preciso ter dinheiro para a saúde, se a gente quiser dar um atendimento de qualidade, se a gente quiser melhorar a vida do povo brasileiro.”

O governo Lula ficou cinco anos com a CPMF —  E O PT VOTOU CONTRA A CPMF NO GOVERNO ITAMAR E NO GOVERNO FHC —, o que não impediu a Saúde de caminhar para o caos. Não faltou dinheiro. Faltou foi competência. De resto, cumpre lembrar que o imposto caiu COM VOTOS DOS GOVERNISTAS TAMBÉM. A oposição, sozinha, não tinha o número necessário para derrubá-lo. Mas isso, acreditem, é o de menos. Mais adiante, ao falar sobre o Congresso, Lula deixou claro que o governo CONSEGUIU APROVAR TUDO O QUE QUIS NO CONGRESSO, EXCEÇÃO FEITA À PRORROGAÇÃO DA CPMF.

Ainda comentarei outros aspectos da entrevista. Saúdem o jeito bonachão de Lula os que quiserem; aplaudam a sua “maestria política” os que acharem conveniente. Eu reitero: Lula não tem o menor respeito pela oposição e ignora a essência da democracia. E continua a ser um mistificador: esse comportamento da oposição a que ele se refere simplesmente não existiu. Nunca! Essa oposição de que ele fala, aí sim, é a que PT exerce aqui em São Paulo, por exemplo. Essa oposição a que ele se refere é a que ele próprio fez ao governo FHC.

Lula não tem cura. Ao pedir que as oposições tenham uma relação harmoniosa com o governo Dilma, ele as desqualifica, achincalha e sataniza. Continuarei a escrever a respeito.

Lula ameaça governadores de oposição

(leia primeiro o post abaixo)
A muitos escapará, outros tantos perceberão e se calarão, mas o fato é Lula fez uma ameaça nada velada aos governadores eleitos de oposição. Prestem atenção a este trecho da entrevista, quando ele já havia dito o diabo sobre a oposição:
“Eu acho que a oposição tem um outro papel, e ela pode fazer isso, até porque a oposição governa estados importantes da federação e sabe que a relação institucional entre estados e o governo federal tem que ser a mais harmoniosa possível porque senão todos perdem”.

Bingo!

Aquela conversa de que Lula nunca viu a cor partidária do governante é mentirosa, evidentemente. Os seus aliados sempre foram mais bem-aquinhoados com verbas públicas e investimentos. O governo Dilma terá uma maioria folgada no Congresso. Não obstante, Lula sabe que as oposições elegeram 10 governadores, vão governar 52% da população e uns 60% do PIB. E se essa gente decide realmente atuar como um partido de oposição, SEGUNDO AS REGRAS DA DEMOCRACIA?

Aí Lula afirma que “todos perdem”. Que “todos” é esse? É evidente que se trata de uma ameaça descarada aos governadores. Mais adiante, ao falar sobre a CPMF — com cujo retorno ele acenou —, voltou a falar sobre os governadores, que também têm interesse numa saúde melhor.  Trata-se de um anúncio: o governo Dilma vai querer emplacar um imposto novo para financiar a Saúde e vai tentar dividir com a oposição, embora o governo tenha condições de fazê-lo sozinho, o ônus de aprová-lo.

Por Reinaldo Azevedo

“O presidente está novamente usando da ironia de baixo calão que lhe é peculiar”

Destaco agora a reação de representantes da oposição às acusações do presidente da República.

Por Gabriela Guerreiro, na Folha Online:
A oposição reagiu nesta quarta-feira à declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que DEM e PSDB foram “raivosos” durante os seus oito anos de governo e fizeram a “política do estômago” para prejudicá-lo na Presidência da República. Com a promessa de manter as críticas ao futuro governo de Dilma Rousseff (PT), mas sem ataques imediatos, líderes oposicionistas afirmaram que Lula enfrentou uma oposição “tranquila” no Congresso mesmo em momentos de crise –por isso teve uma reação infundada.

“O presidente está novamente usando da ironia de baixo calão que lhe é peculiar. Precisa aprender que a democracia pressupõe convivência, inclusive de opostos. A futura presidente merecerá da oposição o mesmo tratamento respeitoso, atencioso, dentro dos princípios que permitam que termine o seu mandato”, disse o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). Vice-líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias (PR) afirmou que Lula teve a “oposição que pediu a Deus”, sem motivos para reclamar. “A oposição foi excessivamente generosa, responsável, construtiva. O que incomoda o presidente até hoje foi a única derrota que ele teve no Congresso, a derrubada da CPMF.”

Para o senador Heráclito Fortes (DEM-PI), Lula teve uma oposição “compreensiva” no seu mandato, mas insistiu em ataques durante a campanha eleitoral. “Ninguém teve mais tempo, uma oposição mais compreensiva do que o Lula, até quando ele viveu uma crise de governabilidade.” Sobre o governo Dilma, senadores da oposição afirmam que a presidente eleita vai receber ataques somente se cometer falhas em seu governo. “Estamos diante de um governo legitimamente eleito. A oposição não pode atacar por atacar”, disse Heráclito.

Por Reinaldo Azevedo

O primeiro papel da oposição é assumir o seu papel

O professor Marco Antonio Villa, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos, nem parece um acadêmico brasileiro, tal a pertinência com que consegue pensar o país. Leiam artigo que escreve na Folha de hoje.

44% estão na oposição

A OPOSIÇÃO acreditou que criticar o governo levaria ao isolamento político. O resultado das urnas sinalizou o contrário: 44% do eleitorado disse não a Dilma. Ela era candidata desde 2008. Ninguém falou em prévias, nenhum líder fez muxoxo. Lula uniu não só o partido, como toda a base. Articulou, ainda em 2009, as alianças regionais e centrou fogo para garantir um Congresso com ampla maioria, para que Dilma pudesse governar tranquilamente. Afinal, nem de longe ela tem sua capacidade de articulação política.

E a oposição? Demorou para definir seu candidato. Quando finalmente chegou ao nome de Serra, o partido estava dividido, vítima da fogueira das vaidades. Ao buscar as alianças regionais, encontrou o terreno já ocupado. Não tinha aliados de peso no Norte e Centro-Oeste, e principalmente no Nordeste. Neste cenário, ter chegado ao segundo turno foi uma vitória. No último mês deu mostras de combatividade, de disposição de enfrentar um governo que usou e abusou como nunca da máquina estatal. Como, agora, fazer oposição? Não cabe aos governadores serem os principais atores desta luta  — a União pode retaliar e isso, no Brasil, é considerado “normal”.

É principalmente no Congresso Nacional que a oposição deve travar o debate. Lá estará, inicialmente, enfraquecida. Perdeu na última eleição, especialmente na Câmara, quadros importantes. Mesmo assim, pode organizar um “gabinete fantasma” e municiar seus parlamentares e militantes com informações e argumentos. Usar as Câmaras Municipais e as Assembleias estaduais como espaços para atacar o governo federal. E abastecer a imprensa — como sempre o PT fez —  com denúncias e críticas.

Espaço para a oposição existe. O primeiro passo é assumir o seu papel. Deve elaborar um projeto alternativo para o Brasil. Sair da esfera dos ataques pessoais e politizar o debate, acabar com o personalismo e o regionalismo tacanho, formar quadros e mobilizar suas bases. É uma tarefa imediata, não para ser realizada às vésperas da eleição presidencial de 2014.

O lulismo tem pilares de barro. É frágil. Não tem ideologia. Não passa de uma aliança conservadora das velhas oligarquias, de ocupantes de milhares de cargos de confiança, da máfia sindical e do grande capital parasitário. Como disse Monteiro Lobato, preso pelo Estado Novo e agora perseguido pelo lulismo: “Os nossos estadistas nos últimos tempos positivamente pensam com outros órgãos que não o cérebro -com o calcanhar, com o cotovelo, com certo penduricalhos, raramente com os miolos”.

Por Reinaldo Azevedo

Primeira promessa de Dilma depois de eleita não dura 24 horas: um dia depois de ela negar a volta da CPMF, Lula defende o imposto; ela concorda silenciando

Da fala transcrita no post abaixo, faço um destaque e avanço um pouco na reprodução da fala do presidente:

É importante lembrar QUE NÓS APROVAMOS TUDO O QUE NÓS QUERÍAMOS NO CONGRESSO NACIONAL, com exceção da CPMF, que, embora a gente teve maioria, faltou um voto só para a gente ganhar a CPMF. Mas agora, essa nova safra de governadores que vão vir aí, eles vão dizer para vocês o que eles vão querer. E todo mundo sabe que vai precisar de dinheiro para a saúde. Se alguém souber da onde que é possível tirar dinheiro, que nos diga”.

Pergunta um jornalista:
Há uma idéia de voltar a CPMF?

LULA - Veja, eu estou deixando a Presidência da República daqui a dois meses. Acho que foi um engano ter derrubado a CPMF. E eu acho que alguma coisa tem de ser feita para a área da saúde. Se a gente quiser levar tratamento de alta complexidade, que todos os políticos têm… É verdade: que todo jornalista tem, aqueles que pagam plano médico. Todos os deputados têm, todos os senadores têm um plano médico que eles pagam. Portanto, eles, quando entram num hospital, eles faz (sic) quinhentos exame naquelas máquinas sofisticadas. [TOCANDO NO OMBRO DE DILMA] Se a gente quiser levar isso para a sociedade, nós precisamos ter mais recursos. E aí é uma questão…

PERGUNTA - A presidente eleita é a favor da volta da CPMF?

LULA - Aí eu não sei. Olha, eu vou parar a minha parte por aqui…

Voltei
Está tudo muito claro, não? Agora vamos ler o que Dilma disse ontem na entrevista concedida à Band:
“Eu não pretendo [recriar a CPMF]. Eu pretendo, no caso de reforma tributária, fazer uma redução tributária. Reduzir os tributos sobre investimentos, fazer uma avaliação sobre a questão da folha de salário. Reduzir os impostos sobre medicamentos e saneamento também. E, sobre a energia elétrica, depende de uma discussão com os governadores”.

Alguém poderá objetar: “Mas quem falou foi Lula, não Dilma”. Ela estava ao lado. Ouviu tudo com o silêncio da aquiescência. Na prática, a promessa feita na Band não durou 24 horas. Ela vai tentar recriar a CPMF ou não? Não dá para saber. Já há elementos para concluir uma coisa e seu contrário.

O que se tem como certo é que, caso a proposta volte a ser debatida, o governo Dilma vai exigir a cumplicidade da oposição. Sabemos agora, também, QUE NÃO EXISTE, ENTÃO, DINHEIRO PARA CUMPRIR TODAS AS PROMESSAS FEITAS DURANTE A CAMPANHA ELEITORAL. Dilma se esqueceu de dizer, enquanto pedia votos, com quais recursos pretendia pôr em prática a sua ‘revolução” na área da saúde. O truque já está evidente: vão fazer o ensaio para recriar o imposto, sim. Se a oposição não tomar dividir esse ônus, o governo tentará jogar nas sucas costas a responsabilidade pelo caos que vive a área. Caberá aos oposicionistas cair no truque ou, bem…, fazer política. Afinal, eles deverão se lembrar de que, caso topem a proposta, jamais serão sócios de eventuais benefícios que a medida poderia trazer — e ainda queimam o filme com aqueles que se opõem à cobrança.

Por Reinaldo Azevedo

O momento mais interessante da entrevista de Lula, por várias razões, foi este que segue, entre 18min47s e 22min55s. Leiam com cuidado. Um jornalista, chamando a própria questão de “perguntazinha”, indaga:

PERGUNTA - Presidente, o quadro no Congresso agora vai ser um Congresso muito mais favorável à presidente Dilma do que foi com o senhor, que [sic] o governo vai ter muito aliados tanto na Câmara quanto no Senado. O senhor acha que ela vai ficar menos refém de oligarquias do Nordeste, por exemplo?

RESPOSTA - Ô meu filho, eu vou dizer uma coisa pra vocês de coração! O Congresso é a cara da sociedade. Eu fico olhando vocês aqui: o Congresso é a média da cara de vocês. É isso [JORNALISTAS FAZEM UM MUXOXO DE DESAGRADO; PRESTEM ATENÇÃO QUE DILMA RI ALTO]. O Congresso é a média… É a síntese da sociedade brasileira. Tem gente de todo o espectro social, tem gente de todas as origens, tem de gente de todas as cores, tem gente de todos os estados. A gente tem o hábito de tentar menosprezar, muitas vezes por preconceito. As pessoas são eleitas. Cê tem um cidadão que é eleito com 10 milhões de votos, outro que é eleito com mil, com um milhão de votos. Quando eles chegam aqui, cada um vale um voto, não tem melhor ou pior. Um presidente da República, ele se relaciona com a força política eleita. Ele não se relaciona com a força política que ele gostaria que fosse eleita. Então, a companheira Dilma, a nossa futura presidente, ele vai ter de se relacionar com os 81 senadores que estão aí: do DEM, do PTB, do PT, do PMDB, do PSB, ou seja, ela não vai inventar. Ela não pode criar um novo partido e criar novos senadores. São os que estão aí. E todos têm direito a um voto. Ela vai se reunir com Congresso Nacional e com uma Câmara do mesmo jeito. Ela não pode dizer: ‘Não, eu não quero aquele deputado, tem de vim outro’. Mas foi ele que foi eleito. Ela vai ter de conversar. Ela vai ter de conversar com o companheiro do PC do B e vai ter de conversar com o Tiririca [PÕE E MÃO SOBRE O OMBRO DE DILMA, COMO A DESTACAR A IMPORTÂNCIA DE TIRIRICA]. Vai ter de conversar com o PP [DILMA DIZ BAIXINHO: 'SITUAÇÃO E OPOSIÇÃO'] e vai ter de conversar com o PC do B, com a oposição e com a situação. Essa é a lógica do jogo. Sabe? O que ela vai ter melhor do que eu tive? Ela vai ter, teoricamente, uma bancada mais consolidada na Câmara dos Deputados e vai ter uma bancada mais consolidada no Senado. Certamente, nós teremos alguns senadores com menos raiva do que alguns que saíram. Só o fato de o cidadão não ter raiva, só o fato de o cara ser civilizado e, ao invés de gritar, conversar; ao invés de querer bater, negociar, isso já é meio caminho andado. É importante lembrar QUE NÓS APROVAMOS TUDO O QUE NÓS QUERÍAMOS NO CONGRESSO NACIONAL, com exceção da CPMF, que, embora a gente teve maioria, faltou um voto só para a gente ganhar a CPMF. Mas agora, essa nova safra de governadores que vão vir aí, eles vão dizer para vocês o que eles vão querer. E todo mundo sabe que vai precisar de dinheiro para a saúde. Se alguém souber da onde que é possível tirar dinheiro, que nos diga”.

Vamos lá
Há várias coisas a comentar. Comecemos pela pergunta. Como??? Quer dizer que um Senado menos oposicionista — afinal, é disso que se trata! — tornaria Dilma menos refém do que foi Lula das “oligarquias do Nordeste”? Desde quando as “oligarquias do Nordeste” atrapalharam o presidente? Elas estiveram com ele desde sempre, são suas aliadas. A grande base que Dilma terá no Congresso será formada justamente de parlamentares eleitos no… Nordeste, ora essa! Segundo essa lógica, Dilma será, isto sim, mais refém do que o próprio Lula.

Mas a resposta do Babalorixá é estupenda para o bem e para o mal. Para o “bem” porque, com efeito, o que ele fala faz sentido. O Congresso, é verdade, é uma síntese do país — aliás, Dilma e Lula também são. E com os jornalistas não é muito diferente, não. Mas eles fizeram um muxoxo de desagrado. Dilma riu alto, como a dizer: “É isso mesmo! Vocês não são muito melhores”. Considerando que ninguém teve a coragem de contestar minimamente os absurdos que o Babalorixá dizia, é forçoso admitir: ele está mesmo certo. Vejam o conjunto. FOI PRECISO QUE ELE PRÓPRIO DISSESSE QUE O GOVERNO APROVOU O QUE BEM QUIS NO CONGRESSO. Ora, se aprovou, então cadê aquela oposição sabotadora de que ele falara minutos antes? Lula admitiu por conta própria o que cumpria ao jornalismo interrogar, contradizendo-se — contradição que não foi apontada.

Mas sigamos. Se o Congresso é a média do que vai na sociedade, então os oposicionistas que o compõem merecem ser tratados com o devido respeito — não fosse essa uma exigência da Constituição e do decoro. Mas não! Lula já havia satanizado os adversários, diante do silêncio cúmplice e freqüentemente sorridente dos jornalistas. Compreensivo, lembrou-se, então, de exaltar a rica fauna daquela Casa onde, no passado, ele enxergou 300 picaretas. E a única personalidade que citou como um dos exemplos do que pode ser o Congresso foi “Tiririca”, momento em que botou a mão no ombro de Dilma, como a lhe recomendar expressamente que tratasse o palhaço com o respeito merecido. A propósito: citar Tiririca como representante da média nacional, e dado que havia dito que os jornalistas presentes são expressão dessa mesma média, leva-nos a indagar: onde estariam os Tiriricas entre os jornalistas? É lógica elementar, não?

Se Tiririca merece o tratamento digno que se deve dispensar a todo parlamentar, com os oposicionistas, é diferente. Lula voltou a satanizá-los. Alguns deles, afirmou, agiam movidos pela raiva; não eram “caras civilizados”. A barafunda intelectual na relação imprensa-poder é tal hoje em dia que cumpre a um notório depredador do padrão democrático — porque Lula é isso — lembrar aos jornalistas a legitimidade do Congresso. Ao fazê-lo, no entanto, ele distingue os legítimos, que são os seus aliados, dos ilegítimos, que são seus adversários. Por absurda, a distinção mereceria questionamentos. Estes, não obstante, não são feitos porque Lula fala a um grupo que tem pelo Congresso mais desprezo do que ele próprio e que, visivelmente, considera-se moralmente superior àquela gente desprezível.

Por Reinaldo Azevedo

Governo Obama é humilhado na Câmara e mantém maioria no Senado — por enquanto, por apenas 1 voto. Aprende, PSDB!

“Desastre!”

Essa seria uma boa palavra para definir o desempenho do Partido Democrata na disputa pela Câmara nos EUA. Até as 6h da manhã de hoje (hora de Brasília), o partido de Barack Obama havia perdido nada menos de 59 cadeiras, elegendo 180 representantes apenas. As 59 haviam passado para os republicanos, que perfaziam 234 — e eles precisavam de apenas 39 a mais para obter o controle da Casa. Seguiam indefinidas 21.

O desastre só não foi total porque os democratas conseguiram manter a maioria no Senado. Até o início da manhã de hoje, já haviam perdido seis cadeiras, mas conseguiram assegurar pelo menos 51 das 100. Podem chegar, no máximo, a 53.  As seis passaram para os republicanos, que ficaram com 46, e três seguiam indefinidas. O consolo para Barack Obama é que seu líder no Senado, Harry Reid, conseguiu vencer em Nevada a republicana Sharron Angle, do Tea Party, por 50,2% a 44,6%. Os democratas lograram sucesso ainda na Califórnia, Delaware, Connecticut e Virgínia Ocidental, estados que consideravam temerários.

Dois líderes bastante salientes do Tea Party se elegeram, no entanto, no Kentucky e na Flórida: respectivamente, Randy Paul e Marco Rubio — nesse caso, a vitória republicana foi humilhante: 48,8% a 20,2% — os democratas perderam para os independentes, que chegaram a 29,7%. Seguiam indefinidos o Alasca — os independentes estavam na frente, com 70% dos votos apurados —, Washington, com ligeira vantagem democrata (62% dos apurados) e Colorado, com discreta dianteira republicana (73% apurados). A maioria no Senado, pois, pode ser de um só voto — três no máximo.

Escrevi na noite de ontem a respeito das eleições americanas. Também expliquei por que  elas podem ser instrutivas para as oposições no Brasil. Segue o post das 19h51.
*
Oposicionistas no Brasil podem aprender com o republicanos nos EUA ou repetir os próprios erros. Ou: fazer oposição é uma missão constitucional!

Os dias andam muito animados no Brasil, e quase não há tempo para falar sobre o que vai mundo afora. Os EUA estão realizando eleições hoje. Disputam-se as 435 cadeiras da Câmara, 37 das 100 do Senado e 37 dos 50 governos de estado. Começo com um gracejo: quem entende de eleições americanas é o meu amigo Caio Blinder (bem mais progressista do que eu — mas quase todo mundo é…); eu entendo é de oposição desde o regime militar, hehe. Sempre fui oposição!

Barack Obama foi eleito presidente dos Estados Unidos há dois anos. Antes que a maioria dos americanos tivesse decidido votar nele, o mundo já o tinha elegido. Reclamei ontem de um repórter do Jornal da Globo que afirmou que a eleição de Dilma “já é histórica” no Brasil, “a primeira mulher”… À época, critiquei a imprensa brasileira e mundial por causa da também chamada “eleição histórica” de Obama, “o primeiro negro” etc e tal. Ninguém é histórico antes da história. A história que se faz com antecedência costuma ser pura mistificação.

É grande a possibilidade de que Obama perca hoje a maioria na Câmara. No Senado, o risco é menor, mas existe. Os republicanos, quem diria?, estão mais vivos do que nunca. O sistema eleitoral americano, que deu uma vitória acachapante para Obama no Colégio eleitoral — 365 votos a 173 — escondia uma verdade importante: Obama obteve 52% dos votos, e John McCain, o republicado, 47%. Como venceu na maioria dos estados, especialmente nos mais populosos, os democratas arrebatavam todos os delegados. O massacre do colégio estava longe de representar um massacre de votos. Embora a imprensa liberal americana — e a influenciada pela esquerda mundo afora — insistisse em declarar a morte dos republicanos, a verdade é que eles estavam vivíssimos.

Por vivos, decidiram fazer valer aqueles 47% — e é claro que estou batendo na cangalha para ver se os tucanos entendem: os tucanos que obtiveram 44% dos votos no Brasil! Obama tomou posse e tinha uma gigantesca tarefa pela frente. Se alguém podia falar em “herança maldita”, esse alguém era ele. Mas, para sorte dos americanos, essa conversa por lá pega mal. O país tem a sorte de ter uma cultura política que considera que devem se apresentar para governar aqueles que julgar ter uma resposta eficiente a dar aos problemas. Ninguém precisa de governo para reclamar das dificuldades e para jogar a culpa nos ombros dos adversários.

Obama tem um forte lado terceiro-mundista no comportamento político. Sua retórica traz laivos de messianismo às vezes; ele também gosta, como fez hoje durante todo o dia em entrevistas a rádios, de separar os políticos entre os que fazem a América “avançar” ou “recuar”, essas coisas… Mas teve de ser comedido na demonização do passado. Os americanos o haviam escolhido para governar em lugar dos republicados, não para reclamar dos antecessores.

Dadas as dificuldades, ele até foi bem-sucedido nesses dois anos. Conseguiu aprovar seu plano para a Saúde; iniciou a retirada das tropas do Iraque, a economia se recupera com mais dificuldade do que se esperava, mas o país saiu da lama. E, bem, Obama é Obama, não é? Conta com a simpatia da esmagadora maioria da imprensa americana… Ocorre que…

Oposição
Ocorre que existe oposição para valer nos EUA. Obama estava no poder havia 15 dias, e o odiado Dick Cheney, a besta-fera inventada pelos “progressistas”, deu o grito de guerra e convocou as tropas: “Não, ele não pode!” E convocou a tropa. A emergência do “Tea Party”, um movimento ultraconservador dentro do Partido Republicano, trouxe para o primeiro plano os ditos “valores americanos”. Fantasia? Pura construção ideológica? Pode ser. Mas Obama era e é o quê? A encarnação da própria verdade? O movimento tem sido implacavelmente demonizado pela imprensa liberal, mas esse trabalho de desqualificação tem se mostrado inútil.

À diferença do “Cara” no Brasil, Obama é hoje aprovado por apenas 45% dos americanos. Desaprovam-no nada menos de 51%, e acreditam que ele não se reelege em 2012 52% da população. As eleições presidenciais estão longe ainda. Uma coisa é fato: os sinais são péssimos para ele. Ainda que os republicanos não venham a fazer hoje a maioria na Câmara, terão uma avalanche de votos. A situação é tão difícil que, nas entrevistas de rádio, ele abre o jogo, mais ou menos como Lula nos palanques pedindo maioria no Senado: precisa vencer os republicanos nas eleições legislativas para continuar a implementar o seu programa. A retórica é temerária: e se não conseguir? Então admite que seu governo foi para o brejo?

Onde errou?
No que concerne ao jogo político propriamente, onde foi que Obama errou? Em quase nada. Os republicanos é que acertaram. Oposição se faz desde o primeiro dia, todos as horas do dia, todos os dias do mês, todos os meses do ano. Deram um baile nos democratas no chamado plano da Saúde, finalmente aprovado. Mas foi preciso fazer muita concessão. Na questão da recuperação econômica, nada dessa história de “comitê de salvação nacional”… Os oposicionistas botaram a boca no trombone, obrigando o governo a se explicar, justificando cada um dos eventuais insucessos. Obama certamente não esperava uma oposição tão aguerrida e confiou demais no seu charme pessoal— talvez tenha sido seu único erro.

Aqueles que viam em George W. Bush a encarnação do demônio e que enxergavam em Obama o demiurgo humanista tendem a ver os republicanos como símbolos da hipocrisia, do mau-caratismo, da má consciência, essas coisas. “Onde já se viu? Depois de tudo o que fizeram?” Pois é. SÃO PESSOAS QUE AMAM A JUSTIÇA, MAS QUE ODEIAM A DEMOCRACIA. Está cheio de gente assim. Não raro, acabam condescendendo com “totalitários do bem”.

Pois eu já vejo o contrário. Embora seja um “republicano” nos EUA (risos), saudei a eleição de Obama como evidência das virtudes do sistema democrático. E saudei a reação do “meu” partido como prova dessa mesma saúde. Desde que se jogue segundo as regras, a democracia não pode satanizar ninguém. Golpistas, pois, são aqueles que pretendem tirar das forças políticas legítimas as suas prerrogativas — e fazer oposição é uma delas.

Encerrando
Falemos um pouco sobre o Brasil já que é disso que trato aqui desde sempre. O PSDB, o DEM e o PPS têm dois caminhos: podem agir como o PSDB nos últimos oito anos, buscando sempre o, como é mesmo?, “espaço da convergência com o lulo-petismo” em nome daquele sagrado “bem do Brasil”; podem seguir o caminho do Partido Republicano nos EUA e exercer a função para a qual os eleitores os designaram: opor-se. Sim, sim, as diferenças são grandes. Naquele país, existe um quadro de bipartidarismo; por aqui, temos essa massa gelatinosa chamada PMDB. Não ignoro as particularidades. Uma coisa, no entanto, é certa lá e aqui: a ambigüidade da oposição só interessa a quem está no comando.

PS - “E se Obama for reeleito, Reinaldo, o que você vai dizer?” Vou dizer que os republicanos fizeram de tudo para vencer. Puxando o saco do presidente é que não conseguiriam voltar à Casa Branca.

PS2 -”Vejam o Reinaldo! Os republicanos só agem daquele modo porque a popularidade do presidente está abaixo de 50%; aqui, Lula está acima de 80%”. Ainda que os critérios de medição sejam os mesmos, o que duvido um pouco, reitero que os republicanos começaram a cumpir a sua TAREFA CONSTITUCIONAL quando a dita popularidade do presidente estava acima dos 70%. 

Por Reinaldo Azevedo

De furiosos e esperançosos

O Estadão publica hoje um excelente artigo do colunista David Brooks, do New York Times, sobre as eleições nos EUA. Ao lado do meu amigo Caio Blinder, a quem saudei ontem num post publicado às 19h51, é um homem que compreende profundamente a política americana. Caio e Brooks são leituras complementares — nem um nem outro se ofenderiam com a parceria. O nosso colunista explica por que a esmagadora vitória republicana não é o fim do mundo para Obama do ponto de vista democrata. E Brooks faz o mesmo do ponto de vista republicano. Segundo Brooks, também os adversários do presidente terão de se haver com a realidade, e a vitória expressiva — a maior da oposição em mais de 60 anos nas eleições intermediárias — também impõe responsabilidades.

Brooks escrevia ainda antes de saber o resultado da eleição, humilhante, sim, para o governo Obama. Pode-se ler — publico a íntegra no post abaixo — o que segue:
Dois anos atrás, quando os democratas voltaram ao poder, os moradores de Washington sentiram no ar uma faísca de eletricidade. Livros de fotos celebrando a aurora de uma nova era foram publicados.
Hoje o clima é diferente. É possível que os republicanos obtenham maioria no Congresso, mas todos estão escrevendo a respeito da fúria, e não da inspiração. (Nota aos jovens jornalistas: as vitórias democratas sempre são atribuídas à esperança; as vitórias republicanas são fruto da fúria.) A principal mudança ocorreu no campo dos possíveis vencedores. Dois anos atrás, os democratas entregaram-se ao romantismo. Este ano, os republicanos parecem modestos e cautelosos.

Atenção!
Chamo a atenção dos senhores para o que vai em negrito: a mensagem que Brooks transmite aos “jovens jornalistas”, embora esse tipo de “juventude” a que ele se refere não tenha a ver só com idade: nada impede que um homem maduro pense como uma adolescente. Adiante. Dá-se de barato, então, que republicanos excitem a “fúria”, e os democratas, a “esperança”, de sorte que uns se tornam monopolistas de uma coisa, e os outros, da outra. Aí está nada menos do que a semente do pensamento totalitário. Como tenho escrito aqui tantas vezes, o que legitima o governo é a oposição.

O valor principal da democracia está em se poder dizer “não”. Os pleitos dos republicanos são tão legítimos quanto os dos democratas. E deve ser considerado corriqueiro, não um anátema, que pessoas prefiram uns aos outros. Inaceitável é apostar que um dos lados da contenda deva ser “extirpado”, como pregou o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva num palanque em Santa Catarina. Inaceitável é tratar a oposição como Lula o fez na entrevista de hoje — escrevi vários posts a respeito.

Nos EUA, Obama colhe o fruto da insatisfação da maioria da população com as políticas públicas implementadas pelo governo. Pode-se até achar injusta a reação do povo, mas certamente ela não é ilegítima. Uma coisa é não gostar da escolha da maioria — como eu não gostei, por exemplo, aqui no Brasil; outra, distinta, é transformá-la na expressão do mal. Ou será que o povo que elegeu Obama há dois anos reproduzia vontade dos anjos, e o que vota nos republicanos, a do capeta? Será o “bom povo” o que vota de acordo com o que a gente quer, e o “mau” o que vota contra as nossas “esperanças”? Ora…

Sei bem onde acaba esse tipo de progressismo; sabemos todos. Reitero: espero que as oposições no Brasil tenham como exemplo e norte o comportamento dos republicanos nos EUA — e não sei, evidentemente, se Obama será reeleito ou não. Que exemplo é esse? Conseguirão reproduzir aqui o conteúdo das contendas de lá? É claro que não! Torço para que tenham a coragem de enfrentar a máquina oficial sabendo que, ao fazê-lo, quem se fortalece a democracia, que tem na possibilidade de alternância de poder um de seus princípios. E o povo julga se faz ou não a troca de guarda.

O que não é possível é transformar essa possibilidade numa ameaça de “retrocesso”. Quem assim procede não gosta de democracia; quer é ditadura. Os mais espertinhos tentam buscar uma síntese entre esses extremos: pretendem usar a democracia para, por intermédio dela, satanizar os adversários, buscando referendar sua ditadura nas urnas. E é desses que devemos mais nos guardar porque fazem um jogo cínico, oblíquo e subterrâneo.

Por Reinaldo Azevedo

(leia primeiro o post acima)

Íntegra do artigo de David Brooks, colunista do New York Times, publicado no Estadão desta quarta.
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Dois anos atrás, quando os democratas voltaram ao poder, os moradores de Washington sentiram no ar uma faísca de eletricidade. Livros de fotos celebrando a aurora de uma nova era foram publicados.

Hoje o clima é diferente. É possível que os republicanos obtenham maioria no Congresso, mas todos estão escrevendo a respeito da fúria, e não da inspiração. (Nota aos jovens jornalistas: as vitórias democratas sempre são atribuídas à esperança; as vitórias republicanas são fruto da fúria.) A principal mudança ocorreu no campo dos possíveis vencedores. Dois anos atrás, os democratas entregaram-se ao romantismo. Este ano, os republicanos parecem modestos e cautelosos.

Temos de ser cuidadosos para não cair na empolgação, diz Lamar Alexander, o terceiro na cadeia de comando republicana no Senado. “Pensei em colocar fotos de Nancy Pelosi e Henry Waxman na sala de reuniões dos republicanos para lembrar dos perigos do exagero”, disse ele. É preciso cautela com as expectativas irreais, enfatizou o senador Jon Kyl, segundo republicano mais importante. Os republicanos não serão capazes de grandes feitos sem a ajuda dos democratas. Não conseguirão cortar sozinhos os recursos do sistema de saúde de Barack Obama e nem aprovar uma nova legislação tributária.

Muitos americanos ainda se mostram céticos em relação a nós, reconheceu Eric Cantor, o republicano número 2 na Câmara. Não podemos fazer nada que possa deixá-los desconfiados, como inviabilizar a governabilidade. Em vez disso, os republicanos devem transmitir confiança. As empresas devem ser capazes de prever quanto gastarão com impostos e com planos de saúde, e também quais serão as proporções do fardo regulatório.

Em 1994, Newt Gingrich falou numa revolução republicana, mas estes republicanos ainda estão sofrendo com a ressaca. Gingrich concentrou poder no gabinete do presidente da Câmara, enfraqueceu os presidentes das comissões e preparou sua máquina para atingir grandes velocidades.

O atual líder republicano, John Boehner, promete fazer o oposto - enfraquecer o gabinete do presidente da Câmara, descentralizar a autoridade e avançar passo a passo. Muitos republicanos acreditam que a era das maiorias permanentes chegou ao fim. Os democratas conseguiram se manter no controle da Câmara por 40 anos, mas agora é maior a probabilidade de este controle mudar de mãos acompanhando as viradas da maré política. Assim, mudanças duradouras terão de ser adotadas com firmeza e absorvidas gradualmente.

A melhor enunciação da teoria republicana para reavivar o crescimento econômico é de Alexander: “Queremos tornar a criação de empregos no setor privado mais fácil e barata.” Os republicanos esperam emitir semanalmente projetos de lei para reduzir a incerteza, os gastos públicos e o custo das contratações.

Algumas das medidas tentarão reverter partes da reforma do sistema de saúde promovida por Obama. A nova lei do sistema de saúde traz, por exemplo, um dispositivo que obriga as empresas a enviar um formulário à receita federal sempre que pagarem a um mesmo indivíduo ou empresa mais de US$ 600 anuais por bens ou serviços.

Os líderes republicanos estão também preparados para aceitar as vitórias possíveis, ainda que nem sempre correspondam aos objetivos ideais. Os republicanos gostariam de prorrogar todos os cortes de impostos aprovados por George W. Bush até que o Sol se apague, mas estão dispostos a fazer uma concessão e aceitar dois ou três anos de prorrogação. Os republicanos estão sob intensa pressão por parte dos lobbies empresariais no sentido de fazer concessões aos democratas e avançar certas medidas: mais gastos com infraestrutura e cortes nos impostos para incentivar inovações no setor energético.

A resposta previsível a todo este gradualismo determina que, apesar de os líderes republicanos alimentarem tais intenções, é impossível imaginar que os cuspidores de fogo do movimento Tea Party aceitem cooperar com tudo isso. Há algo de verdadeiro nesta hipótese.

Os membros de baixo escalão do Partido Republicano são mais hostis à alocação predeterminada de recursos públicos do que seus líderes (segundo os quais na ausência de tal alocação predeterminada, as decisões simplesmente são tomadas pelos burocratas).

Haverá também conflitos envolvendo orçamentos, o aumento do limite de endividamento e os reembolsos aos médicos. Mas esta trama que coloca líderes do partido contra membros fanáticos tem sido exagerada. Os novos republicanos podem desconfiar do governo, mas a geração republicana que será conduzida ao poder tem grande experiência legislativa. Independentemente da empolgação envolvendo o Tea Party, a maioria dos principais candidatos republicanos já trabalhou anteriormente em legislaturas estaduais ou em Washington.

Em resumo, se for confirmada, a maioria republicana na Câmara será como um segundo casamento. Menos entusiasmo, mais realismo. O partido poderia ter aproveitado mais alguns anos para desenvolver planos para os grandes temas, como a reforma tributária e do sistema previdenciário. Mas, se um partido vai se dar bem numa eleição, que seja ao menos um partido que desenvolveu certa modéstia.

Por Reinaldo Azevedo



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Fonte:
Blog Reinaldo Azevedo (veja.com

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