Vejam o tapa na cara do Brasil decente: repórter do SBT é agredida em Pontes e Lacerda (MT)

Publicado em 06/12/2010 08:13 e atualizado em 07/12/2010 03:00

Na manhã de 28 de junho, a jornalista Márcia Pache tentou entrevistar no Centro Integrado de Segurança e Cidadania de Pontes e Lacerda, em Mato Grosso, o vereador Lorivaldo Rodrigues de Moraes, vulgo Kirrarinha. Candidato a deputado estadual pelo DEM e corrupto juramentado, Kirrarinha acabara de apresentar sua versão para mais um dos tantos casos de polícia que protagoniza. A repórter da TV Centro Oeste, vinculada ao SBT, queria saber o que havia alegado.

Só conseguiu pronunciar quatro palavras: “Vereador, o senhor fala…”. Antes que a pergunta fosse formulada, Kirrarinha interrompeu com uma bofetada no rosto de Márcia. Ninguém por perto defendeu a vítima da agressão absurda. Fora a própria repórter, ninguém pareceu perplexo com o tapa na cara da liberdade de imprensa e do Brasil decente.

As sucessivas manobras forjadas para silenciar o jornalismo independente vão ganhando adeptos em todos os partidos. Em todos existem delinquentes que sonham com a imprensa domesticada. Em todos existem devotos do arbítrio incapazes de praticar o convívio dos contrários ou tolerar divergências. Kirrarinha pode alegar que a bofetada foi a fórmula que escolheu para exercer o controle social da mídia.

Enquanto o repórter Bruno Abbud investiga os desdobramentos do caso, a coluna antecipa a divulgação do vídeo de 44 segundos enviado pela comentarista Naná. Não sabia da história nem tinha visto as imagens. Acabei de ver. Nunca o Brasil me pareceu tão cafajeste.

PS: O timaço de comentaristas está em ótima forma. Nossa Lilian acaba de mandar outro vídeo mostrando que o Netinho de Paulo mato-grossense é reincidente. Confiram. É ainda mais repulsivo que o primeiro. E o depoimento do delegado comprova que a cidade não tem delegado.

A Câmara cassou o mandato do agressor que a Justiça e o DEM ainda não puniram

Encarregado de apurar os desdobramentos da agressão protagonizada por Lourivaldo Rodrigues de Morais, vulgo Kirrarinha, o repórter Bruno Abbud constatou que, por enquanto, só a Câmara Municipal de Pontes e Lacerda cumpriu seu dever. Por quebra do decoro parlamentar, o autor da bofetada no rosto da jornalista Márcia Pache teve o mandato cassado em 24 de setembro.

O processo criminal se arrasta na Justiça.  O delegado omisso foge de entrevistas. Kirrarinha não atende ao telefone. E o DEM ainda não expulsou o bandido que foi vereador.

Vivi muitos anos no Rio e mantenho com a cidade um sólido e tórrido caso de amor. Mas não sou malandro nem otário, o que me obriga a constatar que a ocupação do conjunto de favelas do Morro do Alemão não mudou, em sua essência, a realidade medonha. Foi animador contemplar a queda, em poucas horas, da fortaleza aparentemente inexpugnável instalada há tantos anos no coração das trevas. Mas o Rio deste começo de milênio ainda é Medellín no fim do século 20.

Pouco importa se nenhuma quadrilha de narcotraficantes ou milícia formada por policiais bandidos exibe, isoladamente, as dimensões alcançadas em seu apogeu pelo Cartel de Medellin — uma das mais aterradoras organizações criminosas da história. Pouco importa se lá havia o Pablo Escobar que aqui não há — ainda. Somados, os pablos escobares que governam centenas de favelas se transformaram num inimigo mais temível e brutal que o mítico chefão colombiano morto nos anos 90. Somados, os microcartéis que controlam os morros cariocas mobilizam um exército fora-da-lei maior e mais letal que o similar de Medellín.

A invasão do Morro do Alemão, uma vitória evidente dos homens de bem, deve ser imediatamente reduzida a suas reais dimensões para impedir que as manifestações de alegria e o clima de otimismo sejam logo substituídos pela espécie de frustração que precede a rendição definitiva. O que ocorreu foi um louvável primeiro passo que, embora singularmente relevante, é sempre e só o primeiro passo. É apenas o início da caminhada extensa, arriscada e penosa.

Ao constatar que a polícia estadual seria insuficiente para garantir a ordem pública, e que não dispunha de meios para enfrentar militarmente um inimigo com poder de fogo extraordinariamente superior, o governador solicitou ao presidente o envio de tropas das Forças Armadas. Aprovado pelo chefe de governo, o pedido foi encaminhado aos chefes do Exército e da Marinha, que cuidaram da montagem da operação em parceria com a secretaria de Segurança Pública fluminense. Simples assim. O governador e o presidente não fizeram mais que a obrigação.

Pois bastaram as cenas dos delinquentes em fuga, dos blindados removendo as pedras do caminho, da gente honesta do morro festejando a passagem das tropas para que ambos emergissem  da penumbra fantasiados de napoleão-da-favela. Com apenas 13 Unidades de Polícia Pacificadora em funcionamento, o governador atribuiu o desencadeamento da onda de violência ao pavor que assalta todo traficante quando topa com uma UPP pela proa. Como se não faltassem UPPs em quase mil favelas. Como se a mera ocupação militar tivesse transformado o Morro do Alemão numa Avenida Delfim Moreira. Como se Cabral tivesse erradicado pessoalmente a corrupção policial endêmica.

Lula reapareceu caprichando na pose de marechal da vitória. “Eu até já tinha resolvido visitar o Morro do Alemão”, gabou-se”. “Agora é que vou mesmo, para conversar com o povo e cumprimentar os soldados”. Pode também acabar aderindo ao interminável carnaval temporão de Nelson Jobim e aparecer de farda branca, espora e e penacho, com Sérgio Cabral fantasiado de ordenança. De novo, a dupla louvará o segredo do sucesso agora estendido à segurança pública: a perfeita harmonia entre o Planalto, o governo estadual e a prefeitura.

O governo municipal é só um espectador inerme desses tumores urbanos. A isso acabará reduzido o governo do Rio se insistir na fanfarronice e considerar derrotado o inimigo que só perdeu uma batalha. Os pastores da violência estão em liberdade e não pensam em aposentadoria. O governo Lula vai ompletando oito anos de omissão criminosa. Não existe sequer o esboço de um programa de segurança pública que mereça tal nome. Os presídios de segurança máxima prometidos em 2003 ou ficaram na discurseira ou parecem hoteis com janelas gradeadas. A Força Nacional de Segurança é uma piada de mau gosto.

Não há vestígios do Estado Democrático de Direito nas zonas de exclusão que não se limitam aos morros. Há também as periferias de muitas capitais. Há a vastidão de terras sem lei nas fronteiras, por onde passam patrulhas de transportadores de drogas que abastecem os batalhões de distribuidores. O Legislativo é uma fábrica de normas legais forjados para dificultar a prisão, abrandar a pena e melhorar a vida na cadeia. O Judiciário, como o governo, parece convencido de que a bandidagem é filha da injustiça social. E pune a sociedade tratando como jovens desajustados até assassinos psicopatas.

“O Rio vai chegar em paz à Olimpíada de 2016″, repetiu o governador Sérgio Cabral. O direito de viver em segurança não é um privilégio decorrente da escolha da sede dos Jogos, nem uma cláusula do contrato com o COI. É um direito bem mais antigo que a Olimpíada. É também uma imposição constitucional. Ganhar a guerra declarada pelos ditadores dos morros é uma urgência nacional não porque 2016 vem aí, mas porque o Rio está para o Brasil como Medellín esteve para a Colômbia. A guerra só será vencida com uma ofensiva ampla, articulada e séria envolvendo os três Poderes e todos os governos.

É preciso reincorporar os territórios amputados pelos bandidos ao mapa real do Brasil. Reincorporá-los já, a qualquer custo e sem palavrório. Os brasileiros sensatos nunca mereceram a conversa fiada, a lengalenga, as molecagens dos xerifes de palanque. Agora a discurseira e a enganação passaram da conta. Tornaram-se tão exasperantes quanto o barulho dos tiros no morro.

Todos vinculados ao texto publicado sob o título O governo que festeja os soldados da hora humilha com o calote as famílias dos 18 heróis brasileiros mortos no Haiti, foram três comentários em 14 minutos. Mais que comentários, foram três recados ao Brasil que presta em menos de um quarto de hora. Ou mais que isso: cada uma limitada a três frases, as mensagens enviadas por Cely Zanin são três provas contundentes de que o país atingiu um adiantado estado de decomposição moral.

Viúva do coronel João Elizeu Souza Zanin, morto no desabamento do quartel-general da ONU em Porto Príncipe, Cely é uma das brasileiras duplamente castigadas pelo terremoto no Haiti: depois de perder o marido, vai perdendo a confiança na palavra do presidente da República, que não cumpriu o combinado há 11 meses. Aos 43 anos, mãe de um filho de 18 e outro de 17, Cely luta pela sobrevivência em paragens assoladas pela epidemia de amnésia cafajeste. Pode acabar perdendo a fé em valores que o coronel Zanin defendeu até a morte.

Às 23:39 deste 2 de dezembro, chegou a primeira mensagem: “Obrigada pela divulgação do nosso caso. Infelizmente o Brasil não cultua seus HERÓIS. Estamos tristes e frustradas com tanto descaso dos políticos em relação a nossa indenização”. Observei que não há o que agradecer. Quem está em dívida com os heróis que tombaram no Haiti somos nós. Somos todos devedores envergonhados com o tratamento ultrajante dispensado pelo governo às famílias das vítimas que, até agora, não receberam a indenização e as bolsas de estudos prometidas por Lula.

A segunda chegou às 23:45: “Já estamos desgastadas com todo o sofrimento que tivemos, agora estamos sozinhas, viúvas, para criar nossos filhos. Dinheiro nenhum compensará a dor da perda dos nossos maridos, nossos companheiros de uma vida. Tudo isso é muito triste para todas nós”. A terceira, sucinta e dolorida como as anteriores, é a mais perturbadora: “Agradeço, sim, pois são poucos os que se preocupam em divulgar notícias como essa. Infelizmente, o Brasil e principalmente os políticos possuem um “ranço” muito grande em relação aos militares. Mais uma vez, obrigada!”

O que há com os brasileiros que agora digerem com mansidão bovina todas as sem-vergonhices, afrontas e vigarices produzidas, dirigidas ou interpretadas pelos canastrões federais? O que há com a oposição oficial que não interrompe a rotina do medo, do minueto e da mesura para topar um único e escasso confronto com os donos do poder? Que fim levou a altivez dos chefes das Forças Armadas, que já não defende sequer os direitos de seus mortos no cumprimento da missão? O que há com a imprensa que endossa essa segunda morte dos heróis do Haiti com o silêncio só episodicamente rompido pela teimosia de combatentes solitários? Enfim, o que há com o Brasil que já não se exaspera com nada?

Depois de dizer a Cely que podia ao menos contar com esta coluna, reli os  comentários que escoltam o post. Com uma única e irrelevante exceção, todos apoiam incondicionalmente a causa dos bravos esquecidos. Mas são 120. É pouco para um tapa na cara da nação. E então me pergunto: o que há com os homens decentes que parecem ter renunciado ao bom combate depois de uma eleição que comprovou a existência de 44 milhões de insatisfeitos?

A luta travada pela resistência democrática, escrevi mais de uma vez, não pode ser condicionada pelo calendário eleitoral, nem se limita a disputas nas urnas. Diferentemente da oposição oficial, que entra em recesso entre uma campanha e outra, a oposição real não tira férias. Vive a vida intensamente, sorri, ama, sabe divertir-se  ─ mas não foge da boa briga em nenhum momento.

Dito isso, a coluna dá por encerrado o período de licença concedido aos que há um mês desfalcam o timaço de comentaristas. Precisamos da ajuda de todos para que seja honrada a palavra empenhada com a família do coronel Zanin. Essa briga é nossa.

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Fonte:
Blog Augusto Nunes

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2 comentários

  • Luiz Prado Rio de Janeiro - RJ

    Por que será que o deligado não prendeu esse vereador vagabundo em fllagrante??? Covardia, incompetência?

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  • Telmo Heinen Formosa - GO

    Não faz muito tempo o Beltrame disse "o Exército não está preparado para atuar na Segurança Pública..." Agora, por passe mágica, o Exército virou "a solução para o Alemão"... Mais cedo ou mais tarde alguém terá que atirar. E daí, quem será processado? Todos sabemos que a responsabilidade terminará nas mãos do Exército, e que em breve o atual aplauso das comunidades se transformará em descontentamento, pelo prejuízo à estrutura econômica baseada no tráfico. O Exército sabe que só poderá ter sucesso acumulando o poder militar com o poder político, sob lei marcial. E isto o Governo não engole. Os "fundamentos" estão firmes e fortes... não expulsaram nenhum consumidor de lá... Espere para ver!!!! O povo se arrependerá dos aplausos prematuros. Não se pode elogiar quando os encarregados FAZEM aquilo que é apenas a sua obrigação.

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