Não é difícil entender — de fato, torna-se mais fácil a cada dia — por que o Babalorixá de Banânia se tornou um líder muito apreciado mundo afora. Se a gente pudesse falar de uma safra de governantes, seria lícito afirmar que nunca antes na história deste mundo houve uma tão ruim como essa. A Europa é um deserto intelectual e, no caso da Itália e da França, também moral. A figura que se sobressai, para que se tenha uma idéia da miséria a que se chegou, é a insossa Angela Merkel, chanceler da Alemanha. Os Estados Unidos elegeram uma espécie de ensaio de marketing como presidente, e ele segue adiante, pisando nos astros distraído. Fez desmoronar a arquitetura americana para o Oriente Médio e nada tinha para pôr no lugar. Sejamos gratos a Ronald Reagan e a Mikhail Gorbatchev por terem ferido de morte o império soviético. Tivesse sobrevivido, com os adversários que aí estão, a burocracia comunista estaria pensando já em como cruzar o Atlântico a partir de… Lisboa! Santo Deus!
Obama, jamais se esqueçam disto, é aquele que se elegeu para emprestar um novo sentido moral ao Império Americano, e a plataforma dessa nova moralidade era justamente o Oriente Médio. A caca que ele anda fazendo por lá sobreviverá a muitas gerações. É esperar para ver. Ontem, deu-se o impensável. Hillary Clinton, como se fosse a Dona Maricota dos mísseis, anunciou o boato de que um dos filhos de Muamar Kadafi teria morrido. Mas alertou os jornalistas: não era uma notícia confirmada. Centenas de anônimos já morreram no país, vítimas da guerra civil. Não há um motivo particular para que o filho do tirano parta o nosso coração, certo?
Mas há uma medida nas coisas. Hillary é secretária de Estado do país que detém a maior máquina de guerra — e, se quiser, de paz — do planeta. Esse país está hoje no comando da operação. Isso supõe certo decoro. Kadafi ainda é o governante legal da Líbia para a esmagadora maioria dos países. No mínimo, deve-se exigir de alguém na sua posição que não propague o que não está confirmado. Ademais, se o coronel nunca foi um alvo, a área residencial foi bombardeada com que fim? O rapaz teria morrido nesse episódio? Em 1986, uma filha adotiva de ditador, então com 16 anos, morreu num ataque cirúrgico ao complexo residencial do governante em Trípoli. Hillary anunciou ainda outro boato: Kadafi já estaria em busca de um país que aceitasse recebê-lo.
Estão tentando fazer de um assassino um mártir??? Só pode ser! A pressão contra a guerra já começa a ser ouvida aqui e ali. George W. Bush suportava que o odiassem. E Obama? Ele anuncia que o comando da operação passará, em breve, para a Otan. Vai adiantar pouco. Já é mais uma guerra dos EUA. A opinião pública tinha mesmo caído na conversa de que o objetivo era proteger civis e impor a zona de exclusão aérea. As imagens começam a se chocar com a justificativa oficial, ainda que a imprensa mundial seja esmagadoramente anti-Kadafi, muito especialmente a Al Jazeera. Os motivos alegados para o ataque das potências ocidentais começam a se transformar nas “armas de destruição em massa” da vez, agora sob a batuta de Obama.
Passado o controle para a Otan, como será? Um assessor do presidente americano já afirmou que “os rebeldes são civis” — logo, têm de ser protegidos. Qual é a tese? As forças de Kadafi não podem reagir a seu avanço, é isso? E avançam como? Rezando? Não! Atirando! O que isso quer dizer? “Que Kadafi tem de sair”, como diz Obama. Mas esse não é objetivo da intervenção, segundo a resolução. Tampouco é dar suporte a um movimento armado. E a razão é muito simples: a ONU, por meio da Otan, não pode ser uma força auxiliar de “civis” que lutam com fuzis, tanques e aviões… À margem, a tensão cresce no Iêmen, onde um “governo amigo dos EUA” se mostra disposto a passar fogo nos opositores — por enquanto desarmados — e na Síria, onde um “governo inimigo” faz o mesmo. E aí? Se os EUA podem meter bala num governo que enfrenta um levante armado, o que têm de fazer com os que atiram contra pessoas indefesas?
Obama se meteu num atoleiro. E uma de suas auxiliares é Hillary Clinton, com a habilidade e a pertinência que se vêem acima. É pena o presidente americano não entender português. Teria como consolo ao menos as metáforas de Arnaldo Jabor, que descobriu as virtudes poéticas das bombas. Parece que Obama comanda o bombardeio agora só para que ele faça uma metáfora nova…