Jornalista Reinaldo Azevedo denuncia fraude intelectual em concurso no RN

Publicado em 14/06/2011 16:39 e atualizado em 06/03/2020 08:40

FRAUDE INTELECTUAL - Instituto do governo federal usa texto meu em concurso, faz patrulha ideológica, induz candidatos ao erro e atribui a Camões o que ele nunca escreveu. Recorram, senhores candidatos; serei testemunha!

Edição de

Edição de "Os Lusíadas" organizada por Francisco Gomes de Amorim, de 1889

Caras e caros,

o texto ficará bastante longo, como verão. Mas a questão é importante porque estamos diante de mais uma evidência das distorções a que a esquerdopatia submete a educação no Brasil. Como resolveram usar um texto meu para fazer lambança, então eu me sinto obrigado a denunciar os vigaristas intelectuais. Eu gosto de uma boa briga. A turma lá deve saber disso, espero.
*
Já escrevi uma vez: eles não se cansam, mas eu também não me canso. Eles têm a sua rede de vigarice e maledicência, eu tenho os fatos.  O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte fez um concurso para contratar professores de língua portuguesa para o ensino médio e nível superior. A turma lá decidiu usar um texto meu, publicado na ediçao nº 2025 da VEJA, de 12 de setembro de 2007. Ele serviu de referência para seis questões. Cinco delas têm de ser anuladas. Candidatos que se sintam lesados e queiram recorrer à Justiça podem usar este meu post como suporte. Eu sou o autor. Eu sei o que escrevi. E o Instituto mentiu sobre o meu texto.

O artigo que escrevi foi submetido a um crivo ideológico e teve seu sentido deturpado. Atribuíram-lhe um conteúdo comprovadamente falso. Pior: o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte induz os candidatos a um erro no que diz respeito à gramática, além de atribuir a Camões o que ele nunca escreveu. Escárnio: o concurso seleciona professores de língua portuguesa!

Abaixo, leitor, reproduzo em azul o meu artigo, que critica a recente reforma ortográfica, à qual ainda não aderi em sinal de protesto. Quando for obrigatório, não terei saída. Ainda estou no prazo. Mesmo escrito em 2007, ele poderia servir também como contestação às bobagens presentes no livro de Heloísa Ramos, aquela que faz a apologia do erro. Na seqüência, publico em vermelho (claro!) as questões do tal instituto e o gabarito. E  chuto traseiros com gosto.
*
Restaurar é preciso; reformar não é preciso

A reforma ortográfica que se pretende é um pequeno passo (atrás) para os países lusófonos e um grande salto para quem vai lucrar com ela. O assunto me enche, a um só tempo, de indignação e preguiça. O Brasil está na vanguarda dessa militância estúpida. Por que estamos sempre fazendo tudo pelo avesso? Não precisamos de reforma nenhuma. Precisamos é de restauração. Explico-me.

A moda chegou por aqui na década de 70, espalhou-se como praga divina e contribuiu para formar gerações de analfabetos funcionais: as escolas renunciaram à gramática e, em seu lugar, passaram a ensinar uma certa “Comunicação e Expressão”, pouco importando o que isso significasse conceitualmente em sua grosseira redundância. Na prática, o aluno não precisava mais saber o que era um substantivo; bastava, dizia-se, que soubesse empregá-lo com eficiência e, atenção para a palavra mágica, “criatividade”. As aulas de sintaxe - sim, leitor, a tal “análise sintática”, lembra-se? - cederam espaço à “interpretação de texto”, exercício energúmeno que consiste em submeter o que se leu a perífrases - reescrever o mesmo, mas com excesso de palavras, sempre mais imprecisas. O ensino crítico do português foi assaltado pelo chamado “uso criativo” da língua. Para ser didático: se ela fosse pintura, em vez de ensinar o estudante a ver um quadro, o professor se esforçaria para torná-lo um Rafael ou um Picasso. Se fosse música, em vez de treinar o seu ouvido, tentaria transformá-lo num Mozart ou num Beethoven. Como se vê, era o anúncio de um desastre.

Os nossos Machados de Assis, Drummonds e Padres Vieiras “do povo” não apareceram. Em contrapartida, o analfabetismo funcional expandiu-se célere. Se fosse pintura, seria garrancho. Se fosse música, seria a do Bonde do Tigrão. É só gramática o que falta às nossas escolas? Ora, é certo que não. O país fez uma opção - ainda em curso e atravessando vários governos, em várias esferas - pela massificação de ensino, num entendimento muito particular de democratização: em vez de se criarem as condições para que, vá lá, as massas tivessem acesso ao conhecimento superior, rebaixaram-se as exigências para atingir índices robustos de escolarização. Na prova do Enem aplicada no mês passado, havia uma miserável questão próxima da gramática. Se Lula tivesse feito o exame, teria chegado à conclusão de que a escola, de fato, não lhe fez nenhuma falta. Isso não é democracia, mas vulgaridade, populismo e má-fé.

Não é só a língua portuguesa que está submetida a esse vexame, é claro. As demais disciplinas passaram e passam pela mesma depredação. A escola brasileira é uma lástima. Mas é nessa área, sem dúvida, que a mistificação atingiu o estado de arte. Literalmente. Aulas de português se transformam em debates, em que o aluno é convidado (santo Deus!) a fazer, como eles dizem, “colocações” e a “se expressar”. Que diabo! Há gente que não tem inclinação para a pintura, para a música e para a literatura. Na verdade, os talentos artísticos são a exceção, não a regra. Os nossos estudantes têm de ser bons leitores e bons usuários da língua formal. E isso se consegue com o ensino de uma técnica, que passa, sim, pela conceituação, pela famigerada gramática. Precisamos dela até para entender o “Virundum”. Veja só:

“Ouviram do Ipiranga
as margens plácidas
De um povo heróico
o brado retumbante”

Quem ouviu o quê e onde, santo Deus? É “as margens plácidas” ou “às margens plácidas”? É perfeitamente possível ser feliz, é certo, sem saber que foram as margens plácidas do Rio Ipiranga que ouviram o brado retumbante de um povo heróico. Mas a felicidade, convenham, é um estado que pode ser atingido ignorando muito mais do que o hino. À medida que se renuncia às chaves e aos instrumentos que abrem as portas da dificuldade, faz-se a opção pelo mesquinho, pelo medíocre, pelo simplório.

As escolas brasileiras, deformadas por teorias avessas à cobrança de resultados - e o esquerdista Paulo Freire (1921-1997) prestou um desserviço gigantesco à causa -, perdem-se no proselitismo e na exaltação do chamado “universo do educando”. Meu micro ameaçou travar em sinal de protesto por escrever essa expressão máxima da empulhação pedagógica. A origem da palavra “educação” é o verbo latino “duco”, que significa “conduzir”, “guiar” por um caminho. Com o acréscimo do prefixo “se”, que significa afastamento, temos “seduco”, origem de “seduzir”, ou seja, “desviar” do caminho. A “educação”, ao contrário do que prega certa pedagogia do miolo mole, é o contrário da “sedução”. Quem nos seduz é a vida, são as suas exigências da hora, são as suas causas contingentes, passageiras, sem importância. É a disciplina que nos devolve ao caminho, à educação.

Professores de português e literatura vivem hoje pressionados pela idéia de “seduzir”, não de “educar”. Em vez de destrincharem o objeto direto dos catorze primeiros versos que abrem Os Lusíadas, apenas o texto mais importante da língua portuguesa, dão um pé no traseiro de Camões (1524-1580), mandam o poeta caolho cantar sua namoradinha chinesa em outra barcarola e oferecem, sei lá, facilidades da MPB - como se a própria MPB já não fosse, em nossa esplêndida decadência, um registro também distante das “massas”. Mas nunca deixem de contar com a astúcia do governo Lula. Na citada prova do Enem, houve uma “modernização” das referências: em vez de Chico Buarque, Engenheiros do Hawaii; em vez de Caetano Veloso, Titãs. Na próxima, é o caso de recorrer ao funk de MC Catra: “O bagulho tá sério / vai rolar o adultério / paran, paran, paran / paran, paran…”.

Precisamos de restauração, não de mais mudanças. Veja acima, no par de palavras “educação/sedução”, quanto o aluno perde ao ser privado da etimologia, um conhecimento fascinante. As reformas ortográficas, acreditem, empobrecem a língua. Não democratizam, só obscurecem o sentido. Uma coisa boba como cassar o “p” de “exce(p)ção” cria ao leitor comum dificuldades para que perceba que ali está a raiz de “excepcional”; quantos são os brasileiros que relacionam “caráter” a “característica” - por que deveriam os portugueses abrir mão do seu “carácter”? O que um usuário da nossa língua perderia se, em vez de “ciência”, escrevesse “sciência”, o que lhe permitiria reconhecer na palavra “consciência” aquela mesma raiz?

Veja o caso do francês, uma língua que prima não por letras, mas por sílabas “inúteis”, não pronunciadas. E, no entanto, os sempre revolucionários franceses fizeram a opção pela conservação. Uma proposta recente de reforma foi unanimemente rejeitada, à direita e à esquerda. Foi mais fácil cortar cabeças no país do que letras. A ortografia de Voltaire (1694-1778) está mais próxima do francês contemporâneo do que está Machado de Assis do português vigente no Brasil. O ditador soviético Stálin (1879-1953) era metido a lingüista. Num rasgo de consciência sobre o mal que os comunistas fizeram, é dono de uma frase interessante: “Fizemos a revolução, mas preservamos a bela língua russa”. Ora, dirão: este senhor é um mau exemplo. Também acho. O diabo é que ele se tornou referência de política, não de conservação da língua…

Já que uma restauração eficaz é, eu sei, inviável, optemos ao menos pela educação, não por uma nova e inútil reforma. O pretexto, ademais, é energúmeno. Como escreveu magnificamente o poeta português Fernando Pessoa (1888-1935), houve o tempo em que a terra surgiu, redonda, do azul profundo, unida pelo mar das grandes navegações. Um mar “portuguez” (ele grafou com “z”). Hoje, os países lusófonos estão separados pela mesma língua, que foi se fazendo história. A unidade só tem passado. E nenhum futuro.

Agora vamos às questões:

01. A organização das idéias apresentadas no texto é norteada pela
A) problematização da inutilidade da reforma ortográfica e da ineficácia das aulas de português e de literatura.
B) defesa de um ponto de vista alicerçado, sobretudo, em argumentos de autoridade.
C) crítica às teorias educacionais de Paulo Freire, associando-lhes a responsabilidade pelo insucesso das aulas de português e de literatura.
D) restrição temática a questões técnicas relacionadas à reforma ortográfica e ao ensino de língua portuguesa e de literatura, sem revelar posicionamentos de cunho político-ideológico.

Comento
Evidentemente, a alternativa mais correta é a “D”, já que não esboço posicionamento político-ideológico nenhum! Num dado momento, digo ali que uma postura errada atravessou vários governos. Quem me patrulha é o instituto. A alternativa “A” pode sugerir que eu considero ineficaz ministrar aulas de língua e literatura. Eu as crítico na forma como são ministradas hoje. Mais: em nenhum momento eu afirmo que a reforma é inútil. Inútil é aquilo que não serve pra nada, que é irrelevante. Eu estou dizendo justamente o contrário: ela até pode ser útil a um propósito que considero ruim. EU SOU O AUTOR DO TEXTO, SENHORES “CONCURSANDOS” (é uma licença, valentes!). Eu sei o que escrevi. Estou assegurando que a resposta correta, dada as alternativas, é a “D”. Vamos à questão nº 2.

02. Ao longo do texto, as opiniões sobre a reforma ortográfica revelam
A) juízos de valor assentados nos princípios da sociolinguística, para a qual a natureza variável da língua é um pressuposto fundamental .
B) juízos de valor consoantes com o senso comum, uma vez que, para os estudos sociolinguísticos, é impróprio afirmar que há línguas ricas e línguas pobres .
C) sintonia com o princípio de que toda língua apresenta variação social ou diastrática, mais especificamente no que se refere à variação de classe social.
D) sintonia com uma visão do senso comum assentada na concepção sociointeracionista de linguagem.

Das alternativas dadas, a mais correta e a “A”, mas dizem ser a “B” porque, afinal, eles não gostam de mim e acham que sou um sujeito reacionário, que se move pelo “senso comum”. A propósito, aquela digressão que fiz sobre “educação e sedução” é coisa que se encontra em qualquer esquina… Comuníssimo! Ora, eu escrevi o artigo justamente para demonstrar a “natureza variável da língua”: o “nosso” português é único, diferente dos demais; carrega as marcas da nossa história. A unificação pretendida é um delírio autoritário. Ao afirmar que a alternativa correta é a B, é forçoso admitir que eu defendi no texto a existência de “línguas ricas e de línguas pobres”. Os examinadores estão mentindo. Eu sei o que escrevi. Estou assegurando que a resposta correta, dada as alternativas, é a “A”.  Vamos à questão nº 3.

03. Na intenção de ilustrar como seria uma aula de português que, em vez de seduzir, eduque, Reinaldo Azevedo orienta os professores a “destrincharem o objeto direto dos catorze primeiros versos que abrem Os Lusíadas” (l. 49). Segue o excerto a que o autor fez referência.

01- AS ARMAS e os barões assinalados,
02- Que, da ocidental praia lusitana,
03- Por mares nunca de antes navegados,
04- Passaram ainda além da Taprobana,
05- Em perigos e guerras esforçados.
06- Mais do que prometia a força humana,
07- Entre gente remota edificaram
08- Novo reino, que tanto sublimaram;

09- E também as memórias gloriosas
10- Daqueles reis que foram dilatando
11- A Fé, o Império, e as terras viciosas
12- De África e de Ásia andaram devastando,
13- E aqueles que por obras valerosas
14- Se vão da lei da morte libertando:
15- Cantando espalharei por toda parte,
16 - Se há tanto me ajudar o engenho e arte.

CAMÕES, Luís. Os lusíadas. Belo Horizonte: Itatiaia, 1990, p. 29. (Grandes obras da cultura universal; v.2.)

Em relação à orientação didática proposta por Reinaldo Azevedo, é correto afirmar:
A) não há justificativa sintática para admitir, nos catorze versos que antecedem a ocorrência do verbo espalhar, a função de objeto direto, pois eles se encontram antepostos ao verbo da oração principal .
B) não se trata do “objeto direto dos catorze primeiros versos”, como assegura o autor, mas de uma sequência de valor adverbial contida nesse conjunto de versos e adjunta do verbo espalhar.
C) não se trata do “objeto direto dos catorze primeiros versos”, como assegura o autor, mas do complemento do verbo espalhar, que aparece no verso quinze .
D) não há justificativa sintática para se atribuir transitividade direta ao verbo espalhar, uma vez que ele vem seguida pela preposição por

Agora a coisa fica muito séria. No meu texto, afirmo: “Em vez de destrincharem o objeto direto dos catorze primeiros versos que abrem Os Lusíadas, apenas o texto mais importante da língua portuguesa, [os professores] dão um pé no traseiro de Camões (…)”. Notem que nem escrevi que todos os 14 versos são objeto direto, mas poderia tê-lo feito porque, de fato, é isso mesmo; as orações adjetivas que se colam aos objetos não mudam a sua natureza.

Dizem os examinadores que a alternativa correta é a “C”, mas inexiste alternativa correta pela simples razão de que “espalhar” é, sim, um verbo transitivo direto; se é, seu complemento é o objeto direto. Vamos ver.

- O primeiro objeto direto está no primeiro verso:
O narrador de “Os Lusíadas”, na ordem direta, está afirmando:
“[Espalharei por toda parte] as armas e os barões assinalados.”
O que vai do verso 2 ao verso 8 são orações subordinadas adjetivas explicativas — e explicam aquele objeto direto.
- O segundo objeto direto está no verso 9 e parte do 10
“[Espalharei por toda parte] também as memórias gloriosas daqueles reis
O que se segue em parte do 10, no 11 e no 12 são orações subordinadas adjetivas restritivas.
- O terceiro objeto direto está em parte no verso 13:
“Espalharei por toda parte] aqueles
O resto do 13 e o 14 também têm uma oração adjetiva restritiva.

O que é mais espantoso na questão é que eles próprios admitem que esses termos são “complemento” do verbo “espalhar”. Está lá na alternativa C, que dão como correta. E o verbo “espalhar” tem qual transitividade? Um professor, à época, só descobri ontem, resolveu me contestar — e responderei em texto específico —, sustentando que todos aqueles complementos se referem a “cantando”. Lamento! Não é, não, valentão!

O “cantando” é o “modo” como o narrador espalhará — divulgará ao mundo e à posteridade — os feitos portugueses. E, como é um poeta, ele o fará “cantando” (à época, meu senhor, os poetas “cantavam” suas musas). Se fosse Leonardo Da Vinci, ele poderia dizer: “Pintandoespalharei por toda parte”; se gosse Michelangelo, “esculpindo espalharei por toda parte”; se fosse Ideli Salvatti, “berrando espalharei por toda parte”; se fosse um examinador do tal instituto, “mentindo espalharei por toda parte”. Aqueles termos todos, na gramática, complementam o sentido do verbo “espalhar”. E o narrador o fará como, de que modo? “Cantando”.

O “cantando” é, nitidamente, uma manifestação da Oração Subordinada Adverbial Modal, que desapareceu, sem explicação, da Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB). Não foi a única. A locativa também foi para o brejo. Mas, admito, isso pode dar algum debate, que fica para outro post. Atentem para o que vem agora.

Estupidez
A transcrição do trecho de Os Lusíadas traz dois erros que alteram o sentido de maneira grotesca. O mais grave está no verso 16: onde se lê “há tanto”, o certo é “a tanto”; onde meteram um verbo, Camões escreveu uma preposição! Inexiste aquele ponto final do verso 5; se ele estivesse lá, o que vem depois seria um anacoluto. Que turma é essa capaz de fazer essa miséria com Camões? Mas entendo: eles transcreveram o trecho de “Grandes Obras da Cultura Universal”. Posso lhes emprestar — melhor não… — uma das minhas edições de Os Lusíadas. A mais antiga é uma preciosidade revisada por Francisco Gomes de Amorim, publicado pela Imprensa Nacional de Lisboa em 1889. Outra edição de referência é a organizada por Emanuel Paulo Ramos, da Porto Editora. Há diferenças. Mas em nehuma existe, obviamente, “há tanto”… Examinador que transcreve Camões de  “Grandes Obras da Cultura Universal” merece chicote. Adiante.

04. No segundo parágrafo do texto, as ocorrências de uso das aspas evidenciam
A)uma forma de discurso relatado que apenas reproduz fielmente o que está sendo citado, sem que haja ruptura sintática .
B)fazer uma espécie de teatralização de algo dito em outro momento, de forma a atribuir maior fidelidade ao que está sendo dito, com ruptura sintática.
C)uma intenção de se manter, a distância, certas palavras, mas, ao mesmo tempo, dar legitimidade a esse distanciamento, sem haver ruptura sintática .
D)destacar trechos de afirmações cuja autoria não pode ser atribuída nem ao enunciador do texto nem algum outro enunciador.

O candidato deveria marcar a alternativa C, seja lá o que aquela coisa signifique. Eu não entendi o que faz lá aquele “se”, até porque, por uma questão de paralelismo, então seria preciso escrever “se dar”. Bem, eu sou o autor do texto, né? Eu não quis dar “legitimidade a distanciamento” nenhum, até porque não estendi o que essa borra quer dizer… Vamos à próxima.

05. Sobre o período É a disciplina que nos devolve ao caminho, à educação (l.47), é correto afirmar:
A) a expressão à educação funciona, sintaticamente, como aposto de caminho.
B) se retirarmos o acento indicativo de crase do a que antecede educação, isso alterar-lhe-ia a função sintática .
C) se retirarmos o acento indicativo de crase do a que antecede “a” palavra educação, esta passaria a exercer a função de objeto direto do verbo devolver.
D) a expressão à educação funciona, sintaticamente, como complemento nominal de caminho.

Que gente é essa, meu Deus! Na questão que poderia ser não-ideológica, eles erram  miseravelmente porque são incapazes de interpretar um texto. De fato, pode-se considerar correta, como eles querem, a alternativa C, mas eu, que sou o autor, asseguro: a correta é a “A”. Basta ler o meu texto para perceber que eu criei uma oposição entre “educação” e “sedução”, entre “caminho” e “afastamento do caminho”. Logo, quem leu direito entendeu que, com efeito, “caminho” é, sim, um aposto de “educação”. Mas esperem: a C também está correta porque, de fato, ela não difere em nada da B; apenas recorre à nomenclatura. Vamos à ultima.

06. Remetem às fases da forma prototípica da sequência dominante no texto
A) constatação inicial, problematização, resolução e conclusão-avaliação .
B) ancoragem ou afetação, aspectualização e relacionamento.
C) situação inicial, complicação, ações, resolução e situação final.
D) premissas, argumentos, contra-argumentos e conclusão .

A resposta certas e a “D”. Huuummm… É a única que dá para aceitar das seis, embora “aspectualização” seja um desses complicômetros universitários que não servem nem para catar cocô. É só o fácil falar difícil, na suposição de que as palavras de que dispõe a língua são insuficientes para traduzir o que essa gente tem a dizer. Mas convenham: no conjunto da obra, esse é o menor dos males.

A isso estamos reduzidos. No post lá do alto, vocês vêem a miséria que fizeram num vestibular da Universidade de Brasília. Aqui, o proselitismo intelectual vigarista não poupa ninguém: Reinaldo Azevedo ou Camões! Ele está morto, não fala. Eu falo e chuto o traseiro desses pilantras.

Por Reinaldo Azevedo

O VESTIBULAR CRIMINOSO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FRAUDA A CONSTITUIÇÃO E ATÉ MÚSICA DE CAETANO VELOSO

A Universidade de Brasília, como já escrevi aqui, é a morada do aiatolá Marcos Bagno, aquele professor que já fez fama — e, calculo aqui, fortuna razoável — com suas fabulações sobre o preconceito lingüístico. Trata-se de uma tese intelectualmente vigarista porque mistura dois domínios: os estudos de lingüística, que têm valor descritivo, não normativo, e os de gramática. Bagno inventou a existência de um preconceito para, então, combatê-lo, como se as nossas escolas fossem verdadeiros centros de tortura da linguagem popular. Não! O nosso problema é bem outro: falta de estrutura e de capacitação intelectual para ensinar a norma culta aos alunos, o que não implicaria desrespeitar, obviamente, as várias “falas” que há no país. A questão é falsa. Os exploradores da boa-fé e da miséria alheias, no entanto, são verdadeiros.

O tema ganhou relevância recentemente por causa do livro “Por Uma Vida Melhor”, da professora Heloísa Ramos, distribuído pelo MEC. Seguindo as pegadas de Bagno, Heloísa faz a mesma confusão de domínios e confere ao erro o valor de uma norma… alternativa! Ao aluno caberia escolher o ambiente adequado para empregar a norma culta ou a outra. Trata-se de uma imbecilidade teórica porque a) ninguém precisa de escola para aprender a errar; b) esse tipo de debate interessa a acadêmicos, sim, mas é uma bobagem levá-lo a alunos dos ensinos fundamental e médio.

Pois bem. A UnB, onde fica o bunker intelectual de Bagno, realizou vestibular neste fim de semana. O tema da redação foi este:
“Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó: a língua de um povo não se faz com preconceito nem com prescrição”.

Epa! “Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó” é trecho de uma música de Caetano Veloso chamada “Língua” (segue a letra no pé do post). Caetano não gosta de mim. Não ligo. Ele não é o único. Mas eu gosto dessa canção e já a usei em sala de aula quando era professor. A música fez um relativo sucesso, boa parte dos alunos a conhecia — de lá pra cá, o padrão do que a meninada ouve caiu muito —, e ela ilustra algumas questões interessantes sobre a língua portuguesa. O trecho “Flor do Lácio sambódromo, lusamérica latim em pó” remete à perífrase pela qual é conhecido o português — “Última Flor do Lácio” —, exibe uma palavra criada no Brasil com a fusão de “samba”, que veio do banto, e “dromo”, do grego “drómos”, lugar de corrida —  ou “pista”, por associação de idéias. O Brasil criou uma “pista do samba”, depois “passarela do samba”. A realidade nova recorreu ao estoque de referências da língua para criar uma palavra nova.

Os primeiros versos da letra anunciam: “Gosto de sentir a minha língua roçar/ a língua de Luís de Camões/ gosto de ser e de estar”…  Como se vê, o texto começa com o apelo a um clássico. Em seguida, o autor destaca o fato de que, em português, temos palavras distintas para “ser” e “estar”, à diferença de algumas línguas modernas.  A música traz muitas questões lingüísticas que podem render uma boa conversa em sala de aula e canta as glórias de uma língua viva, dinâmica. O “lusamérica” remete ao óbvio — somos o único país das Américas a falar português —, e o “latim em pó” lembra a origem do idioma. Note-se: sem entrar no mérito do que diz e escreve Caetano, ele se expressa sempre com absoluta correção.

Pouco me importa a intenção do autor ou o que ele possa dizer agora — já que é meio chegadito a “causas progressistas” —, mas o fato é que a música não autoriza os energúmenos que elaboraram a prova a concluir que ela é expressão da tese de que “a língua de um povo não se faz com preconceito nem com prescrição”. A propósito: com preconceito, não se faz mesmo. Não conheço nada de bom que se faça com ele. Mas a língua se faz, sim, com prescrição.

É neste ponto que se revela a fraude intelectual da canalha: tomar a “prescrição” como sinônimo de “preconceito”. É o caráter prescritivo de uma língua que assegura a sua unidade. A palavra “sambódromo” vem bem a calhar. Surgiu de uma realidade física e cultural nova, mas se formou a partir, ora vejam, de conceitos firmados segundo uma… prescrição! Essa gente frauda o debate e frauda até a música de Caetano Veloso.

Mas isso ainda é o de menos. Notem que o examinador não pede nem mesmo que o aluno se posicione diante de um debate. Ao contrário. Para os extremistas, a língua não pode ser prescritiva, mas uma redação pode: O TEMA PRESCREVE A OPINIÃO DO ALUNO. E ai daquele que discordar da tese! Estamos, pois, diante de duas seleções combinadas: a primeira escolhe os alunos que concordam; a segunda, os mais hábeis, espero eu, entre os que concordam.

Finalmente, fico cá a imaginar quais serão os critérios de correção. Por uma questão de coerência, tudo aquilo que a prescrição apontar como erro — a norma culta — deve ser ignorado pelo examinador, certo? Mais: estamos diante da possibilidade se um aluno que se expressa com absoluta correção, mas que discorda da tese, ser preterido em benefício de um quase analfabeto que diz amém!

A UnB fez uma prova para servir de desagravo a seu aiatolá e impôs uma opinião aos alunos. Não basta dominar um conjunto de conhecimentos para ser admitido na UnB. É preciso concordar com eles. No que respeita à liberdade de expressão, trata-se de uma prova criminosa, que viola o Artigo V da Constituição. Estão previamente censurados todos os que não concordam com os extremistas do professor Marcos Bagno.

*

Segue a letra de “Língua”

Gosto de sentir a minha língua roçar
A língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar
A criar confusões de prosódia
E um profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior
E quem há de negar que esta lhe é superior
E deixa os portugais morrerem à míngua
Minha pátria é minha língua
Fala Mangueira

Flor do Lácio Sambódromo
Lusamérica latim em pó
O que quer
o que pode
Esta língua

Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas
Cadê? Sejamos imperialistas
Vamos na velô da dicção choo choo de Carmem Miranda
E que o Chico Buarque de Hollanda nos resgate
E Xeque-mate, explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os “deles” e os “delas” da TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homem
Sejamos o lobo do lobo do homem
Adoro nomes
Nomes em Ã
De coisa como rã e ímã, ímã, ímã…
Nomes de nomes, como Scarlet Moon de Chevalier
Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé e Maria da Fé
e Arrigo Barnabé


Incrível
É melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível filosofar em alemão
Se você tem uma idéia incrível,
É melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível
Filosofar em alemão
Blitz quer dizer corisco
Hollywood quer dizer Azevedo,
E o recôncavo, e o recôncavo, e o recôncavo
Meu medo!

A língua é minha Pátria
E eu não tenho Pátria, tenho mátria
E quero frátria
Poesia concreta e prosa caótica
Ótica futura
Samba-rap, chic-left com banana
Será que ele está no Pão de Açúcar
Tá craude brô, você e tu lhe amo
Qué que’u faço, nego?
Bote ligeiro
Nós cantofalamos como quem inveja negros
Que sofrem horrores no Gueto do Harlem

Livros, discos, vídeos à mancheia
E deixa que digam, que pensem,
que falem.

Texto publicado originalmente às 22h11 desta segunda
Por Reinaldo Azevedo

Instituto que fez exame energúmeno agora afirma que o “gabarito definitivo” ainda não foi divulgado

Sabem o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte? Aquele que não consegue transcrever sem erros duas estrofes de Camões (transformadas em uma, diga-se…), que submete textos a distorções ideológicas e que não sabe gramática? Pois bem: encontro no site dos valentes a seguinte mensagem. Leiam com atenção. Volto depois:

Divulgadas provas e gabaritos do concurso para professor

Gabarito definitivo será publicado no dia 20

A comissão do concurso público para professor de ensino básico, técnico e tecnológico do IFRN (Edital 12/2011) acaba de divulgar as provas e os gabaritos.
Clique aqui para ver.
A interposição de recursos deve ser feita pelo próprio candidato através do endereço concursopublico.ifrn.edu.br. Ao acessar o endereço, o candidato deve estar de posse do número de inscrição, do CPF e da data de nascimento. Em seguida, será levado para a página da sua inscrição, onde, na parte superior, estará disponível o link para interposição do recurso.

O formulário estará disponível até as 22:00 do dia 13 de junho.

Voltei
Como é? A prova é feita no dia 12 de junho, divulga-se um gabarito no dia 13, mas o “definitivo” só sai no dia 20? Prova de múltipla escolha com “gabaritos provisório e definitivo” quer dizer exatamente o quê? A junta de sábios está agora reunida para saber o que fazer com tanta bobagem, é isso?

A prova foi feita no dia 12, e o formulário para recurso ficou no ar apenas um dia? De que recurso se está falando aí? Usaram um texto meu para fazer seis questões. Apontam como certa a resposta errada na 1, na 2 e na 4. Como o texto é meu e é matéria de interpretação, sei o que estou dizendo. A quetão nº 3 é de gramática. Não há alternativa correta; todas estão erradas. A 5, também de gramática, traz três alternativas aceitáveis.

Você que fez o concurso pode e deve recorrer à Justiça caso se sinta lesado pela patrulha ideológica ou pela incompetência do instituto.

Sim, eu continuarei a pegar no pé da turma.

Por Reinaldo Azevedo

O leitor 1 - A gramática que se dane! Professor agora é especialista em tirinhas!

Recebo o seguinte comentário do leitor César, que vai ao ponto, naquele post sobre o exame energúmeno aplicado no Rio Grande do Norte:

Prezado Reinaldo,

Sou professor de português há cerca de doze anos no ensino médio. Durante aproximadamente três desses anos, após concluir meu doutorado em Sintaxe, lecionei Linguística e Morfossintaxe em uma universidade pública, da qual me desliguei, a pedido, no ano passado, a fim de investir na carreira jurídica (uma das três melhores decisões que já tomei). Senti - e sinto - na pele todo o patrulhamento ideológico medíocre que simplesmente destruiu a já espezinhada carreira de professor de português. Antes, a esse profissional era conferida invejável importância, não só porque dele se exigia grande preparo intelectual, mas também porque o aluno, com sua visão pragmática, valorizava o conhecimento que aquele lhe transmitia, uma vez que, ao menos, era intensamente cobrado nos vestibulares.

Hoje, tais exames contentam-se em cobrar a interpretação de tiras do Hagar e da Turma da Mônica, fato que tornou os atuais docentes especialistas em tirinhas. Isso se reflete inclusive nos porões acadêmicos, em que mestrandos e doutorandos chafurdam em “pesquisas”, bancadas pelo Estado, sobre o uso da preposição na variante linguística do Chico Bento. Os filólogos? Morreram. Não há mais espaço para eles. Foram assassinados pelos especialistas em tirinhas. Hoje, o aluno entra em Medicina sabendo ler como ninguém uma Mônica, um Cebolinha… Dê-lhe um parágrafo científico, e ele se “fela”. Bem, todo esse introito serviu para dar base às minhas congratulações a você pelo brilhante texto, em que, além de coragem e bom senso, demonstra profundo conhecimento sintático. Concordo plenamente com a sua análise sobre o objeto direto.

Por Reinaldo Azevedo

Leitor 2 – Nunca mais ensine porcaria a seus alunos, minha senhora!

No post anterior, publico o comentário de César, professor universitário de língua portuguesa, com doutorado em sintaxe, que preferiu migrar para a carreira jurídica. Sabia das coisas e, infelizmente para os estudantes, caiu fora da educação. Mas recebo também o comentário da “Professora Helena”. Esta, pelo visto, não mudou de ramo — tenho uma idéia do lugar ideal para ela, mas prefiro me calar…

Você é professor ? Faz-me rir. Pena que Joaquim Osório Duque Estrada não possa fazer com você, aquilo que você faz no texto acima. Quem ouviu o grito do Ipiranga foi o povo brasileiro. Não foi “as margens plácidas” coisa nenhuma. Me poupe…

Respondo
Não, sua anta! Eu não vou poupá-la. Em primeiro lugar, eu não a poupo daquela vírgula largada entre “você” e “aquilo”, como se fosse uma meia suja ou um tênis fedido  no living em dia de visita. Em segundo lugar, eu não a poupo do erro de concordância: “foi as margens plácidas” uma pinóia; o certo é “foram”. Em terceiro lugar, eu não a poupo da sua ignorância específica. Joaquim Osório Duque-Estrada (com hífen) escreveu:

Ouviram do Ipiranga as margens plácidas
De um povo heróico o brado retumbante (…)

Atenção, minha senhora! Na ordem direta, fica assim:
“As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heróico”
Sujeito - as margens plácidas do Ipiranga
Núcleo do sujeito - margens
Adjuntos adnominais - as, plácidas, do, Ipiranga
Ouviram - verbo transitivo direto
Objeto direto - o brado retumbante de um povo heróico
Núcleo do objeto - brado
Adjuntos adnominais - o, retumbante, um, povo (o “heróico é adjunto adnominal do adjunto adnominal!!!)

Na voz passiva, ficaria assim:
“O brado retumbante de um povo heróico foi ouvido pelas margens plácidas do Ipiranga”.

Nunca mais ensine porcaria a seus alunos, minha senhora!

Por Reinaldo Azevedo
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Fonte:
Blog Reinaldo Azevedo

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