30/08/2011
às 22:03A vergonhosa absolvição de Jaqueline Roriz
O Brasil vive uma espécie de desordem intelectual, moral e ética. Não sei qual vem em primeiro lugar. Digamos que todas concorram em pé de igualdade e que cada uma delas estimule as outras duas. Leiam o que informa Maria Clara Cabral, na Folha Online. Volto em seguida:
Por 166 votos favoráveis a cassação, 265 contra e 20 abstenções, a deputada Jaqueline Roriz foi absolvida, na noite desta terça-feira, pela Câmara dos Deputados. Ela foi filmada recebendo dinheiro de Durval Barbosa, delator do mensalão do DEM do Distrito Federal. Na época, a deputada admitiu que o dinheiro seria para caixa dois de campanha. A gravação, no entanto, é de 2006, antes de ela ser eleita deputada distrital. Sua defesa alegou que ela não poderia ser cassada por um fato cometido antes de seu mandato.
Em sua defesa no plenário, Jaqueline não mencionou, nenhuma vez, o vídeo. Também não negou ter recebido o dinheiro. Ela apenas culpou a mídia, “que destrói a honra de qualquer um”. Criticou ainda o procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, que na semana passada apresentou um parecer pela abertura de uma ação penal contra a deputada. “Alguns paladinos da ética, alguns parlamentares e integrantes do Ministério Público, por interesses políticos, tentam influenciar os senhores. O procurador me denunciou sem nem ouvir o meu lado”, afirmou ele.
Carlos Sampaio (PSDB-SP), relator do Conselho de Ética, que defendia a perda de mandato da colega, alegou que o caso só foi conhecido após as eleições em que Jaqueline foi eleita. No plenário, outros cinco deputados fizeram discurso para a cassação e apenas um apoiou Jaqueline. A votação, no entanto, foi secreta, o que, avaliam deputados, contribuiu para a absolvição de Jaqueline. Pelo menos 257, dos 513 deputados precisariam votar contra Jaqueline para ela perder o mandato.
Conselho de Ética
O Conselho de Ética da Câmara havia recomendado a sua cassação, mas o pedido foi negado no plenário. Para cassar Jaqueline seriam necessários 257 votos entre os 513 deputados. A votação foi secreta. A deputada chegou a recorrer ao Conselho na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) alegando que o vídeo de 2006 é anterior ao mandato. Após polêmica, no entanto, ela desistiu do recurso, o que levou a votação ao plenário.
Campanha
Nos últimos dias, a deputada enviou a todos os gabinetes um “memorial de defesa” e fez corpo a corpo com os colegas, seguindo a mesma linha do seu discurso de defesa: de que o fato que resultou no processo é anterior ao mandato. Seu pai, o ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz, também entrou em campo e conversou com deputados da base e da oposição. Em 2007, Roriz renunciou ao cargo de senador após suspeitas de irregularidades.
Voltei
Todos os leitores sabem — e muitos me criticam por isso, não ignoro — que considero a tal lei da Ficha Limpa (ou “do”, como dizem muitos) inconstitucional. É uma questão de presunção de inocência. Ou se mudam os fundamentos que temos — e, eventualmente, podem ser mudados — ou não se pode cassar o direito de alguém que pode vir a ser absolvido depois. É uma questão, para mim, óbvia. Não me parece sensato que se diga: “Ah, mas, para a questão eleitoral, a gente pode abrir uma exceção”. Entendo que não pode. E prevejo que a lei vá ser derrubada pelo Supremo, para frustração de muitos. Atenção: isso não quer dizer que sua intenção ou princípio sejam ruins.
“Mas, então, como você diz que a não-cassação de Jaqueline é uma vergonha? “É simples — e, assim, vamos desfazendo algumas confusões. O Câmara não estava julgando uma questão criminal. O que os pares de Jaqueline estavam decidindo ali é se ela tem, vamos dizer, uma ética compatível com a Casa.
E o que eles disseram? Que aquela senhora que recebeu dinheiro sabidamente público, de modo ilegal, tem, sim, ética compatível com a Casa. Notem bem: eu considero a sua absolvição absurda do ponto de vista da ética ela mesma. Quem sou eu para dizer que existe alguma contradição entre os 265 que absolveram e a própria? O que eles disseram, no conforto do voto secreto, é que poderiam fazer a mesma coisa. E é bem provável que muito tenham feito.
Reitero: no que concerne à questão ética, se ela recebeu a grana antes ou depois de eleita, é irrelevante. Ou alguém está sugerindo que ela aprendeu os bons costumes só depois de se tornar deputada federal?
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