Editorial da Folha: CORRUPÇÃO PROFUNDA

Publicado em 16/11/2014 05:51 e atualizado em 17/11/2014 13:57

Investigadores fazem sua parte no caso da Petrobras, mas governo, estatal e Congresso mantêm inércia próxima da conivência

As atitudes da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e dos magistrados que supervisionam as investigações sobre desvios bilionários na Petrobras sugerem que o país está à beira de conhecer o cerne da corrupção política.

É o que se depreende da ação feita para prender 25 pessoas, entre as quais presidentes das maiores empresas do Brasil, e levar outras nove a prestar depoimentos de forma compulsória em delegacias.

Depreende-se, pois as provas conhecidas são ainda escassas, não há acusação formal nem processo instaurado, que dirá condenações.

Mesmo assim, dadas as evidências publicadas e algumas confissões substanciosas, há esperança de que se aproxime um momento decisivo de desmonte de um sistema central de pilhagem envolvendo partidos e governo, além de grandes empresas que defraudam estatais por meio de conluios.

Causa desalento, por outro lado, a atitude do governo, da própria Petrobras, do Congresso e da chamada base aliada. Passaram-se oito meses desde que começou a Operação Lava Jato. A presidente Dilma Rousseff (PT) limitou-se a ressaltar que não foi empecilho às investigações. Nem poderia sê-lo, pois cometeria crime.

Duas CPIs de quase nada serviram, enquanto a direção da Petrobras só no mês passado contratou escritórios de advocacia a fim de auxiliar as apurações.

No mais, pouco se sabe do que a direção da estatal fez para elucidar crimes cometidos sob seu teto, ou como foi possível que tais fraudes passassem despercebidas por tantos anos. A cúpula da maior empresa do Brasil é inepta ou cúmplice.

Como se não bastasse, um dia antes da deflagração da sétima fase da Lava Jato, a estatal foi submetida à humilhação de ver recusadas as suas demonstrações financeiras, pois o auditor desconfia que tais documentos possam estar criminosamente errados.

Pelo que já se sabe, figuras de proa dos partidos governistas não se pejaram de saquear a Petrobras mesmo quando seus próceres eram condenados no processo do mensalão. Ao que tudo indica, comportaram-se como bandidos de rua, que mudam seus pontos de tráfico quando são acossados pela polícia em sua base de operações.

Os dirigentes partidários em tese inocentes jamais se deram ao trabalho de expurgar os chefes do tráfico de influência e dinheiro destinado a bancar ilegalmente campanhas e adquirir apoio político. No mínimo, permitiram que suas siglas permanecessem casas de tolerância da corrupção.

Governo, Petrobras, Congresso e líderes políticos ainda demonstram uma inércia próxima da conivência. Isso precisa acabar.

 

A vez dos políticos (PAINEL):

Uma das mais aguardadas etapas da Operação Lava Jato depois que a apuração atingiu as empreiteiras, a lista de quantas e quais são as autoridades com foro privilegiado envolvidas no escândalo ainda deve demorar. As denúncias ao Supremo Tribunal Federal só devem ser feitas depois que todos os investigados que optarem pela delação premiada falarem. Só então o Ministério Público Federal vai fechar a relação de quais os políticos sobre os quais há indícios consistentes de envolvimento.

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Navalha... Para tentar recuperar fôlego diante do agravamento da crise da Petrobras, Dilma Rousseff vai reforçar o discurso de que não deixará "pedra sobre pedra" no combate à corrupção para defender que a sociedade brasileira "saiba de tudo".

... na carne No Palácio do Planalto, a ordem é manter a blindagem da presidente e continuar mostrando a petista como avalista das investigações e punições, "seja de um empresário ou da cunhada do tesoureiro do partido", nas palavras de um auxiliar.

Campeãs... Levantamento feito pelo Ministério Público Federal mostra que as empreiteiras que foram alvo da operação de sexta-feira têm 12 contratos ativos com outros órgãos do governo federal, além da Petrobras, no valor de R$ 4,2 bilhões.

... nacionais O maior contrato é da Mendes Júnior: R$ 927 milhões em obras de um dos trechos da transposição do rio São Francisco.

Meio de campo Um dos alvos da operação de sexta, a construtora Engevix admitiu em ofício à Justiça Federal que pagou R$ 6,2 milhões para que o doleiro Alberto Youssef fizesse "mediação em processos de negociação" com a Petrobras nas obras da refinaria de Abreu e Lima.

No papel Os contratos foram assinados com duas firmas de Youssef, em 2009 e já em 2014. "Este serviço era prestado pelo senhor Alberto Youssef e devidamente formalizado por contrato", declarou a Engevix.

Oráculo Já a OAS, cujo presidente, Adelmário Pinheiro Filho, foi um dos presos na sexta-feira, declarou ter pago R$ 6,9 milhões às empresas de Youssef a título de consultoria.

Aqui não Tucanos se diziam aliviados ontem pelo "foco restrito" das investigações da Polícia Federal na relação das empreiteiras com a Petrobras, já que as empresas também prestam serviços para governos do PSDB.

ANÁLISE

Nova fase da operação criou clima de fim de mundo em Brasília e no mercado financeiro

VALDO CRUZDE BRASÍLIA

No "juízo final" da Operação Lava Jato não há trigo, só joio. Não há bons, só maus. Há, pelo menos, aqueles que se tornaram ervas daninhas arrependidas e que estão contribuindo para arrancar todo mal que ajudaram a semear nos campos de petróleo.

Batizada pelo termo bíblico, a nova fase da operação desencadeada pela Polícia Federal criou, de fato, um verdadeiro clima de fim de mundo em gabinetes de Brasília e escritórios luxuosos de empreiteiras país afora.

O maior temor entre políticos de todas as matizes e empresários habituados a comprar proteção com seu rico dinheiro é que, a cada dia, uma nova alma arrependida, ao sentir a aproximação da foice, decida entregar o jogo.

Neste ritmo, o risco é não sobrar pedra sobre pedra, tal como vem dizendo a presidente Dilma Rousseff sempre que é indagada sobre o escândalo que atingiu a Petrobras durante os governos petistas --dela e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O problema, para a reeleita, é que o processo de ceifa conduzido pela PF e pelo Ministério Público pode gerar uma sensação de terra arrasada num momento em que o país está perto do atoleiro.

Nas palavras de um empresário, que não opera com a Petrobras, já é possível captar sinais vindos de investidores estrangeiros de que podem congelar projetos no país até ficar mais claro o que sobrará depois desta tempestade nos campos da estatal.

Diz ele que quando um simples gerente tem uma conta bloqueada no exterior no valor de US$ 20 milhões, fica difícil imaginar até onde foi o esquema na empresa que deveria ser o principal motor da economia brasileira, num momento em que ela patina.

O mais estarrecedor é que na fila do juízo final da Operação Lava Jato estão deputados e senadores aguardando sua vez. Dizem que o número pode chegar a 70, mais de 10% do Congresso.

Não por outro motivo o que mais se ouve em Brasília é que não dá mais para manter o sistema atual. Teria chegado a hora de mudar o modelo de financiamento de campanhas e acabar com a dependência de empresas privadas.

Discurso que será ouvido cada vez mais a partir de agora. Afinal, será difícil sobrar alguém totalmente limpo ao fim da colheita da Lava Jato.

Crise pode motivar fuga de capitais, diz 'New York Times'

DE SÃO PAULO - A nova fase da Operação Lava Jato foi tema de artigo no "New York Times". Publicada na sexta (14) na página de finanças "DealBook", a análise liga a crise na Petrobras a uma possível fuga em massa do mercado brasileiro.

"Quando a companhia mais endividada do mundo adia comunicados graças a um escândalo de corrupção deve-se esperar oscilação." Apesar de ressalvar que o mercado brasileiro caiu apenas 1% no dia das prisões, o artigo conclui que "o temor é que o pânico de venda de papéis em uma companhia ou país possa se espalhar rapidamente, já que esses são muito dependentes do capital privado estrangeiro".

VINICIUS TORRES FREIRE

Um governo que fura poços fundos

Além do desastre político que virá com o Petrolão, saque da Petrobras cria mais custos econômicos

POUCO ANTES do segundo turno da eleição, o jornalista trabalhava com a TV ligada na Bloomberg, canal americano de notícias financeiras. De repente, ouve "Brazil", "Rússeff", "Nieves". Jim Chanos, um financista, falava sobre a Petrobras.

"A situação econômica da empresa é tão ruim que dizemos que Petrobras é um embuste, não uma ação [a scheme, not a stock']."

Uma repórter pergunta se a empresa enganou os investidores no IPO de 2010 (IPO: a empresa vende novas ações no mercado). Chanos diz que a empresa insiste na conversa otimista de que vai render, embora não faça dinheiro bastante nem para pagar seu plano de investimentos e juros, sendo obrigada a se endividar demais.

Chanos dirige um "hedge fund" chamado "Kynikos" ("cínico"). Fez alguma faminha apostando na baixa de ações que julgava podres. Andou perdendo dinheiro grosso neste ano, conta o "Wall Street Journal". E daí que o "kynikos" Chanos escarneça da Petrobras? Não é só ele.

A gente dá de ombros sobre os efeitos do descalabro corrupto-econômico da Petrobras sobre o mercado de ações e outros, ainda mais quando leva em conta o tamanho do desastre político que virá em 2015, os desdobramentos do Petrolão.

Enfim, o comum dos brasileiros em geral não tem ações, da Petrobras ou outras. Não tem nem deve se animar a ter. Os "ricos" daqui ou investidores de alhures vão olhar com mais desconfiança o mercado brasileiro. Não é um problema de "imagem". Isso custa caro.

A maior empresa do país foi saqueada por políticos, diretores e empreiteiras. É gerida à matroca pelo governo e chegou ao cúmulo da degradação de não conseguir publicar nem balanço, que seus auditores temem ser fajuto, dada a corrupção. Isto fizeram da Petrobras, maior que a maioria das economias latino-americanas, quase do tamanho do Peru, empresa que paga mais de R$ 100 bilhões de impostos, com um patrimônio enorme de conhecimento.

Em 2010, a Petrobras fez o maior IPO da história. O ano foi ruim para as ações, por causa de eleição, da politicagem crescente do negócio e do próprio IPO. A empresa vendeu R$ 120 bilhões em ações (vale agora menos do que isso no mercado). A União comprou R$ 80 bilhões em ações, aumentou a participação estatal no capital e, pois, desvalorizou o investimento, a renda esperada de dividendos, dos acionistas minoritários.

Desde o IPO, o preço das ações caiu quase 50%, sem contar a inflação. Além do estrago direto na empresa, obrigada a engolir superfaturamentos legais e ilegais de obras e insumos, o governo emperrou a exploração de petróleo nos últimos cinco anos. Bulir com o mercado desse jeito inepto é contraproducente, tem efeitos difusos de longa duração: descrédito. Desconfiança eleva os custos de financiamento de empresas no mercado (juros sobem, preço de ações cai etc.).

O ano que vem será de tumulto político sério. A presidente abre ou expande frentes de problemas econômicos. O emprego míngua inequivocamente, vide os números tristes da indústria e do emprego formal. Dilma Rousseff precisa defender algum lado, tapar alguma das feridas que abriu e, como previsto, sangram muito agora. Tensão política, apatia econômica e frustração social é uma combinação que não vai prestar.

 

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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1 comentário

  • Paulo Roberto Rensi Bandeirantes - PR

    Sr. João Olivi, a realidade do mundo político é construída pela conveniência dos políticos que estão no poder, ou seja, é um mundo paralelo.

    A capacidade dos políticos em construir paralelismos é infinita, diante desta nova realidade (Lava Jato), será posto em prática uma “jabuticaba” jurídica: O HABEAS CORPUS PREVENTIVO !

    Os criminalistas dos figurões vão passar o melhor dos seus natais, pois parte da Petrobrás (butim) vai irrigar suas contas correntes. Os políticos de condutas ilibadas vão pagar com muito ouro, para que suas biografias continuem “limpas”.

    Já que “as coisas” estão mudando neste País, chegou a hora de colocar em prática, também, as leis para reaver aos cofres públicos o produto do roubo.

    DR. SÉRGIO MORO, VIDA LONGA PARA O SENHOR !

    ....”E VAMOS EM FRENTE” ! ! !....

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