Em VEJA: Governo faz chantagem para garantir aprovação de nova manobra fiscal

Publicado em 02/12/2014 06:36
Planalto libera 444 milhões de reais para os parlamentares, mas condiciona repasse a aprovação de lei que dribla meta de superávit de 2014

A troca de interesses entre o Executivo e o Congresso ganhou cores explícitas e a chancela doDiário Oficial: em ato publicado em edição extra na última sexta-feira, o governo anunciou a liberação de mais 444 milhões de reais em emendas - desde que os parlamentares aprovem a mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que permite ao governo se livrar da meta de superávit primário prevista para 2014. A meta é a economia feita pelo governo para o pagamento dos juros da dívida. Diante do aumento dos gastos públicos em 2014, sem que houvesse também a elevação da arrecadação, o governo se encontra numa encruzilhada: se não mudar a LDO, não conseguirá cumprir a meta.

Para conseguir mobilizar o Congresso em prol da mudança na lei, o Executivo adotou expediente controverso, que se enquadra perfeitamente na definição de "chantagem". A ordem vinda do Palácio do Planalto foi promover um aumento nas emendas parlamentares: isso significa 444 milhões a mais para as emendas individuais, ou aproximadamente 750.000 reais a mais por deputado e senador. Com isso, o total previsto para 2014 passa a 9,607 milhões de reais em emendas.

A elevação no valor a ser liberado aos parlamentares está dentro do escopo da portaria interministerial que amplia os limites de gastos para órgãos vinculados ao governo central. O limite foi ampliado de 7,8 bilhões de reais para 10,32 bilhões de reais.

As emendas são usadas como moeda de troca porque interessa aos parlamentares realizar obras nas áreas onde têm mais votos - obtendo, assim, créditos políticos. O valor a que cada um tem direito anualmente é de 15 milhões de reais, mas o montante sempre acaba sendo cortado pelo governo. "A distribuição e a utilização do valor da ampliação a que se referem os artigos 1 e 2 deste decreto ficam condicionadas à publicação da lei resultante da aprovação do PLN 36/2014", diz o texto publicado no Diário Oficial. Durante a tarde, o governo justificou a iniciativa dizendo se tratar de "mera obrigação legal". "O decreto é uma necessidade do executivo para ampliar as despesas de dezembro e é uma mera obrigação legal", afirmou nesta segunda-feira o ministro de Relações Institucionais, Ricardo Berzoini.

Em resumo, é isso: se o Congresso não aprovar a manobra fiscal, os parlamentares não receberão o acréscimo nas emendas. A votação da lei que altera a LDO e, na prática, abole a meta de superávit primário está marcada para esta terça-feira.

Manobra – A mudança na LDO foi proposta pelo governo no início do mês e permite que sejam abatidos da meta todos os gastos com o Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) e as desonerações de impostos concedidas à indústria. Tal manobra dá ao governo a chance de acumular um primário muito pequeno, ou até mesmo déficit, sem que tais números fiquem evidentes nas contas do Tesouro.

O Planalto aguardava a aprovação da mudança na LDO para anunciar na quinta-feira a nova equipe econômica. Mas a falta de quórum no Plenário do Congresso inviabilizou a votação da proposta. Uma nova sessão foi convocada apenas para a terça-feira. O anúncio dos ministros foi feito sem que houvesse a resolução do problema.

Dilma recebe aliados e pede aprovação de manobra fiscal

Congresso pode alterar Lei de Diretrizes Orçamentárias nesta terça-feira para maquiar descumprimento do superávit primário pelo governo

Gabriel Castro e Marcela Mattos, de Brasília
Dilma Rousseff se reuniu nesta segunda-feira com líderes dos partidos aliados

Dilma Rousseff se reuniu nesta segunda-feira com líderes dos partidos aliados (Evaristo Sa/AFP)

A presidente Dilma Rousseff se reuniu nesta segunda-feira com líderes dos partidos aliados, em um último esforço pela votação do projeto de lei que altera a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano e livra o governo da obrigação do superávit primário (a meta de economia feita para pagamento dos juros da dívida). O texto deve ir a votação na noite desta terça-feira, apesar dos protestos da oposição. 

Em mais de duas horas de encontro no Palácio do Planalto, a presidente defendeu a importância da manobra com o argumento de que o mal resultado das contas públicas deste ano é uma exceção, em parte graças ao cenário externo, e que a alteração na LDO é essencial para a recuperação das finanças. "Dos países do G-20, dezessete estão fazendo déficit fiscal. O Brasil não vai entrar nesse patamar, mas precisa manter emprego e renda", justificou o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), após o encontro.

Dilma também ouviu o compromisso de partidos aliados – inclusive o PMDB, que é liderado pelo "rebelde" Eduardo Cunha (RJ) na Câmara. Embora tenha desagradado o PT ao lançar sua candidatura à presidência da Câmara, o peemedebista prometeu que sua bancada vai marcar presença e acompanhar o governo nessa votação. O compromisso de comparecimento é importante porque, na semana passada, foi a falta de quórum que impediu a apreciação da matéria.

Nos bastidores, a ausência foi atribuída às incertezas sobre a participação dos aliados na próxima equipe ministerial. O deputado Henrique Fontana, no entanto, afirmou que o tema não foi discutido na reunião.

A votação desta terça é primordial para o governo porque, se não conseguir alterar a LDO, a presidente Dilma Rousseff poderá até mesmo ser enquadrada na Lei de Responsabilidade Fiscal. 

Em edição extra do Diário Oficial publicada na sexta-feira, o governo condicionou a liberação de mais 444 milhões de reais em emendas parlamentares à aprovação da proposta sobre o superávit. É outra tentativa de obter a lealdade dos aliados. 

O encontro desta segunda-feira faz parte do esforço de Dilma para se aproximar de sua base. Ela tem prometido aumentar o diálogo no segundo mandato – mas já fez promessas semelhantes outras vezes, inclusive em junho do ano passado, sem levar a ideia adiante.

No blog de Reinaldo Azevedo:

Quanto custa para comprar um deputado ou um senador? Dilma está pagando R$ 748 mil por cabeça! Ou: Lembrando Karl Marx interpreta Dilma Rousseff

Pois é… No dia 26, escrevi aqui um post em que perguntava quem chantageia quem na relação entre o governo e o Congresso: são os deputados e senadores que exigem benesses para dar seu voto, ou é o Planalto que só concede a benesse se tiver o voto? Não se trata de um enigma do tipo “quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?” Sabem por que não? É a Presidência que dispõe na caneta que abre o caixa. Pois bem: desta feita, a relação quase sempre perversa entre o Executivo e o Legislativo assumiu ares de chantagem explícita. Ou, vá lá, talvez o nome não seja bem esse: a presidente Dilma Rousseff e seus sábios decidiram mesmo ir às compras. Botaram R$ 444,7 milhões na bolsa e foram ao mercado da Câmara e do Senado para encher o carrinho de deputados e senadores.

Vocês sabem a que me refiro (ler post desta segunda). Na sexta-feira, o governo editou um decreto ampliando em R$ 10,032 bilhões os gastos de toda a máquina pública. Nesse total, estão R$ 444,7 milhões para emendas individuais dos parlamentares — um naco novo de R$ 748 mil para cada um dos 513 deputados e 81 senadores. Com esse aporte novo, cada um deles fechará o ano com R$ 11,6 milhões para emendas individuais.

Até aí, vá lá… Nesta terça, o governo tentará votar mais uma vez o projeto de lei que altera a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e que, na prática, elimina qualquer meta fiscal do governo. Reitero: o texto, na forma como o quer o Planalto, permite que se chegue a qualquer resultado, pouco importando se é déficit ou superávit. A sessão conjunta de votação do Congresso, reunindo Câmara e Senado, está marcada para as 18h. Trata-se de um projeto inconstitucional porque viola o Artigo 165 da Carta.

Muito bem! Já seria indecoroso se, na véspera da votação, um governo acenasse com a liberação de verba para emendas individuais. Parece que já ficaria caracterizada uma relação de troca. Ocorre que o governo não quis saber de ambiguidades: o decreto de Dilma que amplia a verba destinada a deputados e senadores tem uma condição: a aprovação do projeto de lei que altera a LDO.

Vocês entenderam tudo direitinho: se os senhores parlamentares aprovarem o projeto e permitirem que o Planalto estupre a LDO e a Constituição, então receberão os recursos; se, no entanto, o governo for derrotado, nada de grana. E por que os parlamentares querem o dinheiro das emendas? Para que possam aplicá-lo em suas respectivas bases, mantendo cativo o eleitorado.

Ao ridicularizar Luís Bonaparte (o sobrinho que seria a farsa de Napoleão, o tio), Marx — que era um ótimo frasista e podia ser genial às vezes, apesar de suas ideias malignas — faz uma ironia que cito com certa frequência. Transcrevo: “Na sua qualidade de fatalista, ele [Luís Bonaparte] vivia e vive ainda imbuído da convicção de que existem certas forças superiores às quais o homem, e especialmente o soldado, não pode resistir. Entre essas forças estão, antes e acima de tudo, os charutos e o champanhe, as fatias de peru e as salsichas feitas com alho”. Marx resume com essa imagem o que considerava a farsa bonapartista de Luís — ou “Napoleão III de França”, criando o emblema de um tempo.

Adapto. Na sua qualidade de fatalista, Dilma vive imbuída da convicção de que existem certas forças superiores às quais o homem, e especialmente o deputado e o senador, não pode resistir. Entre essas forças estão alguns carguinhos em estatais, a nomeação de apaniguados e R$ 748 mil.

Eis aí um governo que reivindica a autoridade moral para conduzir uma reforma política. Vamos ver se deputados e senadores reagirão de pé ou ficarão de joelhos, com o chapéu na mão.

Texto publicado originalmente às 3h53

Por Reinaldo Azevedo

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Fonte:
veja.com + Reinaldo Azevedo

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2 comentários

  • Rodrigo Polo Pires Balneário Camboriú - SC

    Tem certos momentos que Reinaldo Azevedo consegue ser formidável, esse texto é um dos raros que merece ir para o próximo livro do jornalista e escritor. A imagem final é perfeita. O texto todo. Acredito não ser possível ser mais claro, mais didático, com uma ironia espetacular. A minha alegria, nobres deputados e senadores, é que estamos aprendendo a chamar as coisas pelo nome, e cada vez mais pessoas entendem o que vocês são e fazem. O texto se chama, “Quanto custa comprar um deputado ou senador? Dilma está pagando 748 mil por cabeça: Ou, Lembrando Karl Marx interpreta Dilma Roussef.”

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  • Telmo Heinen Formosa - GO

    No texto do Decreto consta literalmente... No decreto, o governo afirma expressamente: "a distribuição e a utilização do valor da ampliação (...) ficam condicionadas à publicação da lei resultante da aprovação do PLN número 36, de 2014, em tramitação no Congresso Nacional".

    E acrescenta que, se não for aprovado:

    “o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e o Ministério da Fazenda elaborarão novo relatório de receitas e despesas e encaminharão nova proposta de decreto".

    Quantos brasileiros ficarão indignados com isto?

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