Editorial da FOLHA: Novo ativismo (sobre a manobra fiscal de Dilma)

Publicado em 05/12/2014 07:21
Apesar de excessos, protestos contra manobra fiscal mostram saudável empenho de enfrentar a irresponsabilidade federal.

Nada como um dia depois do outro, dirá um observador desapaixonado (e sem alergia aos clichês) diante dos tumultos que acompanharam a votação, no Congresso, da manobra que assegurou ao governo Dilma Rousseff (PT) o descumprimento de suas metas para as contas públicas neste ano.

Vaias, protestos, altercações; as galerias da Casa tomadas por ativistas; palavras de ordem, faixas, hostilidades a parlamentares governistas --tudo fez lembrar, durante dois dias, os clássicos momentos em que sindicalistas, índios ou sem-terras se organizavam para pressionar o Legislativo.

Dessa vez, entretanto, a causa era outra, e sem dúvida distinta a extração social dos que participaram dos protestos. Só por renitente inércia intelectual, ou por decidido ato de má-fé, cumpriria contudo estigmatizar como "de direita" os manifestantes que ali estavam.

Era razoável, importante e, em certa medida, supraideológico o móvel que os reunia. Tratava-se de protestar contra uma disparatada artimanha governista, cujo principal efeito revela-se nocivo até para as autoridades federais.

A iniciativa do Planalto consistia em obter do Congresso autorização para descumprir metas orçamentárias; dava-se o dito pelo não dito, eliminando qualquer sentido no ato de anunciar, a cada ano, os compromissos do governo no controle de suas receitas e despesas.

O descrédito da administração Dilma seria menor, talvez, se simplesmente admitisse não ter alcançado o saldo pretendido e anunciasse, em seguida, seus planos para que o fiasco não se repetisse.

A manobra deu-se no sentido inverso, reconfigurando os cálculos para que despesas diversas não ganhassem o nome que de fato têm.

O descrédito evidente, que se superpõe ao impacto positivo da nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, não pesou apenas sobre a Presidência.

Quando esta se dispôs a condicionar a liberação de emendas para deputados à aprovação de seu casuísmo fiscal, deu-se a aliança da incompetência com o fisiologismo, da irresponsabilidade no atacado com o regateio no varejo.

Por exaltadas e sem controle que tenham sido as manifestações, não há como dizer que congressistas e governo não as merecessem. Parte da sociedade se mobiliza, dificultando um pouco que seja o abuso de poder e a desídia econômica; se não são os militantes que o PT sempre teve a seu lado, não é menos legítima e política a indignação.

Preservadas, naturalmente, as regras mínimas da convivência, tentar reprimir essa nova oposição será tão contraproducente quanto em outros tempos --época em que os protestos, e os que tentavam abafá-los, se situavam em campos inversos ao de hoje.

 

VINICIUS TORRES FREIRE

Porta do inferno; corredor de hospital

Novos planos do governo para o Orçamento relembram a dureza que serão os próximos anos

O GOVERNO MANDOU ontem para o Congresso o plano genérico e revisado do que pretende fazer de suas contas e do que imagina ser o futuro da economia em 2015 e, quase ficção científica, em 2016 e 2017, a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias).

Quase nenhuma novidade, apenas tristezas. Caso as previsões se confirmem, a economia do Brasil terá crescido 1,7% ao ano entre 2011 e 2017, do primeiro ao penúltimo ano de Dilma Rousseff --no pior quadriênio de FHC, a média foi de 2,1% ao ano.

No ano que vem, o país ainda gastará 5,3% do PIB em pagamentos de juros da dívida pública, o equivalente hoje a uns R$ 266 bilhões, mais de dez vezes o gasto do Bolsa Família, para recorrer a uma unidade de conta popular. O gasto com juros já foi maior, mas viera em tendência de queda de 2003 a 2011. Tolerância com inflação e mais descrédito e gastos do governo, que implicam juros maiores, contribuíram para que fosse suspensa a baixa gradual da despesa com esse Bolsa Rico.

A LDO para 2015 foi revisada ontem, um dia depois de o Congresso aprovar a anistia para o estouro das contas federais de 2014, um vexame votado em meio à avacalhação pública da gestão Dilma Rousseff, entre outras indignidades.

Os novos ministros da economia já haviam adiantado a novida- de principal da LDO, a nova meta de poupança do governo para 2015, o dito superavit primário (recei- ta menos despesas, desconside- rados gastos com juros), que ficou em 1,2% do PIB.

Mais ou menos metade disso terá de vir de aumento de impostos, ainda não se sabe bem quais: fim do desconto do IPI para bens duráveis, volta do imposto sobre combustíveis, talvez algum imposto sobre operações financeiras ou, mais ousado, sobre movimentação financeira (uma CPMF-mirim) etc.

A estimativa para a taxa básica de juros média em 2015 sugere a crença de que o BC elevará a Selic de 11,75% para 12% em janeiro e para 12,25% em abril, ficando por aí até o fim do ano. Trata-se, de qualquer modo, da previsão da centena de economistas de instituições financeiras e consultorias ouvidas semanalmente pelo Banco Central.

No caso de PIB, câmbio e juros, o governo passou a adotar essas estimativas do "mercado", em vez de dar seus próprios e exagerados chutes informados para o alto.

As previsões para a dívida pública são do BC. Embora não seja culpa do BC, tais estimativas têm algo de fantasia, se por mais não fosse porque a nova equipe econômica deve descobrir dívidas esquecidas em algum armário, não contabilizadas de modo devido, o que se chamava de "esqueletos".

Os esqueletos nem de longe devem ser grandes quanto os descobertos na segunda metade dos 1990. Mas haverá caveirinhas. Enfim, sabe-se lá qual será o tamanho da conta de juros, que depende da taxa de juros e de quanto vai custar o programa de controle do câmbio do BC (está saindo caro).

Em entrevista recente ao jornal "Valor", o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, colunista desta Folha, disse que se deve "...acreditar que ela [Dilma Rousseff] olhou a porta do inferno e, como o Lula, resolveu mudar" a política econômica. Melhor dar as costas para o inferno. Mas na volta vai se caminhar pelo longo corredor do hospital.

 

EDUARDO GIANNETTI

Obstáculos ao ajuste

O medo venceu a ideologia. Tardia e encabuladamente, sem dar explicações, o governo Dilma curvou-se ao imperativo de um ajuste econômico. Não se trata, é claro, de súbita conversão à racionalidade, mas de estratégia calculada. O que está em jogo é um projeto de poder: aceitar o ônus temporário de um "freio de arrumação" para colher o bônus de um ciclo econômico-eleitoral favorável na parte final do mandato.

Quais as chances de sucesso da operação? Em condições normais, o ajuste requerido não seria nenhum bicho de sete cabeças. Em dois episódios recentes --nos inícios de FHC 2 e Lula 1--, o Brasil passou por experiências semelhantes e os resultados foram positivos. Restaurado o horizonte de confiança, o setor privado se animou a investir e o crescimento reagiu.

Ocorre, porém, que as condições para um ajuste bem-sucedido agora são tudo menos normais. O desafio de Dilma 2 revela-se bem mais árduo, complexo e arriscado que nos ajustes anteriores. Os principais obstáculos são:

1) O legado macro de Dilma 1: economia parada, investimentos em queda, inflação no teto, juros em alta, real sobrevalorizado, deficit externo elevado. O imbróglio fiscal é pior do que parece. Mesmo que as metas de superavit primário venham a ser cumpridas, o que é duvidoso devido à rigidez dos gastos e tamanho da carga tributária, será preciso lidar com os "esqueletos" e restaurar a boa-fé nas contas públicas (só os "restos a pagar", por exemplo, acumulam R$ 89,7 bilhões ou 2% do PIB).

2) O ajuste macro não basta. O ativismo micro de Dilma 1 fez cair o investimento e gerou sérias distorções alocativas. Para voltar a crescer, será preciso uma nova agenda de reformas baseada no princípio da horizontalidade e visando a melhoria do ambiente de negócios. A resistência ao desmonte das benesses estatais --"operação desmame"-- será enorme. Petróleo e setor elétrico, falido, são capítulos à parte.

3) Ambiente externo adverso. Incrementar as exportações seria o caminho natural da retomada, mas a queda do preço das commodities, a subida dos juros americanos, China em desaceleração e Argentina no caos restringem essa alternativa.

4) Fraqueza política. Ao renegar as promessas de uma campanha polarizada, Dilma 2 queimou parte do seu capital político. Como a votação da LDO evidencia, o governo nasce acuado e anêmico --base esgarçada, PMDB assanhado. A radiação do petrolão --reforçada pela investigação da Justiça dos EUA-- e os custos incontornáveis do ajuste deverão enfraquecê-lo ainda mais.

Lula 1 preparou o terreno para as conquistas sociais de Lula 2. O desafio de Dilma 2 será impedir que o desastre de Dilma 1 sepulte esses avanços --e Lula 3 junto.

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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