Oposição se fortaleceu, mas o desafio de Dilma é se entender com aliados

Publicado em 02/01/2015 09:50
análise do EL PAÍS

Formada por nove partidos, a coligação Com a Força do Povo rendeu à presidenta Dilma Rousseff, na última eleição, uma base de governo composta por pelo menos 304 dos 513 deputados federais e 53 dos 81 senadores para os próximos quatro anos. Os números são menores que os da estreia da presidenta — no início do primeiro mandato, em 2011, eram 11 os partidos aliados, com 373 deputados e 62 senadores —, mas, mesmo assim, Dilma ainda ostenta uma base maior do que qualquer outro presidente desde Fernando Collor (1990-1992). Esse apoio de 60% na Câmara e de 65% no Senado deveria ser confortável para qualquer Governo, mas, sob Dilma, está longe disso.

As dificuldades que a presidenta deve enfrentar no Congresso Nacional no mandato que se inicia ficaram claras já no dia 5 de novembro de 2014, quando, 11 dias após ser derrotado no segundo turno presidencial, o senador Aécio Neves (PSDB) discursou para um plenário do Senado lotado e ouviu afagos tanto de oposicionistas de Dilma quanto de pretensos apoiadores do Governo. Na ocasião, Cristovam Buarque, Pedro Taques e Zezé Perrella, do governista PDT, declararam apoio ao colega tucano, assim como o ex-líder do Governo Dilma no Senado, Romero Jucá, doPMDB, maior aliado partidário do Governo.

 

O mesmo fizeram senadores de partidos da base aliada como Ana Amélia, do PP, Sérgio Petecão, do PSD, Ataídes Oliveira, que trocaria o governista Pros pelo oposicionista PSDB um mês depois, e Magno Malta, do PR, que foi duro nas palavras: “É como se a vitória de Dilma tivesse sido anunciada debaixo de vaia (…) Vossa Excelência [Aécio Neves] não perdeu as eleições, mas recebeu um livramento. Quem vai ter que pagar essa conta [de altos gastos] é quem fezstriptease moral em praça pública e destruiu a economia deste país”.

Qual seria, portanto, o real tamanho da base de apoio de Dilma no Congresso Nacional? As votações do fim do primeiro mandato podem dar uma noção aproximada do desafio da presidenta. Dois dias depois de Dilma vencer a eleição, a Câmara derrubou de forma retumbante o decreto com que o Governo pretendia criar conselhos populares, que teve apoio apenas do PT, do PCdoB e do oposicionista à esquerda PSOL. Levando em conta essa votação, Dilma teria o apoio fiel de apenas 80 deputados até 2018.

Se o balizador de apoio for a votação que livrou o Governo de apresentar um resultado de superávit primário para pagar suas dívidas, o cenário também não é animador: apenas 240 dos mais de 350 supostos aliados permaneceram ao lado do Governo. Segundo dados do Centro Brasileiro de Analise e Planejamento (Cebrap), Dilma tem a base mais infiel desde a redemocratização, em 1989. Os dados do Cebrap mostram que os nove partidos que apoiaram a reeleição da presidenta votaram 66% das vezes conforme a orientação do governo em 2014.

Embora Fernando Collor tivesse uma base bem menor — de 160 deputados, nas contas do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) —, o atual senador pelo PTB tinha 92% de fidelidade em 1992, ano em que foi afastado da presidência durante processo de impeachment. Já o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve apoio dos aliados em 79% das votações em 2005, quando viveu sua maior crise, durante o escândalo do mensalão.

Dilma começou o Governo, em 2011, com uma taxa de disciplina dos aliados de 89%, e o percentual veio caindo ano após ano. Em 2012, já era de 76%, e, no ano passado, o índice ficou em 74%. É por conta desse cenário que a presidenta quebrou a cabeça para satisfazer os partidos aliados durante a reforma ministerial, mesmo desagradando a muitos dos eleitores que lhe deram a vitória em novembro.

Desgaste

Já desgastada por escolher um economista ortodoxo para comandar o Ministério da Fazenda, Dilma foi criticada por apontar a senadora ruralista Kátia Abreu (PMDB) para o Ministério da Agricultura, o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (PSD) para as Cidades e odeputado federal George Hilton (PRB) para o Esporte, e ainda ouviu reclamações de dentro do seu próprio partido, o PT, por escolher Juca Ferreira para a Cultura e Ideli Salvatti para a Secretaria de Direitos Humanos.

Essa engenharia para garantir apoio será decisiva, contudo, para assegurar a tranquilidade do Governo, que enfrentará uma oposição turbinada por 51 milhões de votos em meio a um cenário econômico atribulado. Bem no início da nova legislatura, os opositores pretendem criar uma nova Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar irregularidades na Petrobras — e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, já anunciou que deve apresentar no início deste ano a denúncia contra os políticos envolvidos no escândalo da petroleira.

É por isso que os governistas ainda tentam se entender com odeputado federal Eduardo Cunha, que causou muita dor de cabeça ao Palácio do Planalto ao liderar o PMDB contra interesses do Governo ao longo de 2014 e é o favorito para assumir a presidência da Casa legislativa neste ano. Ao lançar sua candidatura, Cunha ostentou o apoio de 161 colegas, enquanto os petistas que se reuniram em torno da alternativa, Arlindo Chinaglia, não somaram mais de 90 — menos até que a candidatura de oposição de Julio Delgado, do PSB, que tem 106 deputados ao lado.

Se Dilma não teve paciência para afagar os aliados em seu primeiro mandato, terá de encontrar alguma disposição para tanto se quiser chegar ilesa ao fim de seu segundo Governo.

EDITORIAL

Outro Brasil para Dilma

Pouco terá a ver o segundo mandato que Dilma Rousseff acaba de iniciar à frente do Brasil com as expectativas suscitadas por sua chegada em 2010 à presidência do gigante latino-americano. A governante vai precisar de muito mais do que boas intenções para conseguir avanços em quatro anos de Governo que agora se iniciam com um panorama muito diferente do de então; e que, inevitavelmente, terão de se concentrar na recuperação econômica e na luta sem trégua contra uma corrupção incrustada.

O Brasil é hoje uma economia à beira da recessão, com suas contas públicas no vermelho e uma inflação em alta que obrigará a presidenta a adotar medidas drásticas, ainda não reveladas. E, sobretudo, um país sobre o qual paira o imponente escândalo da petroleira estatal Petrobras, que Rousseff dirigiu até 2010. A Petrobras é o foco de uma rede de corrupção que espalhou ao longo de anos quase 4 bilhões de dólares pelos bolsos de políticos e empresários vinculados ao governista Partido dos Trabalhadores e seus parceiros de coalizão.

O capital político de Rousseff é mais reduzido agora. A presidenta foi reeleita em outubro à frente do liberal Aécio Neves por uma margem muito estreita. O Brasil hoje é um país dividido politicamente, no qual tem muito mais força uma oposição de centro-direita que vinha sendo quase testemunhal desde o triunfo do esquerdista Lula em 2002. Essa situação e a necessidade de severos ajustes já empurraram o Governo à direita. E mesmo que Rousseff afirme que as reformas da prostrada economia (a previsão de crescimento em 2015 não chega a 0,8%) não afetarão os mais desfavorecidos, a designação de ministros conservadores coloca o novo Executivo no ponto de mira dos movimentos sociais que apoiaram sua reeleição.O Brasil é hoje uma economia à beira da recessão, com suas contas públicas no vermelho e uma inflação em alta que obrigará a presidenta a adotar medidas drásticas, ainda não reveladas. E, sobretudo, um país sobre o qual paira o imponente escândalo da petroleira estatal Petrobras, que Rousseff dirigiu até 2010. A Petrobras é o foco de uma rede de corrupção que espalhou ao longo de anos quase 4 bilhões de dólares pelos bolsos de políticos e empresários vinculados ao governista Partido dos Trabalhadores e seus parceiros de coalizão.

De todos os desafios que aguardam Rousseff, provavelmente a Petrobras é o mais daninho. O gigante petroleiro, responsável por quase 13% do PIB e até há pouco orgulho do Brasil, é agora um barril de pólvora e uma vergonha nacional. O escândalo e sua repercussão internacional ameaçam até os planos de produção da companhia, que perdeu um terço de seu valor em um mês. Evitar a implosão da Petrobras vai exigir da chefa de Estado muito maior atenção do que a desejável em um país tão cheio de desafios.

 

Dilma reforça pedido de apoio popular para mudanças em discurso no Parlatório

BRASÍLIA (Reuters) - A presidente Dilma Rousseff repetiu grande parte do discurso que fez ao Congresso durante pronunciamento no Parlatório do Palácio do Planalto nesta quinta-feira, e pediu apoio da população e de parlamentares para mudanças prometidas durante a campanha, que incluem a reforma política.

"Eu represento um projeto de nação que é detentor do mais profundo e duradouro apoio popular de nossa história democrática", disse a presidente no Parlatório. "Nos últimos 12 anos nós mudamos o Brasil, mas para conseguir avançar preciso do apoio e da compreensão de vocês."

"Hoje depois de 12 anos de governo popular e de grandes tranformações, o povo brasileiro tem o direito de dizer como será a orientação para meu novo mandato: nenhum direito a menos, nenhum passo atrás", disse a presidente nas palavras finais do discurso no Parlatório, que deixou de lado a questão do escândalo de corrupção na Petrobras, citado no pronunciamento feito ao Congresso.

Dilma, de 67 anos, assume o segundo mandato depois da mais acirrada eleição presidencial desde a redemocratização e sob fortes críticas pela estagnação da economia e em meio ao maior escândalo de corrupção da história do país.

A presidente assumiu o segundo mandato ao lado de seu vice, Michel Temer, e tem pela frente um cenário de fragilidade econômica e incerteza política.

Ao assumir o mandato anterior, em 2011, Dilma se beneficiava da economia crescendo 7,5 por cento, enquanto em 2014, a economia deve expandir só 0,2 por cento, segundo previsão do Banco Central.

O cenário para as contas públicas também é desfavorável para a presidente, que teve de enfrentar uma dura batalha no Congresso no final de 2014 para aprovar uma mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que, na prática, desobrigou o governo de realizar um superávit primário no ano passado.

Assim como fez no discurso de posse para seu primeiro mandato em 2011, e no Congresso nesta tarde, Dilma defendeu no Parlatório a necessidade de uma reforma política.

"Nós estamos juntos com a dignidade, de pé e com a força da imensa fé que temos no povo deste país. De pé e com fé, porque vamos juntos fazer a reforma política", disse Dilma. (Reuters)

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Fonte:
EL PAÍS + reuters

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