Na FOLHA: Protecionismo de Trump mais vai ajudar do que atrapalhar o agronegócio brasileiro

Publicado em 10/11/2016 06:51
por MAURO ZAFALON, na FOLHA DE S. PAULO

Donald Trump, o presidente eleito dos Estados Unidos, se colocar em prática as suas medidas polêmicas de campanha, mais vai ajudar o agronegócio do que atrapalhar.

Brasil e Estados Unidos têm muito em comum quando se trata de agropecuária, mas pouca relação comercial nesse campo.

Ao contrário, são fortes concorrentes mundo afora, tanto em grãos como em carnes.

Entre as promessas de Trump, está a de fechar mais a economia norte-americana e frear os acordos comerciais, com o intuito de proteger a produção e o emprego nos Estados Unidos.

Essas barreiras são ruins porque só agora os Estados Unidos abriram as portas para a carne brasileira, não obstante a objeção dos pecuaristas norte-americanos. Mas é um acordo, por ora, de dimensão limitada. As cotas de exportação são pequenas.

É na promessa de frear acordos, no entanto, que o Brasil pode levar vantagem.

Mais do que vantagem, terá mais tempo para fazer uma lição de casa que nunca fez, a de buscar acordos comerciais pelo mundo.

Trump promete abortar o que poderá ser um dos principais algozes do agronegócio brasileiro: o TPP (acordo Transpacífico, que engloba 12 países).

Com ele, os Estados Unidos teriam acesso a uma boa fatia do mercado mundial agrícola. Sem reduções de tarifas, os países componentes do acordo já representam US$ 57 bilhões para as exportações do agronegócio norte-americano. Ou seja, 43% de todas as vendas externas do país nesse setor.

Imagine uma redução a zero das tarifas comerciais entre esses países nos próximos anos.

Os Estados Unidos, concorrentes do Brasil, teriam a porta aberta em pelos cinco novos países em que eles ainda não têm acordo, entre eles o rico mercado do Japão.

Esses cinco países —Japão, Malásia, Vietnã, Nova Zelândia e Brunei— somam 257 milhões de habitantes e já importam US$ 17 bilhões de produtos agropecuários norte-americanos.

As portas abertas dos 11 países do Transpacífico para os Estados Unidos significariam uma tarefa mais árdua para o Brasil negociar carnes, milho e até soja nesses mercados. E isso ocorreria exatamente agora que o país busca com mais ênfase o mercado asiático.

A missão de Donald Trump para abortar acordos comerciais, inclusive o Transpacífico, não será fácil.

De um lado, terá o apoio dos eleitores de cidades onde fábricas foram fechadas, devido às importações industriais de outros países.

De outro, no entanto, terá a pressão do cinturão agrícola, grande apoiador do novo presidente, para que mantenha esse caminho aberto para seus produtos agropecuários.

Trump é apenas mais um passageiro da Casa Branca. Ele poderá retardar os acordos comerciais, mas, se não fizer isso agora, outros farão.

O Brasil ganha tempo nesse período de atraso.

NÚMEROS

O fluxo de comércio entre Brasil e Estados Unidos ficou em US$ 39 bilhões nos dez primeiros meses deste ano. Apenas 9% desse valor se refere a produtos do agronegócio.

Na lista das principais exportações do Brasil para os norte-americanos estão café, produtos hortícolas, frutas, preparações de carnes, tabaco e açúcar.

O café lidera, com receitas de US$ 800 milhões neste ano.

Do lado das importações, poucos produtos do agronegócio aparecem com destaque na lista das compras brasileiras. Um deles são os cereais, cujos gastos brasileiros somaram US$ 177 milhões até outubro.

O Brasil é dependente dos Estados Unidos, no entanto, em fertilizantes e produtos químicos destinados à agricultura.

Os eleitores de Trump não são estúpidos, nós é que somos surdos

Por PATRICIA CAMPOS MELLO

No dia seguinte à reeleição de George W. Bush em 2004, o tabloide britânico "Daily Mirror" saiu com a seguinte manchete: "Como podem 59.017.382 americanos ser tão idiotas?"

Hoje, na ressaca da eleição do republicano Donald Trump, a pergunta é: "Como podem milhões de institutos de pesquisa, jornalistas, analistas, políticos, acadêmicos, ser tão estúpidos?"

Todo mundo subestimou a força do "angry white man". Sim, existe uma mudança demográfica inexorável e, em 2065, os brancos serão uma minoria nos Estados Unidos, 46% da população, diante de 24% de hispânicos, 14% de asiáticos e 13% de negros.

Mas, por enquanto, os brancos ainda são uma maioria (62%) —que era silenciosa, mas se tornou estridente, aqui nos EUA e do outro lado do Atlântico, na Europa.

Esse brancos votaram em Donald Trump —para eles, o único "não político", aquele que consegue "sentir a dor" desses órfãos da globalização.

Nem o tão propalado "racha educacional" —de que os eleitores brancos sem curso superior iriam apoiar Trump em massa, mas aqueles com maior grau de instrução iriam migrar em grandes números para Hillary— se comprovou. Entre os brancos sem curso superior, ele teve apoio de 67% (de acordo com pesquisas de boca de urna). E entre os brancos com curso superior, ele venceu por quatro pontos porcentuais de vantagem.

A campanha de Hillary já elegeu seus bodes expiatórios —o diretor do FBI, James Comey, que anunciou novas investigações sobre servidor privado de e-mails de Hillary a poucos dias da eleição, e os candidatos de terceiro partido, o libertário Gary Johnson e a verde Jill Stein, que teriam repetido Ralph Nader, o estraga prazer na eleição Gore-Bush em 2004.

O fato é que o problema foi surdez. Surdez generalizada aos recados dos brancos dos dois lados do Atlântico, que se sentem injustiçados, que veem suas vidas piorando, sempre culpando o "outro". Seja o muçulmano, o imigrante, o hispânico ou o negro.

A maioria silenciosa falou, e o recado foi brutal. Estúpidos somos nós, que não percebemos o que estava vindo (e eu me incluo nesta mea culpa post mortem). E achamos que a globalização era boa para a maioria, portanto quem estava descontente ia se conformar. 

A vitória de Donald Trump desnudou tantos tão errados

Por ROBERTO DIAS

A vitória de Donald Trump desnudou tantos tão errados. E esses não são os eleitores dele, mas os muitos que previram vitória confortável de Hillary Clinton.

O evento eleitoral mais importante da temporada, esquadrinhado de perto por vários dos melhores cientistas de dados e analistas do planeta e alimentado pelo maior volume de dinheiro da política mundial, resultou numa baita zebra.

A certeza equivocada sobre a improbabilidade de vitória dele ecoou por tanto tempo que o efeito manada encaçapou até Obama. Sempre tão perspicaz, ele caiu na armadilha de mais de uma vez fazer chacota de Trump naquele nível "sei-que-isso-não-vai-acontecer".

Deu ruim também para Nate Silver, semideus das previsões estatísticas nos EUA. Depois de errar na convenção republicana, apostou suas fichas em Hillary. Rendeu-se com um post lacônico ("é o acontecimento político mais chocante da minha vida").

e deixou a guarda aberta para ataques ao seu modelo. Um deles de uma ex-colega sua, Mona Chalabi, hoje no jornal "The Guardian": "Às vezes parecia que a interpretação dos números não estava livre de viés subjetivo." Em outras palavras, mágica não existe sem truque.

Os problemas de análise da votação nos EUA não acabam aí. Assim como naeleição municipal brasileira, o processo lá indicou que as redes sociais recriam a dinâmica do voto, um fenômeno ainda pouco compreendido. Trump revelou-se esperto nesse novo quebra-cabeças –o papel de vilão deveras reluz nas timelines. Novos estudos do comportamento do eleitor talvez devessem partir de uma tábula quase rasa.

Alguns dos que estiveram equivocados ao antever o desfecho da corrida são os mesmos que cantam o fim do mundo com a chegada de Trump à Casa Branca, e nesse caso de maneira ainda mais impressionista. Convém ler essas previsões com um tantinho a mais de cautela.

Entrar na vida adulta significa aprender que não existe nada de graça

Por FRANCISCO DAUDT

O pai, gaúcho, camponês meio xucro, disse ao filho: "Meu filho, na vida tu primeiro traça uma 'meretriz', depois tu segue essa 'meretriz' até o fim de teus dias, tchê!"

É certo que a vida sem diretrizes fica muito imediatista, muito da mão para a boca, é mais assim quando somos crianças.

Mas... Ninguém está ficando mais moço, há algo nos esperando na esquina da vida, algo além da morte, e que pode chegar muitas décadas antes dela: a vida adulta.

Nessa tal de vida adulta, perdem-se umas coisas, ganham-se outras. Perdem-se ilusões: vida sem fim; amparo total; dinheiro que cai do céu; casa, comida, roupa lavada, passada e posta no armário; banheiro limpo, quarto arrumado, luz, gás, telefone, tudo isso sem pensar como acontece; médico, dentista e hospital "de graça"; a própria ilusão de que existe alguma coisa de graça... Enfim, a lista é interminável. Mas talvez a maior perda seja a ilusão de que tudo aquilo era uma espécie de direito adquirido, e a sensação de que estão fazendo alguma maldade conosco, ao tirá-lo.

Ganham-se: independência e autonomia, o direito de mandar na própria vida.

Mas o cliente estranhou que eu chamasse a transição para a vida adulta de Projeto Gente Grande: "Não é meio infantil?" Claro que é, e com quem você pensa que eu estou falando, senão com a infantilidade que existe em cada um de nós? Veja, eu não disse "criança", pois quero uma criança dentro da gente até o fim, criativa, curiosa, brincando pela vida afora. Mas para isso ela precisa deixar a infantilidade para trás: fada do dente; Papai Noel; coelhinho da Páscoa; governo forte que tem dinheiro interminável para nos sustentar, nos proteger e nos dizer o que pensar... Essas coisas, sabe?

Está certo que nascemos completamente imediatistas, esse negócio de planejamento de médio e longo prazo só vem –se é que vem– mais tarde. Mas a tal da geração Y, essa está ferrada! Eles foram criados com a ideia de que o mundo lhes deve, de que TODOS são especiais (epa, isso é contradição entre termos), de que só farão coisas grandiosas, e sem esforço. Nos EUA, para eles não se usa mais "mimados" ("spoiled"), e sim os que "estão no direito de" ("entitled").

Conversei com um deles, meu cliente: "Que tal você ter uma multa, pagar à sua mãe por cada quarto bagunçado, cada roupa pelo chão"? "Ah, não adianta, multa não me dói, quando a mesada acaba eu posso pegar dinheiro no gavetão dela". Ou seja, para ter um orçamento mensal, para desenvolver responsabilidade fiscal, ele precisa abrir mão do gavetão. "Você vai me achar um crianção", falou. "E eu estou aqui pra te julgar? Olha, o Projeto Gente Grande não é meu, é seu! Eu não sou puxador de orelha, mas posso ser teu assessor no projeto".

Defendo que as escolas ensinem o Projeto Gente Grande, e que os alunos TOMEM POSSE dele. Orçamento, planejamento, poupança... Lá devia haver um ensaio de cidadania: a escola não teria partido, mas ensinaria democracia (os alunos poderiam formar partidos), e assim por diante.

Enfim, não faltarão diretrizes para implementar o Projeto Gente Grande. Um verdadeiro harém de "meretrizes"! 

Já segue nosso Canal oficial no WhatsApp? Clique Aqui para receber em primeira mão as principais notícias do agronegócio
Fonte:
FOLHA DE S. PAULO

RECEBA NOSSAS NOTÍCIAS DE DESTAQUE NO SEU E-MAIL CADASTRE-SE NA NOSSA NEWSLETTER

Ao continuar com o cadastro, você concorda com nosso Termo de Privacidade e Consentimento e a Política de Privacidade.

0 comentário