"...2.o turno está praticamente definido a favor de Bolsonaro", escreve Merval Pereira, em O Globo

Publicado em 27/10/2018 15:48

Os mesmos eleitores (por MERVAL PEREIRA, em O GLOBO)

O que poderia ser uma “onda vermelha” não se confirmou. Nenhum fato novo ocorreu ontem para reforçar essa possibilidade, e a média das pesquisas divulgadas mostra uma situação estável, indicando que o segundo turno está praticamente definido a favor de Bolsonaro.
 

É quase impossível que cerca de 15 milhões de pessoas mudem o voto de um dia para outro em favor de Haddad. Os resultados dos diversos institutos de pesquisa são diferentes, mas dentro das margens de erro. Apenas coma pesquisa de hoje, a terceirada série no segundo turno de Ibope e Datafolha, será possível dizer se a tendência de Bolsonaro é de queda e de Haddad é de alta, o que até agora não se confirmou tecnicamente. E qual a velocidade das mudanças.

O diretor do Datafolha, Mauro Paulino, explica que, para definir se houve uma variação fora da margem de erro, é preciso que os números se movam na proporção de 4 pontos percentuais, para mais ou para menos. Por isso, mesmo Haddad tendo crescido 3 pontos e Bolsonaro caído outros 3, teoricamente fora da margem de erro, que é de 2 pontos percentuais, ainda não há indicação de que houve uma alteração efetiva do quadro eleitoral.

Se analisarmos bem, o resultado é praticamente o mesmo em todas as pesquisas, algo em torno de 60% para Bolsonaro e 40% para o PT, pouco mais ou pouco menos. O interessante é que esses números são da mesma ordem de grandeza das vitórias que Lula teve em 2002 sobre Serra (61,27% a 38,72) e Alckmin em 2006 (60,83% contra 39,17%).

Essa média caiu um pouco em 2010 com Dilma sobre Serra (56,05% contra 43,95%), indicando que a onda petista estava se aproximando do fim, e veio 2014, com um virtual empate no final, uma vitória apertada de Dilma sobre Aécio, de 51,64% contra 48,36%.

Desde 2013 estava em curso uma mudança de humor da sociedade, que se cristalizou na eleição municipal de 2016 e nesta, presidencial. Se os tucanos tivessem mantido o eleitorado cativo e pudessem avançar sobre o do PT, que é o que Bolsonaro está fazendo, elegeriam o próximo presidente, e Bolsonaro provavelmente seria mais um candidato nanico. Mas o PSDB se perdeu no caminho, chegou às eleições depauperado pelos erros que cometeu e pelos acertos que se recusou a assumir. O PT foi aos poucos sendo levado para o Nordeste, perdeu a classe média para o PSDB primeiro, e agora para Bolsonaro.

O diretor do Datafolha, Mauro Paulino, entende que os números semelhantes indicam que Lula em 2002 roubou parte dos votos do PSDB, que havia elegido Fernando Henrique Cardoso no primeiro turno em 1994 e 1998, com 54,24% e 53,06% respectivamente, limitando os tucanos a uma parcela de 40% do eleitorado nas duas eleições seguintes, que agora foram assumidos por Bolsonaro.

O cientista político Sérgio Abranches acha que esses são os mesmos eleitores, uma parte que é volante, não tem preferência nenhuma pelos candidatos e vota de acordo com sentimentos diferenciados: uma parte porque quer votar no favorito, outra porque considera que ele vai resolver seus problemas.

Isso em geral acontece, diz Sérgio Abranches, no estamento médio das classes médias, que é muito vulnerável a incertezas, “aquele pessoal que está começando a ser bem-sucedido e tem muito medo de retroceder”. Preferem as coisas mais certas, evitar qualquer tipo de incerteza. “Sente a onda e vai na onda”. “Quando muda, muda na mesma onda porque é o mesmo comportamento social”.

O economista Sérgio Besserman, que foi presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), também vê uma mudança do que chamam de “nova classe média”, que melhorou de vida nos últimos 25 anos, agora já tem o que perder em crises econômicas ou políticas, e procura um porto seguro de acordo com o momento do país.

Lula está sendo vítima de sua própria atuação política. Pai dos pobres, mas percebido pela classe média e pelos investidores como capaz de trazer progresso ao país, foi de desgaste em desgaste até ser preso em Curitiba. Sua imagem, que parecia inabalável, acabou simbolizando a corrupção que tomou conta dos governos petistas.

A nova classe média, gestada desde o Plano Real e consolidada nos governos de Lula, com a crise econômica e a recessão dos governos Dilma, acabou correndo para outro populista, este de direita, em busca da segurança que o PT não oferece mais.

Povo reage às ameaças ao bem-estar e à liberdade

O eleitor não determina o resultado da eleição, só reage a um cenário que lhe é imposto (Por JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE, O Estado de S.Paulo)

O previsível resultado do segundo turno da eleição presidencial de 2018 tem sido atribuído, no Brasil e no exterior, a um crescimento avassalador do conservadorismo do eleitor brasileiro. Esse diagnóstico implica acusar o povo brasileiro de ser incapaz de votar racionalmente, e só se explica como efeito do que chamarei de vitimologia eleitoral.

Criada para traçar um perfil das vítimas como instrumento para explicar a motivação de um crime e o comportamento de criminosos, a técnica da vitimologia tem sido empregada na análise do comportamento político, quando se trata de explicar um resultado eleitoral inesperado: prendam-se os suspeitos de sempre. 

Ora, não é razoável acusar o eleitorado pelo resultado das eleições, porque o voto não é uma escolha de livre-arbítrio do eleitor, mas, sim, uma opção limitada por uma agenda que lhe é imposta pelo sistema eleitoral, pelo sistema partidário que dele decorre e pelas cúpulas partidárias, pressionadas mais pelos interesses da classe dirigente do que pelo clamor popular. A liberdade política do cidadão brasileiro pode ser considerada uma liberdade condicionada.

O voto popular limita-se a responder a uma agenda compulsória, construída de cima para baixo, não é uma livre escolha. A pesquisa sobre comportamento eleitoral tem foco na descrição estatística, ou na interpretação “qualitativa” de variáveis presentes nas respostas dos eleitores, mas nada ensina sobre o processo político que criou o leque de escolhas que lhe são impostas. É como um experimento em que se consideram as respostas, ignorando inteiramente os estímulos que lhes deram origem.

Parte-se sempre do perfil do eleitor, pressupondo que o povo é o único fator que determina o resultado das urnas. O processo eleitoral envolve, porém, uma interação complexa entre dimensões mais ou menos independentes entre si. Entre outras, elas incluem variáveis relativas à história política, à percepção desse contexto político pelos atores envolvidos e atitudes, expectativas e reações que daí resultam, diante das candidaturas em jogo. 

Minha hipótese é que o comportamento dos eleitores é determinado pela maneira como o povo percebe a evolução do processo político, isto é, para onde caminham as ameaças ao bem-estar e à liberdade do povo, em face da ganância e da paixão de poder dos Grandes (tal como as define Maquiavel). O eleitor comum escolhe entre quais candidatos, partidos, novas políticas adotadas ou revogadas são percebidos como ameaça ao bem-estar e à liberdade do cidadão – isto é, mantêm e ampliam os privilégios e a corrupção dos poderosos – e quais, ao contrário, são percebidos como barreiras contra a opressão e a exploração do cidadão comum pela classe dirigente. No presente caso, desde as revelação dos escândalos do mensalão a classe política como um todo tem encarnado, na percepção popular, toda a malignidade dessa ameaça à vida, à honra e aos parcos bens que garantem a sobrevivência da imensa maioria.

Essa percepção não é cristalina. É mediada pelos partidos e movimentos de opinião, e raramente se expressa numa imagem única – como, por exemplo, a percepção da inflação, do desemprego, do empobrecimento, da corrupção da máquina pública, da insegurança, da degradação moral. Essas “preferências” populares são tudo menos nítidas e unívocas. São, ao contrário, difusas e equívocas. 

Com isso, as análises do processo eleitoral não captam o caráter único do caso presente. Não lhes vem à mente que há cinco longos e sofridos anos o povo brasileiro tem manifestado, reiteradamente, sua indignação quanto à maneira como tem sido governado.

Diante do desprezo cego, surdo e mudo dos governantes, e do silêncio envergonhado das candidaturas, continuam prometendo creches, hospitais, metrôs, que todos sabem que não serão construídos, se o forem, não vão funcionar, se funcionarem, não vão atender decentemente ao povo. Uma garantia de mudança da política e dos políticos, desde que minimamente crível, seria o único caminho para disputar a maioria do eleitorado indignado com tudo e com todos. 

Defender a continuidade, embora com mais eficiência, experiência, ou vinho novo em velhas barricas foi, contudo, o caminho do suicídio dos partidos tradicionais. Nesse caminho, o PT foi mais longe, porque encarnou, como os demais, a continuidade da velha política, mas defendeu também o retrocesso, ressuscitando o velho programa radical, de 30 anos atrás, com que Lula perdeu três eleições seguidas. Seu fraco desempenho no primeiro turno não foi pior porque se beneficiou da polarização contra Bolsonaro.

Como o PT, Bolsonaro também se beneficiou da polarização e, como os políticos tradicionais, tampouco deu qualquer resposta concreta, mas foi o único a vociferar contra tudo e contra todos. Com isso, sua falta de rumo e de propostas permitiu que encarnasse a mudança a todo custo. Tornou-se um candidato-ônibus: oferece lugar para todos e vai em todas as direções. Sua candidatura pode, assim, acolher uma multidão de eleitores motivados por ameaças diversas, ignoradas ou desprezadas pelas lideranças tradicionais. Note-se, entre as ameaças percebidas por eleitores de Bolsonaro, o temor do patrulhamento que acompanhou políticas discriminatórias adotadas por governos petistas. Assim, parcela não desprezível de seus eleitores não se identifica necessariamente com ideologias extremas nem com a retórica de ódio dominante em sua campanha.

Em suma, o resultado da eleição não é determinado pelo eleitor, que apenas reage a um cenário que lhe é imposto. Tampouco o voto em um ou outro candidato cancela a indignação generalizada contra a política e os políticos e, portanto, não oferece um cheque em branco. O presidente a ser empossado no dia 1.° de janeiro não gozará uma lua de mel, mas um sursis, com curtíssimo prazo para cumprir, de mãos atadas, uma agenda tão extensa e multifacetada como suas promessas.

*PROFESSOR TITULAR DE CIÊNCIA POLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA USP

"Uma chance para consertar o estrago da herança maldita", editorial da GAZETA DO POVO

"O PT governou o país por quase 14 anos e deixou uma “herança maldita” que persiste mesmo dois anos e meio após o impeachment de Dilma Rousseff"
 

"O Brasil vai às urnas neste domingo para escolher o próximo presidente da República e tem, mais uma vez, a oportunidade de dizer um inequívoco “não” ao grupo político que governou o país por quase 14 anos, deixando uma “herança maldita” que persiste mesmo dois anos e meio após o impeachment de Dilma Rousseff, e que ainda deve levar alguns bons anos até ser definitivamente expurgada da vida nacional.

A expressão “herança maldita” foi uma introdução do ex-presidente e atual presidiário Lula, para se referir ao Brasil que lhe tinha sido legado por Fernando Henrique Cardoso. Mas ela é perfeita para descrever o que o PT nos deixou, porque o estrago atingiu dimensões superlativas. Não se trata apenas dos maiores escândalos de corrupção da história do país, nem da maior crise econômica de que se tem notícia. O lulopetismo promoveu uma degradação moral completa, relativizando crimes, negando a dignidade humana, estimulando rivalidades, promovendo mentiras, subvertendo a democracia.

A própria ideia lulista de “herança maldita” propagada por Lula já era uma mentira, pois FHC, ao passar a faixa presidencial, entregou ao petista um país economicamente estabilizado, apesar de alguns solavancos durante os oito anos de governo tucano. Lula manteve o tripé macroeconômico de FHC e teve, a seu favor, a boa conjuntura internacional e a forte demanda estrangeira por commodities, o que não tinha ocorrido antes. O resultado foi a melhora em vários indicadores sociais – uma evolução que acabou quase toda anulada pela crise, fruto da “nova matriz econômica” iniciada no fim do segundo mandato de Lula e mantida durante todo o governo Dilma. A expansão irresponsável do crédito funcionou no curto prazo, camuflando por algum tempo as consequências desastrosas de uma política expansionista. Mas, no médio prazo, os juros reduzidos na marra, a tolerância com a inflação, as canetadas intervencionistas no setor elétrico e a contenção artificial de preços administrados, especialmente os dos combustíveis, levaram à recessão e ao desemprego que ainda hoje lutamos para superar. O petismo quer que o Brasil tenha memória seletiva: que recorde os “bons tempos” e esqueça que a crise e a recessão também foram obra de Lula e Dilma.

A oportunidade de negar ao petismo a possibilidade de voltar à Presidência não pode ser desperdiçada. 

Como prova de que todos os aspectos do desastre petista estão interligados, foi justamente a bonança do início do governo Lula que permitiu ao PT trabalhar nas sombras para consolidar seu projeto de poder. Enquanto todos só tinham olhos para os bons indicadores, o partido deu início ao aparelhamento amplo, geral e irrestrito de todas as instituições de governo, para que elas passassem a servir não ao povo, mas ao partido; e culminou com a montagem do primeiro grande escândalo de corrupção da passagem do PT pelo Planalto, o mensalão. E aqui temos um exemplo da decadência moral petista: pego com a boca na botija, o partido bateu todos os recordes de indecência na forma como tratou os protagonistas do escândalo. O PT respondeu não com repúdio ou expulsão das fileiras partidárias, mas com atos de desagravo em que todos eram aclamados como “guerreiros do povo brasileiro”. Enquanto isso, o líder máximo dizia que não sabia de nada, depois alegou que tinha sido traído pelos seus assessores mais próximos, e terminou simplesmente negando o esquema. Lula escapou do mensalão, mas não teve a mesma sorte com a Lava Jato, e hoje cumpre pena em Curitiba por corrupção e lavagem de dinheiro, enquanto o petismo em massa proclama sua inocência.

O mensalão e o petrolão foram a demonstração do desprezo que o PT nutria pela independência entre poderes, com sua pretensão de comprar o Poder Legislativo. Quando os mensaleiros foram a julgamento, o Supremo Tribunal Federal foi tratado como “tribunal de exceção”, como se estivéssemos em uma ditadura; e, quando chegou a vez do chefão, o petismo armou um circo que poderia ter terminado em derramamento de sangue (da militância, nunca dos líderes) para resistir à ordem de prisão expedida pela Justiça. Tudo isso porque, na moral petista, não é o partido que se submete às instituições e às leis, mas estas que devem servir o partido – é assim que funciona na Venezuela ditatorial bolivariana, que o petismo sempre apoiou incondicionalmente.

Com o partido nas cordas, Lula e os demais líderes petistas reagiram com o discurso de que o PT era perseguido pela elite porque havia ajudado o povo. Os ricos não suportavam ver os pobres viajando de avião, os brancos não queriam que os negros tomassem seu lugar nas universidades, dizia Lula. Tudo para jogar ricos contra pobres, negros contra brancos, homens contra mulheres, homossexuais contra heterossexuais, esgarçando o tecido social brasileiro, estimulando ressentimentos e colocando a máquina do governo em ação para negar e combater praticamente todos os valores caros à maioria da população brasileira: o petismo desprezou a dignidade humana ao promover o aborto, inverteu valores ao desculpar bandidos como “vítimas da sociedade”, usou as políticas identitárias para promover a ideologia de gênero apesar da rejeição maciça da sociedade, quis tratar como criminosos aqueles que têm opinião crítica ao comportamento homossexual, transformou salas de aula em centros de doutrinação político-partidária.

Por tudo isso a oportunidade de negar ao petismo a possibilidade de voltar à Presidência da República não pode ser desperdiçada. O Brasil tem espaço para uma esquerda democrática, economicamente responsável, eticamente correta e comprometida com o respeito à dignidade humana, mas o petismo está muito longe dessa descrição, por tudo o que fez e continua fazendo, mesmo estando longe do Planalto há dois anos e meio. O país ainda sente as consequências da crise e do desemprego, as estruturas de governo continuam repletas de militantes para quem o importante é trabalhar pela volta do PT, o partido continua negando os crimes de seus corruptos, os valores do brasileiro continuam a ser cotidianamente desrespeitados na educação e na cultura. Consertar todo esse estrago será um trabalho longuíssimo, que exige uma profunda mudança cultural e uma limpeza nas estruturas de poder. O 28 de outubro não será o ponto culminante desse processo, mas o seu início – se assim o eleitor o desejar, e esta é nossa esperança."

 

"Leia também: Haddad esconde os crimes do PT (editorial de 24 de outubro de 2018)

Leia também: A eleição e a importância dos temas morais (editorial de 10 de outubro de 2018)"

Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/

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Fonte:
O Globo/Estadão/Gazeta do Povo

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