Lula pede união da América do Sul em cúpula, mas ouve críticas à posição sobre Venezuela

Publicado em 30/05/2023 21:25 e atualizado em 30/05/2023 22:28

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Por Lisandra Paraguassu

 

 

BRASÍLIA (Reuters) - Ao reunir pela primeira vez em nove anos os chefes de Estado da América do Sul, nesta terça-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu aos mandatários que não deixem que a ideologia os divida, mas ouviu críticas por suas declarações, na véspera, sobre a situação na Venezuela.

"Na região, deixamos que as ideologias nos dividissem e interrompessem o esforço da integração. Abandonamos canais de diálogo e mecanismos de cooperação e, com isso, todos perdemos", disse Lula ao abrir a reunião em Brasília.

"Tenho a firme convicção de que precisamos reavivar nosso compromisso com a integração sul-americana. Por essa razão convidei a todos para a reunião de hoje, que será seguida, em agosto, da Cúpula dos Países Amazônicos. Os elementos que nos unem estão acima de divergências de ordem ideológica."

Criada em 2008, a Unasul está paralisada desde 2018. No ano seguinte, vários países da região -- incluindo o Brasil, então sob o comando de Jair Bolsonaro -- formaram a ProSul, uma dissidência de direita criada pelos governos à época do chileno Sebastián Piñera e do colombiano Iván Duque.

Os dois blocos estão praticamente abandonados, apesar de Brasil e Argentina terem anunciado em janeiro a volta formalmente à Unasul.

A retomada do bloco é uma das alternativas, mas nem todos os presidentes da região -- hoje ainda dividida ideologicamente -- veem com bons olhos a volta da Unasul. O bloco ficou muito marcado pela ideia de governos de esquerda, uma vez que foi criado em 2008 durante a gestão anterior de Lula com os líderes da época de Venezuela e Argentina, Hugo Chávez e Cristina Kirchner, respectivamente.

O presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, que decidiu transmitir nas redes sociais sua fala durante a reunião fechada dos presidentes, lembrou seu país foi um dos que se retirou da entidade, ao mesmo tempo que não quis se associar à ProSul, por discordar dos caminhos do bloco.

"Temos que parar essa tendência à criação de organizações, passemos a ações. Chega de instituições. Insisto, usemos os mecanismos que temos, as instituições que participamos", defendeu o uruguaio, ao mesmo tempo que disse celebrar a "liderança das grandes nações" e o fato de o Brasil não estar "omisso a seus deveres". Segundo Lacalle Pou, é necessário "consequência e resultados positivos", além de concretos.

Em sua fala, Lacalle Pou fez uma crítica direta a Lula, que, na véspera, chamou de "narrativa" as acusações de ações antidemocráticas e problemas com direitos humanos na Venezuela. Lula deu as declarações ao receber o presidente venezuelano, Nicolás Maduro.

"Fiquei surpreendido quando se falou que o que aconteceu na Venezuela é uma narrativa", disse Lacalle Pou na mesa de reunião com Lula e o próprio Maduro.

"Se há tantos grupos no mundo que estão tratando de mediar para que a democracia seja plena na Venezuela, que se respeite os direitos humanos, que não haja presos políticos, o pior que podemos fazer é tapar o sol com a peneira. Damos o nome que tem e ajudamos", acrescentou

O presidente do Chile, Gabriel Boric, disse que não se pode "fazer vista grossa" ou "varrer para debaixo do tapete" o tema dos direitos humanos que, para ele, remete a princípios importantes. "Não é uma construção de narrativa, é uma realidade."

Em entrevista coletiva, depois da cúpula, Lula defendeu sua posição em relação à Venezuela.

"Eu sempre defendi a ideia de que cada país é soberano para decidir o seu regime político, para decidir que tipo de eleição vai ter, e para discutir as coisas internas", disse a jornalistas. "É importante que a gente tenha clareza, que as mesmas exigências que o mundo democrático faz para a Venezuela, não faz para a Arábia Saudita. É muito estranho", argumentou.

Lula afirmou ainda que disse a Maduro para fazer um documento com todos os partidos de oposição e governadores da Venezuela, pedindo respeito à soberania do país.

Durante a cúpula, Lula defendeu o legado da Unasul e pediu que seus ganhos não sejam esquecidos, mesmo que se façam aperfeiçoamentos.

"A América do Sul tem diante de si, mais uma vez, a oportunidade de trilhar o caminho da união. E não é preciso recomeçar do zero. A Unasul é um patrimônio coletivo. Lembremos que ela está em vigor. Sete países ainda são membros plenos. É importante retomar seu processo de construção", disse.

"Mas, ao fazê-lo, é essencial avaliar criticamente o que não funcionou e levar em conta essas lições. Precisamos de mecanismos de coordenação flexíveis, que confiram agilidade e eficácia na execução de iniciativas."

SEM UNANIMIDADE

O governo brasileiro apresentou algumas propostas de integração para serem discutidas pelos presidentes. Uma delas é que uma futura entidade, seja ou não a Unasul, abandone a regra de decisões por unanimidade que a regeu até agora e paralisava boa parte das ações por meses.

"Nossas decisões só terão legitimidade se tomadas e implementadas democraticamente. Mas a regra do consenso poderia estar restrita a temas substantivos, evitando que impasses nas esferas administrativas paralisem nossas atividades", defendeu Lula.

Na lista de propostas entram a criação de um mecanismo de compensação comercial mais eficiente e de uma unidade de referência para o comércio regional, reduzindo o uso de moedas estrangeiras para pagamentos internos, uma bandeira que Lula tem levantado em outros fóruns e com outros países, como a China.

"Se hoje damos os primeiros passos para retomar o diálogo enquanto região, o contexto que enfrentamos é ainda mais desafiador do que foi no passado", disse Lula. "Enquanto estivermos desunidos, não faremos da América do Sul um continente desenvolvido em todo o seu potencial. A integração deve ser objetivo permanente de todos nós."

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Fonte:
Reuters

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