Mercado não é gente, por Marília Fontes

Publicado em 28/08/2017 08:25
Marília Fontes é formada em Economia pelo Insper. Trabalhou durante 7 anos como gestora de Renda Fixa em Assets como Itaú, Mauá e Kondor, atuando em fundos locais e internacionais.

Tem gente por aí que acha que o mercado é uma pessoa. Ou um grupo de pessoas poderosas. Talvez pensem que essas pessoas usam gravatas, voam de jatinho e controlam o país.

Eu acho isso tudo muito engraçado. Como o mercado poderia ser uma pessoa ou um grupo de pessoas?

Só na BMF&Bovespa, são 592.386 CPFs cadastrados. Isso quer dizer que 592.386 pessoas físicas têm acesso a essa Bolsa e podem operar seus investimentos por meio dela. Mas não só de pessoas físicas vive a Bolsa. Também há 22.652 CNPJs cadastrados. Aí incluímos fundos e empresas. Além disso, para títulos públicos, só o Tesouro Direto possui 1.485.238 CPFs cadastrados. A Cetip possui 5 milhões de investidores cadastrados investindo em debêntures, CDBs, DIs, LFs e LCIs.

Somando tudo isso, teríamos aproximadamente 7,1 milhões de investidores atuando no mercado. Claro que esse número deve ser menor, afinal, alguns investidores se cadastram em mais de uma instituição ao mesmo tempo.

Mas não podemos desconsiderar a brutal pulverização do mercado.

Para quem ainda não está feliz com esses números, ainda existem 18.429 investidores estrangeiros cadastrados e com acesso ao mercado brasileiro.

Estou dizendo tudo isso pra deixar claro que não tem como uma pessoa, ou um pequeno grupo de pessoas, controlar o mercado, os preços dos ativos e segurar cotações. Ou seja, de nada adianta ficar triste porque o mercado melhorou no dia seguinte do descarte da denúncia contra o Temer, no dia da condenação de Lula, ou depois da notícia da privatização da Eletrobras. Não adianta culpar o “mercado opressor” achando que ele é partidário, antiético ou qualquer outro adjetivo que você usaria para descrever uma pessoa.

O mercado não é nada disso.

Vou dar um exemplo prático: as ações da Vale pós-acidente de Mariana. Antes do ocorrido, a ação custava 13,85 reais. Dois meses depois, estava valendo metade desse valor.

Imagine que um investidor X quisesse puxar os preços das ações da empresa para forjar um “otimismo”.

E, para isso, reunisse todos os seus amigos e disparasse ordens de compra das ações da Vale. Por alguns segundos, poderia funcionar. Mas a alta nos preços chamaria atenção de hedge funds, que entrariam na venda.

Se o grupo conseguisse convencer os hedge funds a se juntar a ele, disparando mais ordens de compra, a alta maior certamente chamaria a atenção de grandes investidores bilionários, como Jorge Paulo Lemann, por exemplo, que entrariam vendendo as ações.

Se esse novo grupo maior convencesse o bilionário a disparar novas ordens, isso chamaria a atenção de fundos “long only” e institucionais, que entrariam vendendo as ações.

Digamos que esse novo grupo convencesse os fundos a se juntar a ele. Assim, novas ordens de compra seriam disparadas.

Certamente chegaria aos ouvidos de Warren Buffett que uma oportunidade excelente surgiu no Brasil: vender ações da Vale. Buffett poderia, então, com sua força de 260 bilhões de reais de patrimônio, aproveitar o trade e aumentar a pressão vendedora da ação.

Mas vamos supor que Lemann conseguisse convencer Buffett a se juntar a todo o grupo e forçar o preço da ação para cima. E eles conseguissem isso por mais um mês.

Certamente, depois disso, o fundo de pensão do governo do Japão, com 1,2 trilhão de dólares de potência, colocaria “um dedinho” nessa aposta contra a Vale. Afinal, onde podemos ganhar 50% em apenas um mês nesse mundo de juros baixos?

Enfim, não preciso continuar. Apesar da história maluca que eu contei, que certamente não tem muita correspondência com a realidade, deu para perceber que influenciar uma cotação não é tão simples assim. O mercado vai percebendo que o número não faz sentido e vai se ajustando, equilibrando o fluxo de compradores com o de vendedores e, consequentemente, os preços.

Se mais pessoas querem vender a ação, quem quiser passar na frente da fila terá que vender a um preço mais baixo. Reduzindo, assim, a cotação da ação. O mesmo vale para a compra. Não tem segredo.

O “mercado” é um termômetro de quanto os investidores estão dispostos a pagar por cada ativo. Ninguém faz fé com grande parte do próprio dinheiro. Você não vai fazer um investimento só porque simpatiza com o emissor se souber que terá prejuízo.

Se aquele seu primo legal te oferecesse a maravilhosa oportunidade de vender gelo no Alasca, você investiria todo o seu patrimônio?

Se seu filho mais querido te apresentasse a magnífica ideia de montar uma empresa revolucionária de telefone fixo, você entraria como financiador?

Negócios à parte, meu caro amigo. Não fazemos loucuras emocionais com nosso dinheiro. Pelo menos não de forma consciente.

Se algo aconteceu, e o mercado melhorou, é simplesmente porque a maioria das pessoas do globo acredita que o impacto da notícia é positivo para os preços dos ativos. Sem emoção. A alta é pragmática.

Por isso, quando me dizem que Bitcoin é uma bolha, eu fico um pouco ressabiada. Por que será que milhões e milhões de pessoas no mundo comprariam esse troço? Principalmente os chineses, que têm uma vontade enorme de diversificar sua moeda e não podem comprar nada por restrição do governo.

Eu não sei nada sobre isso. Mas confesso que tenho uma vontade enorme de aprender. Pode ser uma bolha? Pode. Mas pode ser uma revolução nos meios de pagamento do futuro? Pode também.

Acho que teremos que descobrir.

Mas, de uma coisa eu tenho certeza: essas milhares de pessoas não estão comprando bitcoin para “fomentar o anarquismo” ou qualquer besteira emocional que dizem por aí. É simplesmente business.

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Por:
Marília Fontes
Fonte:
Empiricus

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