Sérgio Cabral e os otários... e mais: Pergunta a Chico Buarque: “Seria a angústia da influência uma frescura?”

Publicado em 13/01/2011 17:25 e atualizado em 13/01/2011 20:48

A reportagem que ainda não foi feita

Já passam de 400 os mortos no Rio - 422 até havia pouco. O número pode crescer. Há pessoas dadas como desaparecidas. O jornalismo se esforça para fazer uma cobertura detalhada, dando destaque aos dramas humanos, às promessas das autoridades, às possíveis causas da tragédia.

Uma pauta, no entanto, não foi cumprida até agora - e talvez não tenha ocorrido a ninguém fazer um tantinho deste trabalho quase investigativo: no ano que separa a tragédia de agora daquela havida em Ilha Grande e em Niterói, o que efetivamente foi feito para tentar diminuir o número de mortos? Como se nota, houve um aumento.

Também daquela vez o governo federal prometeu ajuda, o governador Sérgio Cabral pediu rigor para coibir as ocupações irregulares, liberou-se dinheiro federal para ajudar os desabrigados etc e tal. Como diria Deus no poema “Prece do Brasileiro”, de Drummond (aquele que declamei na praia),
“Tudo está preparado para a cena
dolorosamente repetida
no mesmo palco. O mesmo drama, toda vida.”

Por Reinaldo Azevedo
Sérgio Cabral e os otários...

Já são mais de 400 mortos no Rio.

Não vou ficar fazendo “jornalismo papa-defunto”, a exemplo do Partido da Imprensa Petista, que tentou matar afogado o prefeito Gilberto Kassab, recuando depois que o Rio de Sérgio Cabral decidiu provar, mais uma vez, que, em matéria de tragédia, não tem pra ninguém.

Reportagem da Folha de hoje mostra que a Defesa Civil do estado ignorou alerta do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) e do Cptec (Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos) sobre chuvas fortes. Foi emitido às 16h23 de anteontem. O órgão estadual diz ter levado em conta a  informação do Simerj (Serviço de Meteorologia do Estado do Rio), que não previu os temporais. Bem, providência número um: DEMITIR TODO MUNDO DO SIMERJ. É claro que eles não são responsáveis pela tragédia. Só não sabem fazer o seu serviço. Mas sigamos.

Ainda que a Defesa Civil tivesse considerado a informação do Inmet, não haveria tempo para muita coisa. Mesmo que cada município da região serrana do Rio saísse com um megafone pedindo que moradores de áreas de risco deixassem suas casas, a maioria não deixaria. Fica caracterizada uma certa desídia? Fica, sim. Mas convenhamos: irrelevante para o caso quando se considera o tamanho da tragédia.

Tragédia que vai se repetir no ano que vem se chover o mesmo que choveu agora - ou, o que é  ainda mais apavorante, talvez nem precise ser o mesmo: ninguém sabe quanta água é necessária para que a terra comece a se liquefazer; e se bastar a metade?

É preciso admitir que haverá mais mortes no ano que vem. Cumpre ao poder público atuar para diminuir as ocorrências. E então vem a pergunta realmente pertinente: o que foi feito em um ano com esse propósito? Praticamente nada! No máximo, o ausente governador Sérgio Cabral deu uma declaração ao jornal O Globo, destacada ontem no Jornal Nacional, condenando as ocupações irregulares. Entendo… Apenas um homem sensato!!!

Não obstante, a campanha eleitoral de Dilma Rousseff e do governador deram a entender que tudo estava resolvido. O Rio, na discurseira lulista-dilmista-cabralina, parecia ter atingido o nirvana da administração pública. O estado nos foi oferecido como exemplo de administração séria, responsável, eficiente. Mais do que isso: a então candidata petista o tratava como exemplo a ser seguido.

Reitero: dada a realidade das ocupações irregulares, ocorrências dramáticas são inevitáveis. A questão é saber o que de fato se fez em um ano para minorar os estragos e preservar vidas. A resposta é esta: produziram-se discursos e mistificações.

E ai de quem ousasse evidenciar que as coisas não eram bem como pareciam ser: o governador Sérgio Cabral chamava o crítico de “otário”, como bem sabe o jovem Leandro.

De fato, somos todos uns otários: uns são otários vivos; outros, infelizmente, já são otários mortos.

Por Reinaldo Azevedo

Flagrantes de tristeza e alegria de Sérgio Cabral. Ou “Enjoy in Riiioooo”

O governador do Rio, Sérgio Cabral, já chegou de suas férias ao exterior, decididas, como se nota, em boa hora? Que coisa! Ninguém havia contado ao rapaz que os meses de janeiro, fevereiro e março costumam ser dramáticos para o estado que ele governa. Nem mesmo o desastre do ano passado foi suficiente para alertá-lo? Ou, por outra, teria servido a tragédia de alerta e, por isso mesmo, ele decidiu dar no pé? Em horas assim, administradores públicos gostam de ficar longe de cadáveres. E Cabral, sem dúvida, é muito vivo.

O governador do Rio é o novo candidato a inimputável da política brasileira, em substituição a Lula, seu guia ético. Certa imprensa gosta muito dele. Também conta com a simpatia dos “progressistas”. Afinal, é a favor da descriminação do aborto e da legalização das drogas e do jogo. Cabral é favorável a que se diminua a criminalidade descriminando o… crime! Sem dúvida, trata-se de um norte moral a ser considerado, não é mesmo?

Ele está no meu caderninho de moralista desde esta cena. Vejam:

Como se nota, quando o Congresso decidiu aprovar a partilha fraterna dos royalties do petróleo, o que realmente seria desastroso para o Rio, o homem se comoveu e chorou. Não serei eu a especular sobre as razões por que este ou aquele deitam fora suas lágrimas. Sou um homem tolerante. Mas também, acho eu, tenho senso de proporção. O Cabral chorão dos royalties pode ser flagrado, no entanto, num momento de dura racionalidade ao visitar o Morro do Bumba, que havia matado muitas dezenas de pessoas. A edição, como dá para perceber, é de um blog crítico ao governador. Mas este que aparece aí é, sem dúvida, o governador.

Por que alguém se comove tanto quando trata dos royalties do petróleo e pode ser tomado pela fúria quando lida com a tragédia? E pelos mortos? Nem uma furtiva lágrima?

Ocorre que estamos diante de um estilo - que foi referendado nas urnas, é bom deixar claro. Cabral foi feito para a celebração e para o abraço. Gosta de estar presente às festividades. Aqui, nós o vemos na parada gay. Nem é seu momento de maior desinibição.

No Carnaval do ano passado, em companhia da então candidata Dilma Rousseff à Presidência, ele demonstrou como pode ser alegre, festivo, pra cima, engajado, feliz.

Ontem, ficamos sabendo que ele telefonou, sabe-se lá de onde, para Dilma Rousseff para pedir ajuda. E também solicitou socorro da Marinha. É justo! Cabral não precisa de ninguém para garantir o circo. Na hora do aperto, ele descobriu que basta chamar as Forças Armadas.

Há quem diga que ele desponta como candidato á Presidência da República. É, considerando o retrospecto, faz sentido!

“Enjoy in Riiiooo…”

Por Reinaldo Azevedo

Pergunta a Chico Buarque: “Seria a angústia da influência uma frescura?”

A coisa se deu assim. Estávamos todos na praia no dia 31 de dezembro, curtindo o vai-e-vem das caipirinhas e das ondas. Ali presentes a minha família e um grupo de amigos, todos jornalistas - só coincidência: não sou do tipo que se junta em corporação de ofício. Num grupo grande, vocês sabem, fala-se sobre tudo e sobre nada ao mesmo tempo, sem compromisso - e assim são as melhores conversas. Um pouquinho de política, de literatura, de irrelevâncias dessa vida besta… Eu até já havia declamado Drummond e Mário Faustino, para certo constrangimento das minhas filhas. Nem acho que fiz feio… Mas vocês sabem: há uma fase em que os adolescentes gostariam que os pais fossem mudos, hehe… Confessarão algum orgulho da origem, se o tiverem, só na vida adulta. É do jogo. É assim que se cresce. A parte mais dolorosamente terna do amor vem sempre depois, como memória. A saudade são as vestes ocas.

Vai onda, volta onda, alguém falou do Prêmio Jabuti, para protesto de um dos amigos presentes: “Eu quero que o Jabuti se exploda”. O verbo foi outro, mas faltam aquela praia, aquele céu, aquelas caipirinhas, para que seja publicável aqui. E eis que Chico Buarque cai na roda, um bom compositor, coisa e tal, mas romancista, esperem aí… Havia consenso ali a respeito. Até confessei: “Ele tem coisa legal. Gosto de algumas músicas”.

“Cite uma”, desafiou alguém. Bem, eu já havia declamado mesmo, né? Por que não cantarolar?

“Leva o vulto teu
que a saudade é o revés de um parto,
a saudade é arrumar o quarto
do filho que já morreu.”

- Essa imagem é inegavelmente bonita!
- Opa! Isso e Shakespeare, não Chico!

Quem falava? Era Carlos Marchi. Sou um leitor bem razoável do bardo e até sei uma coisinha ou outra “de cabeça”, como se diz em Dois Córregos. Mas essa havia me escapado. Na verdade, eu não havia lido - agora já li -  a peça “Vida e Morte do Rei João”, ou simplesmente “Rei João”.

- É Shakespeare?
- É, sim!
- Chico plagiou Shakespeare?
- Não sei, não estou dizendo isso. Mas essa imagem que associa a saudade à ausência do filho morto, isso é da peça Rei João.
- Não sabia!
- Há uma biografia de Shakespeare de Bill Bryson, despretensiosa de tudo, mas muito empolgante. José Rubens Siqueia faz uma bela tradução do trecho. Vou te mandar depois.

E o jornallista Carlos Marchi cumpriu a promessa. Está na cena 4, 3º Ato. Constança diz sobre o filho morto a Felipe e Pandolfo:
“Grief fills the room up of my absent child,
Lies in his bed, walks up and down with me,
Puts on his pretty looks, repeats his words,
Remembers me of all his gracious parts,
Stuffs out his vacant garments with his form.”

Na versão de Siqueira:
“Dor enche o quarto de meu filho ausente,
deita em sua cama, anda a meu lado,
sua graça assume, sua fala repete,
me faz lembrar todos os seus encantos,
preenche as roupas ocas com sua forma.”

Em suma, é o “revés de um parto” (um bom achado, sem dúvida); é arrumar o quarto do filho que já morreu.

Sim, caro internauta, a leitura dos clássicos sempre põe em perspectiva os autores modernos e contemporâneos. Até com alguns monstros sagrados foi assim. Camões deve muito a Petrarca, por exemplo - às vezes, é a mesma imagem, vertida do italiano para o português. Mas, nesse caso, era coisa clara, admitida, sabida. Já o Chico Shakespeariano certamente é pista a ser ainda investigada. Convenham: a imagem é rigorosamente a mesma!

Como disse um amigo, talvez “uma pesquisa sobre o belo fraseado do sambista possa dar samba”, não é mesmo? Ok. Chico não vai devolver o Jabuti. Então faço outro apelo, digamos, mais  poético: “Chico, devolve ‘Pedaço de mim’ por Shakespeare!” Ou, então, dê um pé no traseiro de Harold Bloom e demonstre que esse papo de “angústia da influência” é pura frescura.

Por Reinaldo Azevedo.

Outra da Família Soprano e Andando: Lurian também recebeu passaporte especial do Itamaraty

Por Matheus Leitão, na Folha Online:
Lurian Cordeiro Lula da Silva, filha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é a oitava integrante da família descoberta com o benefício do passaporte diplomático. O documento foi concedido pelo Itamaraty em 2007 também em caráter excepcional por “interesse do país”.

A reportagem questionou o Itamaraty há cinco dias, mas só hoje a assessoria de imprensa do ministério confirmou a emissão. Em reportagens publicadas nos últimos sete dias, a Folha revelou que três netos e outros quatro filhos do ex-presidente -Marcos Cláudio Lula da Silva, 39; Luís Cláudio Lula da Silva, 25; Fábio Luís Lula da Silva, 35, e Sandro Luís Lula da Silva, 32,- receberam o superpassaporte.

O decreto 5978/2006, que regulamenta a concessão, prevê o passaporte vermelho a presidentes, vices, ministros de Estado, parlamentares, chefes de missões diplomáticas, funcionários da carreira diplomática, ministros dos tribunais superiores, procurador-geral da República, subprocuradores-gerais, ex-presidentes e seus dependentes (filhos até 21 anos- até 24, no caso de estudantes- ou deficientes físicos).

Os familiares de Lula não poderiam receber os passaportes porque tinham mais de 24 anos na data da concessão.

Por conta das reportagens da Folha, o Ministério Público requereu a anulação do benefício e, assim como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), quer a lista com os nomes de todas as pessoas que tiveram passaportes diplomáticos concedidos no período de 2006 a 2010.

As providências devem ser concluídas no prazo de 60 dias.

Sem dar detalhes, o Itamaraty afirmou que irá rever a regra de concessão do documento especial. Os benefícios são acesso à fila de entrada separada, tratamento menos rígido e, na maioria dos países, o visto se torna dispensável. O documento é tirado sem custo.

Por Reinaldo Azevedo

13/01/2011

 às 19:28

Lula já está solto. Não agüentou!

Xiii… Acho que ele está que não se agüenta.

Lula antecipou o fim da boca-livre no Forte dos Andradas, no Guarujá, que estava prevista até o dia 18. Ele já foi embora. Pensem bem: já são 14 dias sem auto-elogios em público ao menos. O espelho, coitado!, o que padeceu!!!

O homem está doido pra falar. Imaginem quanta coisa ele não tem a dizer sobre os mortos do Rio, no nono ano de governo do PT.

Por Reinaldo Azevedo

13/01/2011

 às 19:02

Dilma, a gerentona sem pecados

Leiam o que informa o Estadão Online. Volto em seguida:

Em reunião ministerial, Dilma alertará equipe sobre procedimentos éticos

Por Leonencio Nossa e Tânia Monteiro:
A presidente Dilma Rousseff abre nesta sexta-feira, 14, às 14h, no Palácio do Planalto, a primeira reunião ministerial do seu governo. No encontro, ela alertará a equipe sobre a necessidade de adotar “procedimentos éticos” e dividir com os ministros da área econômica ônus políticos que podem ser provocados por cortes orçamentários. O ajuste nas contas de cada pasta é considerado “inevitável” pela presidente. A previsão é que o encontro se estenda até as 18h.

A abertura da reunião será feita pela própria Dilma Rousseff. Em uma explanação que deverá ser transmitida ao vivo pela NBR, emissora do governo, Dilma tentará demonstrar uma postura de “gestora” preocupada com contas e números de cada órgão da administração federal, segundos fontes do Planalto. Durante o encontro, ela exigirá dos ministros que dividam com Guido Mantega (Fazenda) e Mirian Belchior (Planejamento) os desgastes que podem ser causados pelo ajuste orçamentário.

O comportamento do ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, que no governo Lula reclamava da falta de orçamento, é lembrado no Planalto como exemplo de postura que Dilma Rousseff não aceitará por parte dos seus subordinados. Ela avalia que não há clima político para a criação de um novo imposto para financiar a saúde e diz que a limitação de recursos é uma forma de avaliar a capacidade “gerencial” de um ministro.

No encontro desta sexta-feira, a presidente deverá ressaltar, segundo auxiliares, que na falta de recursos é preciso, mais do que nunca, fazer o melhor possível.

Após a fala da presidente, o ministro Guido Mantega apresentará um quadro da situação econômica e mostrará limites orçamentários. Em conversas com Dilma, ele se queixou que, no governo passado, os colegas de ministério se comportavam como “vítimas” do corte de orçamento, sempre classificado como uma “necessidade” pelo Planalto. Ele reclama que sempre foi taxado de “vilão” e diz que gostaria de dividir com os colegas os estragos na imagem provocados pelos cortes.

Nos últimos dias, a presidente se reuniu com todos os seus ministros em audiências individuais. Assessores do governo dizem que os ministros já estão alertados em relação a “dúvidas” que Dilma poderá ter sobre ações e projetos desenvolvidos pelos ministérios. Na reunião, ela poderá fazer cobranças.

Os ministros serão informados oficialmente que, em breve, será criado um conselho de Gestão e Competitividade. O novo órgão irá auxiliar a presidente a acompanhar as ações das pastas e os números apresentados pelos ministros. Pelo formato de trabalho de Dilma, os ministros terão de estabelecer metas de redução de custos e apresentá-las periodicamente em reuniões no gabinete presidencial.

Comento
Pô! Eis aí! É tudo o que sempre pedimos a Deus, não? Um governante - no caso, “uma governanta”? - comprometido com a ética, com a integração da equipe, com a redução de gastos e com a eficiência. Não falta mais nada. Se Dilma contar agora que já sabe fazer até omelete (no programa de Luciana Gimenez, ainda candidata, ela falhou), então será a perfeição!

As informações relatadas pelos repórteres são fornecidas, evidentemente, pela assessoria da presidente. Como se percebe, está em construção a imagem da gerente implacável, da maestrina que não aceita ninguém fora do tom. Perfeitamente!

A parte do apuro ético é a que mais chama a atenção, naturalmente. Dilma também foi ministra. E seu braço direito desde as Minas e Energia era Erenice Guerra, a mãe de Israel Guerra, aquele que chama a agora presidente de “tia”. A dedicação da família Guerra no serviço público ficou amplamente demonstrada.

“Ih, lá vem esse Reinaldo com coisas negativas!” Não! Lá vem esse Reinaldo com fatos. Sempre que a presidente Dilma exigir elevado padrão ético de seus ministros - E ELA FAZ BEM EM EXIGI-LO, DEIXO CLARO -, sinto-me obrigado, por dever de ofício, a lembrar o padrão ético da Casa Civil ao tempo em que ela foi ministra.

Eu me darei por satisfeito se os ministros de Dilma forem mais cuidadosos na escolha de seus respectivos secretários-executivos do que foi a então ministra Dilma, entenderam? É meu modo de dar um voto de confiança

Por Reinaldo Azevedo

13/01/2011

 às 18:40

Prece do brasileiro

No post em que trato da “influência” de Shakespeare em uma música de Chico Buarque (não é que os dois tiveram a mesma idéia, com a diferença de que a do bardo inglês veio 400 anos antes?), conto que cheguei a declamar um poema de Carlos Drummond de Andrade na praia. Amigos são tolerantes, hehe… Trata-se de “Prece do brasileiro”.

Segue abaixo. Vem bem a propósito destes dias. Ironicamente, substituam o drama da seca pelo drama das chuvas - e a Copa de 70 por outra patriotada qualquer -, e vocês verão que permanecemos no mesmo terreno - ou pântano - moral. Leiam com atenção. Vale a pena.

PRECE DO BRASILEIRO

Meu Deus,
só me lembro de vós para pedir,
mas de qualquer modo sempre é uma lembrança.
Desculpai vosso filho, que se veste
de humildade e esperança
e vos suplica: Olhai para o Nordeste
onde há fome, Senhor, e desespero
rodando nas estradas
entre esqueletos de animais.

Em Iguatu, Parambu, Baturité,
Tauá
(vogais tão fortes não chegam até vós?)
vede as espectrais
procissões de braços estendidos,
assaltos, sobressaltos, armazéns
arrombados e - o que é pior - não tinham nada.
Fazei, Senhor, chover a chuva boa,
aquela que, florindo e reflorindo, soa
qual cantata de Bach em vossa glória
e dá vida ao boi, ao bode, à erva seca,
ao pobre sertanejo destruído
no que tem de mais doce e mais cruel:
a terra estorricada sempre amada.

Fazei chover, Senhor, e já! numa certeira
ordem às nuvens. Ou desobedecem
a vosso mando, as revoltosas? Fosse eu Vieira
(o padre) e vos diria, malcriado,
muitas e boas… mas sou vosso fã
omisso, pecador, bem brasileiro.
Comigo é na macia, no veludo/lã
e matreiro, rogo, não
ao Senhor Deus dos Exércitos (Deus me livre)
mas ao Deus que Bandeira, com carinho
botou em verso: “meu Jesus Cristinho”.
E mudo até o tratamento: por que vós,
tão gravata-e-colarinho, tão
vossa excelência?
O você comunica muito mais
e se agora o trato de você,
ficamos perto, vamos papeando
como dois camaradas bem legais,
um, puro; o outro, aquela coisa,
quase que maldito
mas amizade é isso mesmo: salta
o vale, o muro, o abismo do infinito.
Meu querido Jesus, que é que há?
Faz sentido deixar o Ceará
sofrer em ciclo a mesma eterna pena?

E você me responde suavemente:
Escute, meu cronista e meu cristão:
essa cantiga é antiga
e de tão velha não entoa não.
Você tem a Sudene abrindo frentes
de trabalho de emergência, antes fechadas.
Tem a ONU, que manda toneladas
de pacotes à espera de haver fome.
Tudo está preparado para a cena
dolorosamente repetida
no mesmo palco. O mesmo drama, toda vida.

No entanto, você sabe,
você lê os jornais, vai ao cinema,
até um livro de vez em quando lê
se o Buzaid não criar problema:
Em Israel, minha primeira pátria
(a segunda é a Bahia)
desertos se transformam em jardins
em pomares, em fontes, em riquezas.
E não é por milagre:
obra do homem e da tecnologia.
Você, meu brasileiro,
não acha que já é tempo de aprender
e de atender àquela brava gente
fugindo à caridade de ocasião
e ao vício de esperar tudo da oração?

Jesus disse e sorriu. Fiquei calado.
Fiquei, confesso, muito encabulado,
mas pedir, pedir sempre ao bom amigo
é balda que carrego aqui comigo.
Disfarcei e sorri. Pois é, meu caro.
Vamos mudar de assunto. Eu ia lhe falar
noutro caso, mais sério, mais urgente.

Escute aqui, ó irmãozinho.
Meu coração, agora, tá no México
batendo pelos músculos de Gérson,
a unha de Tostão, a ronha de Pelé,
a cuca de Zagalo, a calma de Leão
e tudo mais que liga o meu país
e uma bola no campo e uma taça de ouro.
Dê um jeito, meu velho, e faça que essa taça
sem milagres ou com ele nos pertença
para sempre, assim seja… Do contrário
ficará a Nação tão malincônica,
tão roubada em seu sonho e seu ardor
que nem sei como feche a minha crônica.

Por Reinaldo Azevedo
Já segue nosso Canal oficial no WhatsApp? Clique Aqui para receber em primeira mão as principais notícias do agronegócio
Tags:
Fonte:
Blog Reinaldo Azevedo (Veja)

RECEBA NOSSAS NOTÍCIAS DE DESTAQUE NO SEU E-MAIL CADASTRE-SE NA NOSSA NEWSLETTER

Ao continuar com o cadastro, você concorda com nosso Termo de Privacidade e Consentimento e a Política de Privacidade.

0 comentário