Plano de TEC zero para grãos racha agronegócio do Brasil e preocupa Mercosul, diz a Reuters

Publicado em 28/08/2020 03:17

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SÃO PAULO (Reuters) - Uma proposta do Ministério da Agricultura de isentar temporariamente de tarifas as importações de soja, milho e arroz rachou o agronegócio brasileiro, com representantes de agricultores dizendo que isso vai desequilibrar o mercado, enquanto a agroindústria defende o equilíbrio da oferta por meio do livre comércio.

Além disso, representantes de produtores de países do Mercosul, que poderiam ter oportunidade de exportar ao Brasil em um momento de menor oferta e preços altos, já que os produtos do bloco comercial são isentos da chamada TEC, manifestaram preocupação com o plano.

A proposta do Ministério da Agricultura do Brasil é isentar provisoriamente taxas para soja e milho (de 8%) e arroz (de 10%) produzidos fora do Mercosul --tais produtos entrariam na chamada Lista de Exceção à Tarifa Externa Comum (Letec).

A pasta disse mais cedo que a proposta deverá entrar na pauta do Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Camex) em setembro, com o objetivo de equilibrar o mercado doméstico e impedir aumentos de preços, um movimento que foi criticado por agricultores do Brasil.

"Com essa medida, se tomar por seis meses, vai influenciar muito no milho e também na entrada da safra de soja do Brasil, é desnecessária... Isso mostra falta de preparo, tem pressão da indústria em cima disso aí, isso traz só desequilíbrio, não ajuda em nada", afirmou o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), Bartolomeu Braz Pereira.

O segundo semestre é o momento em que ganham força as exportações de milho do Brasil, segundo exportador global do produto, cujos negócios são em sua maioria travados antecipadamente. No caso da soja, o plantio da nova safra começa em setembro e a colheita se inicia entre o final do ano e janeiro --com preços altos, espera-se nova produção recorde.

"O Brasil é um grande produtor tanto de soja quanto de milho, exporta muito, usa esse mecanismo de venda futura. Se o governo vai mexer nesse mercado, vai trazer desequilíbrio ao produtor rural... A indústria de proteína animal já deveria estar comprando grãos para a safra de 2021, 2022, e assim sucessivamente, não podemos pagar pelos ineficientes", acrescentou Pereira, lembrando que, com esse câmbio, o produto eventualmente importado também chegará caro.

Os preços da soja já superaram 130 reais por saca no porto de Paranaguá (PR) neste mês e se aproximam do recorde em termos reais, segundo o centro de estudos Cepea, devido aos estoques relativamente baixos após o Brasil, maior produtor e exportador global da oleaginosa, embarcar volumes expressivos nos últimos meses, especialmente para a China.

No caso do arroz, a cotação teve uma máxima histórica neste mês no Rio Grande do Sul, maior produtor nacional.

A Federação das Associações de Arrozeiros do Estado do Rio Grande do Sul (Federarroz) emitiu nota "posicionando a mais absoluta e total contrariedade ante a demanda apresentada".

Segundo a entidade, "inexiste risco" ao abastecimento, enquanto a medida poderia se reverter em prejuízos a indústrias de pequeno porte e cooperativas, "na medida em que inexiste a possibilidade de competição destas com grandes aglomerados do país que possuem recursos operacionais e financeiros para a importação de arroz".

Segundo nota do ministério que cita o secretário de Política Agrícola, César Halum, a medida visaria impedir o aumento de preços de produtos da cesta básica, e, caso aprovada, teria caráter preventivo, visto que não há sinais de desabastecimento.

O ex-ministro da Agricultura Alysson Paolinelli, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), ponderou que o arroz sofreria mais com eventual isenção tarifária, visto que o país é mais forte em milho e soja.

De qualquer maneira, ele comentou que a situação mostra que o Brasil tem que trabalhar para aumentar sua produção, diante da grande demanda de países da Ásia e África. "A nossa safra precisa crescer 10% ao ano até 2050, caso contrário vai ser esse choro todo ano, o problema é demanda."

 

LIVRE COMÉRCIO

O Brasil, também gigante mundial em carnes bovina, suína e de frango, tem visto suas exportações de proteína animal beneficiadas pelo câmbio, mas a maior parte da produção é consumida no mercado interno.

Esse setor produtivo saudou a iniciativa do governo. A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) disse ser favorável à extinção de tarifas para importação de milho e soja, "visto que estes setores se tornaram altamente exportadores".

"O setor produtivo brasileiro prioriza os grãos produzidos internamente. Ao mesmo tempo, precisa de fontes alternativas quando os grãos no mercado interno atingem altas de tal forma que se torne mais vantajoso importar", completou.

"A possibilidade de importação é fundamental, também, para a manutenção do controle inflacionário...", disse a ABPA.

O presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Marcello Brito, também defendeu o livre mercado ao ser questionado sobre o assunto. "Vejo com muita tranquilidade, porque é assim que se faz comércio internacional, com saídas e entradas... Em uma gestão liberal de comércio, isso é o que se faz, e o Brasil para aumentar ainda mais sua exportação, precisa abrir o país para importações", comentou.

SURPRESA NO MERCOSUL

Os parceiros do Brasil no bloco comercial do Mercosul foram pegos de surpresa com a ação do Brasil e reclamaram que a medida deve ser discutida.

Argentina e Paraguai teriam a ganhar com importações de soja pelo Brasil, e o Uruguai com vendas de arroz. Mas, se a medida for efetivada, um potencial ganhador em soja e milho pode ser os Estados Unidos.

"O Brasil não pode mudar unilateralmente suas tarifas. Tem que fazer isso por meio de conversas com os outros países do Mercosul", disse à Reuters o vice-ministro da Agricultura do Paraguai, Santiago Bertoni.

"Qualquer redução da tarifa externa comum deve ser negociada dentro do Mercosul”, disse Gustavo Idigoras, chefe da Câmara de Exportadores e Processadores de grãos do CIARA-CEC.

Acordo Mercosul-UE parece que "começa a fazer água", diz Mourão

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BRASÍLIA (Reuters) - O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, afirmou nesta quinta-feira que a despeito do esforço realizado no ano passado, o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia parece que "começa a fazer água".

Na avaliação do vice-presidente, o Mercosul passa por um momento "particularmente complicado", em especial diante da crise vivida pela Argentina, seja em relação à sua dívida seja por conta da crescente taxa de novas contaminações por coronavírus.

"O grande esforço que foi feito no ano passado da articulação desse acordo Mercosul-União Europeia parece que começa a fazer água", disse o vice-presidente em mesa redonda organizada pela Federação das Câmaras de Comércio Exterior, em parceria com a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Rio de Janeiro.

Os dois blocos assinaram em junho do ano passado um acordo preliminar de livre comércio, após duas décadas de negociações, pendente de aprovação pelos governos europeus e pelo Parlamento Europeu, o que tem se arrastado sem avanços significativos desde então.

Ao defender que haja uma equipe em condições de manter as negociações de forma permanente formada por membros do Mercosul e da UE, Mourão apontou o que considera ruídos na comunicação, citando notícias sobre "dúvidas" da chanceler alemã, Angela Merkel, sobre o acordo, devido, principalmente, à política ambiental do Brasil.

Segundo o vice-presidente, a chanceler teria sido "cobrada" pela ativista sueca Greta Thunberg.

"Em relação à Alemanha... temos tido um relacionamento muito bom e estamos mantendo isso aí", afirmou.

Mercosul e UE começaram a negociar há 20 anos, com diversos governos envolvidos nas conversas, mas os esforços foram intensificados após a eleição do presidente dos EUA, Donald Trump, quando a UE suspendeu negociações com o governo norte-americano e se voltou para outros aliados comerciais globais.

No início deste mês, o diretor-Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevêdo, reconheceu que o momento político atual não é o mais favorável para o acordo comercial, mas recomendou que ambas as partes mantenham o senso de urgência e pensem no longo prazo para a oportunidade não ser perdida.

 

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Fonte:
Reuters

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1 comentário

  • Celso Oss SALTO VELOSO SC - SC

    Então que o governo subsidie os impostos dos insumos para a produção desses grãos...

    3