Seca quebra safra e escambo reaparece no interior do PR
Há duas semanas, Cleci Zandonai, agricultora que planta feijão e milho em uma propriedade em Renascença, cidade do Sudoeste do Paraná, saiu para fazer compras na cidade. Para pagar a conta, não levou dinheiro, cheque ou cartão de crédito. Em vez disso, entregou no caixa do mercado Versátil duas latas de banha de porco (cerca de 34 quilos) e levou para casa soda cáustica (para fazer sabão), erva para chimarrão e material escolar para os filhos.
"Plantamos um saco de feijão e colhemos três, em vez de 30", disse. Ela calcula que a família, dona de 13 hectares e 26 cabeças de porcos, vai comer dois sacos de feijão durante o ano. O terceiro vai virar semente. No caso do milho, havia a expectativa de colheita de 200 sacos, mas a perda será de 75%. "O cheque do plantio do milho vence em abril e vamos ter de vender a junta de bois para cobri-lo."
O caso de Cleci não é exceção em Renascença, cidade fortemente atingida pela estiagem de novembro e dezembro, que provocou uma das maiores quebras da safra agrícola na história do Estado do Paraná. Com menos dinheiro em circulação, os cerca de 7 mil habitantes do município começaram a usar bens que possuem para garantir o "rancho" (compra do mês) e fazer a economia girar.
Para enfrentar a crise, os comerciantes da cidade tiveram que se adaptar à nova realidade. Passaram a aceitar o pagamento em vacas, gordura de porco, mandioca, vassoura e outros produtos. O escambo, troca de uma mercadoria por outra, que já era adotado ocasionalmente pelos moradores da cidade, aumentou após a estiagem - que acabou com 69% da produção de milho, 84% do feijão e 22% da soja.
Os prejuízos causadas pela falta de chuvas estão estimados em R$ 27 milhões no município, ou cerca de 30% do Produto Interno Bruto (PIB). Em todo o Estado, a produção de grãos deverá ser 26% menor que a esperada. Segundo estimativa da Secretaria da Agricultura do Estado 5,6 milhões de toneladas de grãos deixarão de ser colhidos no Paraná.
A Organização das Cooperativas do Estado (Ocepar) calcula que os prejuízos no campo podem chegar a R$ 3,6 bilhões. Como a colheita de grãos exerce grande influência sobre toda a economia local, a Secretaria estadual da Fazenda teme que os problemas climáticos tenham impacto negativo na arrecadação de impostos do Estado em 2009.
Até agora, 14 municípios avisaram à Defesa Civil que estão em situação de emergência por causa das perdas na lavoura. Por enquanto, o município de Renascença foi o único que conseguiu comprovar, por meio de formulários e envio de documentos, os danos que sofreu. Mas ainda aguarda a homologação do pedido para receber ajuda do governo para enfrentar problemas econômicos e sociais.
Enquanto o socorro oficial não chega, o sócio-gerente do Supermercado Favero, Heden Favero, viu aumentar o número de pedidos para troca de mercadorias. "Muitos clientes estão oferecendo animais até para se livrar deles, por falta de ração", conta. O empresário ouve diariamente propostas para recebimento de ovos, porcos, mandioca e outros itens, e organizou uma lista de espera para os que querem dar bovinos para quitar dívidas e fazer mais compras.
O problema é que os fornecedores do estabelecimento não praticam o escambo. "Precisamos de dinheiro para saldar nossos compromissos e 60% das nossas vendas são a prazo, por isso algumas vezes optamos por parcelar as dívidas em vez de aceitar produtos", explica.
Na semana passada, o Valor encontrou no supermercado dois produtores que queriam negociar a entrega de vacas a Favero. "Quero pagar o que devo e pegar o rancho de fevereiro", disse Érico Ribeiro, que tem 15 vacas de leite. Dono de 13 hectares de terra, perdeu a safra de feijão e milho.
Valdair Scheffer era outro que estava no local tentando negociar uma troca de produtos. "Não colhemos nada", conta ele, pouco depois de colocar no carrinho R$ 310 em compras, que se somariam a outros R$ 800, acumulados em dois meses de compras "penduradas". Scheffer tem 20 bovinos e, além dos que quer repassar ao supermercado, também planeja vender outras cabeças de gado para pagar a Cresol, cooperativa que financia a agricultura familiar.
Outro produtor que entrega mercadorias no Favero é Selvino Ferron, que já se desfez de 11 cabeças de gado para pagar contas. Agora colhe vassouras, uma planta, cujas hastes - depois de secas e costuradas - são usadas para varrer o chão. Depois de prontas, Ferron pretende repassá-las ao dono do mercado. Sua meta é fazer 300 vassouras no ano, para colocar alimentos na despensa. "Meu ganho este ano é só com a vassoura", afirma. Em sua propriedade de 14 hectares, ele acabou de plantar milho safrinha, na esperança de obter mais renda, depois de perder grande parte da safra de verão.
Se ficasse por aí, seriam apenas casos pitorescos do interior do Brasil, mais um anacronismo num país em que modelos econômicos tão diversos insistem em co-existir. Mas do outro lado do balcão, os empresários sabem que estão diante de um dilema. Se aceitam os bens dos produtores, esses conseguem quitar dívidas e fazer mais compras. Mas também perdem a capacidade de gerar receitas. O leite, por exemplo, ajuda a melhorar a renda dos produtores da região, e a junta de bois é usada na lavoura.
"Eu não vou pegar vaquinha de ninguém", garante Damião Lorenzon, sócio da Lavoura Fertilizantes, que prefere dar mais prazo para pagamento. Essa também é a primeira opção de Roberto Copini Júnior, gerente da Representações Bedin, que vende adubos e sementes. Em janeiro, no entanto, ele pegou um boi como quitação de uma dívida. "Muitas contas dessa safra vão vencer só em abril, mas o agricultor não produziu e preferiu antecipar o pagamento, para pagar menos juros", explica.
Uma das preocupações do comércio é com atraso nos pagamentos. Segundo Gilmar Schmidt, presidente da Associação Comercial de Renascença e dono de uma oficina mecânica, a inadimplência na cidade cresceu mais de 30% em janeiro. "É cheque frio, boleto atrasado. Eu também não consigo pagar minhas contas", reclama, mostrando faturas em seu nome. Pelos cálculos dele, 70% de seus clientes não estão pagando as contas em dia.
Para evitar mais atrasos, o dono do açougue e mercearia Beira Rio, Jair Dalmolin, também tem recebido bois de moradores. No mês passado, foram dois. Segundo ele, o movimento de compras caiu e, para piorar, Dalmolin, que também é produtor, terá prejuízos com a safra. "Aqui, quem não perdeu milho e feijão com a estiagem, teve perdas na soja e no fumo com o granizo do começo de janeiro."
"Estamos preocupados com o ano de 2009", disse Ivo Scandolara, diretor da Cresol da cidade, que em 2008 financiou R$ 3 milhões aos agricultores. Ele contou que havia 140 contratos de financiamento de milho e todos tiveram perda total. O mesmo aconteceu com 15 contratos de feijão e, nos de soja, a quebra chega a 50%. Para ajudar os moradores, a cooperativa financiou pela primeira vez o plantio de milho safrinha.
No interior do Paraná, se a agricultura não vai bem, toda a economia sofre e ocorre um efeito em cascata. Enquanto espera dias melhores, o produtor Valdecir Malagutti decidiu trabalhar por dia numa marcenaria da cidade para garantir uma renda extra para as despesas da casa. Lá, com chuva ou sol forte, ele produz janelas, portas e carroceria de caminhão. "Do clima não me queixo. É herança dos cabeça-branca", diz, lamentando o desrespeito das gerações anteriores à natureza.
Outro agricultor, Luiz Ribeiro, esperava deixar a casa mais confortável para a mulher e os três filhos. Como não produziu o que previa, vai ter de vender o carro da família, um Corcel II ano 1979, para pagar o que deve. Ele pediu R$ 2,5 mil no veículo e recebeu oferta de R$ 2 mil. A chegada dos móveis e da geladeira vão depender agora do clima da próxima safra.
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