Mano Caetano – Socialismo da Vieira Souto enquanto “a terra fica esfaimando”

Publicado em 16/09/2013 21:02 e atualizado em 04/11/2013 13:22
por Reinaldo Azevedo, de veja.com.br

Mano Caetano – Socialismo da Vieira Souto enquanto “a terra fica esfaimando”

Há pessoas com peninha de Caetano (ver post desta manhã)? Deixem de bobagem. Ele está por baixo e conta comigo e com Olavo de Carvalho para aparecer um pouco, atrair as plateias mais ou menos esquerdizadas, em particular a turma anti-Sérgio Cabral no Rio (que reúne todos os “vermelhos” do Leblon, de Copacabana e de Ipanema), e desfilar seu charme supostamente consciente em verso & prosa e alguma rima. O Brasil inventou, como já cravei há mais de 20 anos, o burguês do capital alheio, que é a vigarice sindical que se adona do estado para satisfazer corporações. E conta também com os socialistas dos bens alheios — um grupo muito influente entre “artistas’. A maioria não saberia distinguir Lênin ou Gramsci de uma taça de champanhe, financiada pela Lei Rouanet. É o socialismo da Vieira Souto, com vista para o mar, enquanto, como diria um poeta baiano — mas do século XVII —, “a terra fica esfaimando”.

Não tenho paciência pra isso, não! Alguns leitores indagaram o que quis dizer num post de domingo quando afirmei isto:
“Ele [Caetano] é só um ‘velho baiano’. Eu sou só um maduro dois-correguense. Isso quer dizer que Caetano está por baixo, e eu, por cima. Bahia tropicalista é categoria de pensamento no Brasil. O interior de São Paulo que tem catiretê é categoria econômica. Ninguém liga. Só na hora de fazer as contas. Escrevo no celular. Cuido de Caetano à noite. O catiretê vela pela balança comercial. Caetano zela por metáforas que, durante um tempo, pensava-se, nos fariam mais inteligentes.”

Explico. Quem se define como “só um velho baiano” é ele próprio. Fiz uma ironia — um terreno sempre perigoso em nossas letras, mesmo as da crônica jornalística, eu sei. Mas não resisto. Só quis dizer que não recepciono, como diriam os ministros do STF, a autodepreciação fingida de quem, no fim das contas, quer mesmo é imunidade. Ao se dizer “só um velho baiano”, Caetano pede compreensão com a sua irresponsabilidade, com o seu miolo mole. Resolveu pôr a sua assinatura nos atos fascistoides dos black blocs e depois vem com esse muxoxo choramingas: “Poxa, mas eu sou só um velhinho inimputável…”.

De resto, por que a referência à origem? Muito bem! Se ele pode se dizer um “baiano” ao explicar por que cobre a cara, eu posso me dizer um “paulista” ao explicar por que não cubro? “O que o cateretê (ou “catira”) tem a ver com isso? O mesmo que o tropicalismo tem a ver com as tolices de Caetano — nada! Citei a cultura caipira do interior de São Paulo porque as “cigarras” do Brasil costumam odiar o trabalho das formiguinhas, não é mesmo? Foi só uma homenagem ao Brasil que produz — em São Paulo e em qualquer parte — e tem de prestar satisfações a quem não produz porcaria nenhuma. Um país em que os que geram riqueza têm de se subordinar aos caprichos de quem gera sentenças de igualdade está condenado a ser mixuruca.

“Famoso blog de direita”? O que sabe Caetano sobre direita e esquerda, justamente ele que diz “ler os dois lados” para, então, se situar no centro? Trata-se de uma tolice formidável. Até porque o Brasil — e o mundo —, definitivamente, não se esgota em “dois lados”. E não é raro que determinados eventos possam ter, hoje ou na Alemanha da década de 30, apenas um lado moralmente aceitável. Caetano está bravinho porque demonstrei que condescender com a violência — ou, na prática, estimulá-la, ainda que diga o contrário — se situa no campo das escolhas inaceitáveis, a menos que se opte pela tática do terror, que, entendo eu, está fora da política.

Eu estou me lixando se ele me considera de direita ou não — já escrevi centenas de textos a respeito. Já demonstrei por que um dos desastres da política brasileira é não haver um partido conservador forte, que seja alternativa de poder, como há em todas as democracias dignas desse nome. Por aqui, todo mundo é de centro-esquerda: Lula, Paulo Maluf, Marina, Dilma, Aécio Neves… Se Gêngis Khan ressuscitasse e decidisse disputar uma vaguinha no establishment brasileiro, não teria dúvida em se dizer de centro-esquerda.

O curioso é que a sociologia que essa gente diz adotar ou que serviria de substrato a suas elucubrações aponta justamente essa trapaça como fonte de muitos dos nossos desatinos — penso especialmente em “Raízes do Brasil” e “Os Donos do Poder”, de Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro, respectivamente. Quando um filósofo ou um jornalista, fora do aparato do estado, participam do debate público cobrando clareza e distinção — e distinguindo, por sua vez, alhos de bugalhos —, então lá vem um aiatolá do “pensamento alternativo” (qual???) a usar a notoriedade conquistada com seus trinados para fazer o trabalho de demonização.

O mais antigo e persistente trabalho ideológico e propagandístico da esquerda consistiu e consiste em transformar seus crimes em novos umbrais da humanidade. É assim desde a revolução bolchevique de 1917. Intelectuais os mais variados se tornaram meros justificadores do assassinato em massa, da brutalidade transformadora, da violência redentora: na URSS, na China, em Cuba, no Vietnã… Escolham aí. Com o fim do império soviético, as simpatias se voltaram para as lideranças islâmicas antiocidentais. Os nossos pensadores adoram odiar a liberdade que lhes garante o direito de pensar. Quando me dou conta da quantidade de absurdos que um Michel Foucault escreveu sobre a revolução iraniana, chego a ficar de estômago embrulhado. Gays, como ele próprio, eram enforcados em guindastes em praças públicas — e ele, não obstante, via palpitações verdadeiramente eróticas nos fanáticos de Khomeini.

Esse Caetano que tenha mais cuidado ao lidar com as ideias — se pretende mesmo continuar nesse terreno. Paulo Francis está morto há 16 anos. Evocá-lo, hoje, como ele fez, deve ser visto como um pedido de desculpas? Francis vivo, o então “só um quase-jovem baiano” respondeu a uma crítica cultural chamando o outro de “bicha amarga” e “boneca travada” — e olhem que o jornalista, então, teceu elogios ao artista Caetano Veloso, criticando apenas, como chamou, seu ser totêmico.

Enquanto Caetano não se desculpar, a sua imagem fantasiado de black bloc segue sendo uma aceitação tácita de uma tática e um convite a uma forma de ação. Num célebre e então muito bem colocado discurso num festival, em 1968, o cantor baiano reagiu à boçalidade da plateia, que o impedia de cantar “É proibido proibir”. Disse que aquela gente não se distinguia em nada dos brucutus fascistoides que haviam invadido a peça “Roda Viva” e espancado os atores. E não se distinguiam mesmo.

O que se fez daquele Caetano? “Isso foi em outro país, e aquele rapaz morreu”, para lembrar as palavras finais do artigo de Francis.

Por Reinaldo Azevedo

 

Caetano, Paulo Francis, “direitista”, “bicha amarga”, “boneca travada” e outras coisinhas mais

Lá vou eu falar de Caetano Veloso… Já dei uma palinha ontem. Em suacoluna no Globo de domingo, ele volta a se referir a mim e aos leitores deste blog. Vamos ver. É bem verdade que Caetano abre seu texto afirmando que gostaria “de ter tido tempo para refletir antes de escrever”. E acrescenta: “Mas aconteceu o contrário”. Isso quer dizer que escreveu primeiro e deixou para refletir depois. Pois é… Antes de criticar um internauta que deixou um comentário nesta página, ele observa: “E lembrando que Paulo Francis dizia que quem escreve cartas para a redação é doido”.

Francis, de fato, disse isso. Estranho é ver Caetano citando-o em seu socorro. A única vantagem de envelhecer é a memória — para quem a conserva. Os mais moços talvez não saibam e é possível que muitos já nem se lembrem mais. Em 1983, o cantor entrevistou Mick Jagger, dos Rolling Stones, para o programa Conexão Internacional, da extinta TV Manchete. Francis viu e não gostou. Escreveu um texto a respeito (íntegra aqui). Se vocês lerem o original, verão que até fez alguns elogios a Caetano, dizendo-o melhor do que Jagger e reconhecendo-lhe talento, mas não perdoou algumas batatadas. Escreve: “É evidente, por exemplo, que Mick Jagger zombou várias vezes de Caetano na entrevista na TV Manchete. O pior momento foi aquele em que Caetano disse que Jagger era tolerante e Jagger disse que era tolerante com latino-americanos (sic), uma humilhação docemente engolida pelo nosso representante no vídeo”.

Caetano ficou furioso. Muito bravo mesmo! E respondeu com esta grandeza e superioridade: “Agora o Francis me desrespeitou. Foi desonesto, mau-caráter. É uma bicha amarga. Essas bonecas travadas são danadinhas”.Acho que, hoje, Jean Wyllys o acusaria de homofobia — se bem que o deputado já afirmou o mesmo a meu respeito só porque eu discordei dele. Francis retrucou então:
“Duas sorridentes cascavéis deste caderno me comunicaram hoje que Caetano Veloso me agrediu numa coletiva. Outro tema de debate: cantor de samba fazendo show vale uma coletiva? Por quê? Bem, fiz críticas culturais ao estilo de personalidade de Caetano, o flagelado milionário de ’boutique’, servil como um escravo diante do condescendente Mick Jagger. São críticas, certas ou não, mas culturais. Qual é a resposta de Caetano? Diz que sou uma bicha amarga e recalcada. É puro Brasil. Ao argumento crítico, o insulto pessoal. Mas o insulto é o próprio Caetano. Afinal, o que ele quer dizer é que sexualmente sou igual a ele, e usa isso como insulto.”

Retomo
No texto, ESCRITO HÁ TRINTA ANOS, Francis se referia a Caetano como aquele que “fala de tudo com autoridade imediatamente consagrada pela imprensa, que é mais deslumbrada do que o público em face dele.”Segundo o jornalista, ele havia se transformado num “totem”. Leiam: “[Caetano] prefere fazer o que chamei outro dia de ‘maltrapilho estilizado’. Simbolizar a miséria raquítica do baiano e interiorano brasileiro, para efeito de mero consumo visual, enquanto muito agradavelmente acaricia as fantasias de amor ilimitado que fazem o narcisismo da classe média confortável no Brasil, um conforto por que pagam cerca de 100 milhões de brasileiros no nosso ‘Alagados’ nacional”. Na mosca!

Volto aos dias de hoje
Caetano está bravo comigo porque eu o esculhambei por ter posado para aquela foto fantasiado de “black bloc” e convocando os cariocas a sair mascarados às ruas. O Sete de Setembro, como se viu, ficou entregue aos violentos e aos vândalos. Se alguma esperança havia de que a “voz das ruas” pudesse melhorar o Brasil (nunca foi a minha, como vocês sabem), ela se esvanecia definitivamente ali. Eis a grande obra dos que, a exemplo de Caetano, se negaram a fazer a devida distinção entre protesto e arruaça fascistoide. O ex-totem, no entanto, tem a coragem de escrever que “os black blocs fazem parte”. De quê?

No texto do Globo, escreve Caetano:
“Um comentário de acompanhante de famoso blog direitista (o do Reinaldo Azevedo, que, não sei por que, se alegra em fazer sucesso com aquele tipo de plateia) protesta contra a manobra ‘esquerdista’ da TV Globo ao pôr no ar, no ‘Fantástico’, reportagem sobre a espionagem americana no Brasil. Para ele, a TV Globo é um veículo da conspiração comunista internacional. O que, para nós brasileiros, soa mais estapafúrdio do que as reiteradas afirmações de Olavo de Carvalho sobre o ‘New York Times’, que ele retrata como uma espécie de braço do movimento comunista. A Globo, que os blogs de esquerda — e muitos manifestantes de rua — chamam de líder da mídia golpista (…).

Há 30 anos, como viram, Francis já notava a desenvoltura com que Caetano falava sobre qualquer assunto. E ele, parece, é bem mais desenvolto quando fala sobre o que não entende, quando põe a sua ignorância específica a serviço de seus admiradores — que suponho em número dramaticamente decrescente. Aos 41, quando ele se enfurecia com um crítico, disparava: “Bicha amarga! Boneca travada!”. Aos 71, adequado ao espírito destes tempos, manda ver: “Direitista!”.

Caetano diz não saber por que eu me alegro “em fazer sucesso com esse tipo de plateia”. Que tipo? Este blog foi acessado quase 300 mil vezes na quinta, quase 200 mil na sexta. Há comentários para todos os gostos e leituras as mais diversas. Boa parte dos meus textos passa longe do debate ideológico, embora eu, de fato, não me negue a fazê-lo. Ao contrário. Provoco o confronto de valores. Não sei a que comentário exatamente ele se refere e o que disse o leitor. Certo ou errado, Caetano o toma como exemplar. E ainda aproveita para dizer tolices também sobre Olavo de Carvalho. Não sei o que escreveu o comentarista, mas sei o que eu escrevi sobre as reportagens de Glenn Greenwald, o que reitero agora: não se provaram nem a espionagem contra Dilma nem a espionagem contra a Petrobras — e Caetano poderia tentar demonstrar que estou errado. Reproduzo trecho da matéria sobre a empresa: “Não há informações sobre a extensão da espionagem, e nem se ela conseguiu acessar o conteúdo guardado nos computadores da empresa”. Escrevi, então, um post com as minhas restrições.

O que pensa o leitor? Sei o que eu penso! Glenn Greenwald, embora americano, é de um antiamericanismo fanático e está construindo um castelo de conspirações a partir de meras suposições. Não confio em quem divulga dados que foram roubados e tem como parceiro um ex-agente da CIA refugiado na… Rússia. A minha desconfiança vira desprezo quando este senhor Greenwald é capaz de escrever um artigo justificando os atentados terroristas ocorridos em Boston. Palavras suas:
“Por mais profunda que você reconheça ser a perda sofrida pelos pais e familiares das vítimas, é a mesma perda experimentada pelas vítimas da violência dos EUA. É natural que não se sinta isso tão intensamente quando as vítimas estão longe e são quase invisíveis, mas sentir essas mesmas coisas em relação aos atos de agressão dos EUA corresponderia a percorrer um longo caminho que leva a uma melhor compreensão do que eles são e dos resultados que produzem”.

Sei o que eu escrevi. E eu sinto asco dessa abordagem de Greenwald e de seu fanatismo — daí que não dê três tostões furados por seu “trabalho”.

Eu e Olavo
Caetano não conhece a crítica de Olavo a certa imprensa americana como não conhece a minha — ou não falaria tanta bobagem. Há uma gigantesca diferença entre apontar a inflexão à esquerda de veículos de comunicação ou de emissoras de TV e afirmar que são “braços do movimento comunista”, buscando reduzir, mais uma vez, a crítica política e cultural a uma caricatura — caricatura feita por um desinformado. Em duas semanas, a novela “Amor à Vida”, por exemplo, fez merchandising pró-aborto, proselitismo estúpido contra a internação de dependentes e em defesa da antipsiquiatria — a principal responsável por haver milhares de brasileiros pobres jogados nas ruas, sem leitos psiquiátricos — e cantou as glórias do programa “Mais Médicos”. Não, Caetano Veloso! Ninguém acha que isso faz da Globo um “braço do comunismo internacional”, mas é preciso ser supinamente estúpido para ignorar que esses valores têm um determinado pedigree ideológico. Apontá-lo, quando se conhece o assunto, é um dever.

Caetano deve andar por baixo, bem por baixo. Olavo e eu não fazemos parte do showbiz. Ele é um filósofo. Eu sou apenas um jornalista. Mas é fato que nos atacar excita a fúria da cachorrada, que sente cheiro de sangue. Caetano está cortejando as plateias petistas. Durante um bom tempo, ele foi considerado suspeito aos olhos da esquerda — e por maus motivos para elas e bons para ele próprio. Este senhor não cedeu à tentação de ficar fazendo metáfora mixuruca para resistir à ditadura. Mesmo quando eu tomava borrachada na rua — porque metáfora não derruba ninguém, afinal… —, admirava-o por isso. Bem poucos talentos sobreviveram à arte engajada. Não é que, aos 71, Caetano regride a uma tolice que talvez não tenha tido nem aos 17? Referindo-se ao artista de tempos idos, Francis encerrava assim aquele artigo de há 30 anos: “(…) pego uma paráfrase de Eliot de uma paráfrase de outro autor e encerro: ‘Mas isso foi em outro país e aquele rapaz morreu’”.

Caetano diz não saber por que eu me alegro em “fazer sucesso com aquele tipo de plateia”. É? E quem pode se alegrar em fazer sucesso com um tipo de plateia que acha legítimo que pessoas saiam mascaradas às ruas para depredar patrimônio público e privado? Que tipo de plateia? A minha certamente é composta de gente que trabalha, de gente que estuda, de gente que não enfia a mão no dinheiro público, de gente que garante a arrecadação que faz a felicidade de alguns “artistas” que hoje só conseguem produzir financiados pelo capilé estatal.

Eu me orgulho dos meus leitores de cara limpa, senhor Caetano Veloso, e não preciso ficar lhes puxando o saco ou correndo atrás de tudo quanto é novidade para que me achem interessante. Muitos deles sabem o quanto me criticaram por jamais ter me deixado tomar de encantos pelas ruas — nem mesmo quando a popularidade de Dilma despencou. Eles não vêm buscar aqui a reiteração do que já sabem. Eu não vivo de um personagem, entendeu?

Caetano escreve também uma coisa curiosa: “O fato é que compro sempre uma “Veja” e uma “Carta Capital” para ler no avião (…) preciso saber o que dizem os chamados dois lados para poder me manter centrista aqui.”Pfuiii… É mau leitor da VEJA se acha que a revista é de direita é e mau leitor da Carta Capital se acha que a revista é de esquerda. Eu, à diferença de Caetano, não fico administrando a minha opinião para “ser” alguma coisa em particular. Simplesmente penso o que penso com as informações que consigo obter e me deixo orientar por valores. Até porque os piores facínoras encontram defensores entusiasmados, alguns até de talento.

O fato é que Caetano Veloso meteu uma máscara na cara e fez proselitismo em favor dos fascistoides. E ainda não se desculpou por isso. No meu “famoso blog de direita”, leitores de cara limpa repudiam a violência e a truculência. Como é que ele se alegra em fazer sucesso com um tipo de plateia que acha isso bacana? Ele que responda.

Mas Caetano é um leitor fiel, como se nota — inclusive dos comentaristas. Um daqueles 300 mil acessos era dele. Obrigado, Caetano!

Por Reinaldo Azevedo

 

Caetano tem de parar de comer muita banana

Caramba!

Eu tou na praia. E o sol sobre as montanhas é o sol sobre as montanhas. É o sol. Mas o celular anuncia uma mensagem. É um amigo. “Caetano voltou a te atacar no Globo.” Vem o link. Abro. A caipirinha é de carambola. E o sol é o sol. Caetano me ataca. Ele é só um “velho baiano”. Eu sou só um maduro dois-correguense. Isso quer dizer que Caetano está por baixo, e eu, por cima. Bahia tropicalista é categoria de pensamento no Brasil. O interior de São Paulo que tem catiretê é categoria econômica. Ninguém liga. Só na hora de fazer as contas. Escrevo no celular. Cuido de Caetano à noite. O catiretê vela pela balança comercial. Caetano zela por metáforas que, durante um tempo, pensava-se, nos fariam mais inteligentes. Tiro n’água. Cuido dele depois. Caetano me chama de “direitista” porque precisa da ajuda da cachorrada para tentar me demonizar. Eu não. Eu acho que ele é um bom letrista de MPB e não preciso que ninguém o odeie para me ajudar. Achar que a pecha “direitista” desqualifica só faz sentido na boca de quem acha que a de “esquerdista” qualifica. Essa cara já foi mais interessante. Esse cara. Que pena! Caetano diz que acusei a Globo de comunista. Caetano andou comendo muita banana. Caetano tem de ler Castilho. Caetano tem de ler Antero de Quental. Caetano tem de aprender a ter 71 anos para que seus filhos possam ter 17. É um conselho, meu velho baiano. Ou eles procuram o regaço intelectual e moral de Edir Macedo. Se nem Freud explica, o pai explica. Se liga, Caetano Veloso!

Por Reinaldo Azevedo

 

Sem as esperadas bombas do Ocidente, rebeldes sírios intensificam massacres. Eram esses os “libertadores” que excitavam o imaginário ocidental. Ou: Um velho baiano e seu sarapatel em meio a uma chuva de balas e bombas

Naquele sarapatel para O Globo, escrito primeiro e pensado depois, como confessou o próprio autor, Caetano Veloso também expõe suas perplexidades sobre a guerra na Síria, afirmando não saber se foi no meu blog ou em outro lugar que teve acesso ao endereço de um vídeo-propaganda russo contra as forças que tentam depor Bashar Al Assad. Segundo ele, o trabalho é prefaciado por um comunista brasileiro. Será que há leitores deste blog recomendando perorações de comunas? Acho difícil, mas nunca se sabe. De toda sorte, vi lá no artigo que Caetano — com as notáveis exceções das questões que dizem respeito a Olavo de Carvalho e a mim — faz mesmo da dúvida um estilo de vida. Entendo. Sair da cadeia mental que aprisiona o pensamento a “um lado” (atenção para o conectivo) ao “outro lado” é sempre o mais difícil. Sem pretensão nenhuma (e essa é a área de Olavo), Caetano deveria começar por Heráclito a organizar o seu pensamento, banindo esse jeito meio Anaximandro de ser, em que tudo termina sempre numa soma zero… Seu jeito de pensar chega a ser divertido. Mas é da Síria que quero falar agora.

Eu nunca tive dúvida, como vocês sabem, sobre o mal menor nesse caso, sem jamais deixar de considerar que Bashar Al Assad e um sujeito asqueroso. Tenho amigos com familiares que moram na Síria. Desde os primeiros dias, relataram-me que as ações dos chamados oposicionistas eram escancaradamente terroristas. E contei isso aqui. Mas não me fiei apenas nisso para ir formando um juízo a respeito. Também procurei, e procuro, ler o noticiário com cuidado, coisa que Caetano poderia fazer. Ainda que tenhamos todos um grande coração (é provável que o “velho baiano” também), não é ele que determina o rumo dos acontecimentos.

Rebeldes e massacres
Num despacho desta manhã da Reuters, pode-se ler o seguinte (em vermelho):
Rebeldes que incluem combatentes estrangeiros travando uma “jihad”, ou guerra santa, estão cometendo mais chacinas, crimes e outros abusos no norte da Síria, disseram investigadores de direitos humanos da ONU nesta segunda-feira. “Por todo norte da Síria, tem havido um aumento de crimes e abusos cometidos por grupos de extremistas armados antigoverno e também um fluxo de entrada de combatentes rebeldes estrangeiros “,d isse o chefe da equipe de investigação, o brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. “Brigadas inteiras são agora formadas por combatentes que entraram na Síria. O al-Muhajireen é uma das ativas”.
Os investigadores haviam dito anteriormente que combatentes estrangeiros de mais de 10 países, incluindo do Afeganistão e da região russa da Chechênia, assim como forças da al-Nusra, ligada à al-Qaeda, apoiam os rebeldes sírios. O Hezbollah, do Líbano, luta ao lado das forças do governo. “Agora deve haver mais. A questão é que esses elementos extremos possuem sua própria agenda e certamente não é uma agenda democrática que querem impor”, disse o membro da comissão Vitit Muntarbhorn.
Pinheiro, que relata sobre suspeitas de crimes de guerra desde 15 de julho, disse também que o governo do presidente Bashar al-Assad continua sua campanha implacável de bombardeios aéreos e de artilharia por todo o país. Uma bomba incendiária lançada por um avião de guerra do governo sobre uma escola no interior de Aleppo em 26 de agosto matou pelo menos 8 estudantes e 50 sofreram queimaduras horríveis em até 80% do corpo, disse ele, citando relatos de sobreviventes.

Voltei
Ou por outra. Os EUA e a França estiveram a um passo (ou estão ainda) de se aliar a esses humanistas. Tenham paciência! O Ocidente quer depor Assad porque ele é um facínora. E vai fazê-lo fortalecendo facínoras ainda mais perigosos?. No dia 28 de novembro de 2011 — há, portanto, quase dois anos — , escrevi o que segue neste blog sobre a Síria e também sobre a Líbia. Leiam (em azul). Volto depois:
(…)
Kadafi foi encontrado num cano de esgoto, sodomizado e linchado. Um de seus filhos, preso com vida e em boas condições de saúde, apareceu depois, morto, com um rombo fabuloso na garganta. Foram muitas as evidências de barbárie cometidas também pelos chamados “rebeldes”. Mas se tornaram personagens das fantasias e anseios “progressistas” e “civilizados” da imprensa e dos intelectuais do Ocidente, que apostam no “modo Obama” de exportar democracia…

Assad lidera um regime brutal? Sim! Quem vai derramar uma lágrima de tristeza por ele? Eu é que não! Mas não me peçam uma lágrima de emoção e esperança por aqueles que o estão derrubando. A exemplo do que aconteceu com Kadafi, só que numa região muito mais delicada e literalmente explosiva, ele está enfrentando uma luta armada. Pacifistas que carregam ramos de oliveira não saem por aí matando.

E o relatório da ONU? É um roteiro de horrores, com relatos de tortura de crianças, execuções, tiros contra a multidão… Ocorre que a maioria dos depoimentos pertence a desertores do Exército, pessoas que fugiram da Síria — leiam o noticiário com atenção — ou que estão no exílio, membros de grupos que tentam depor o governo. Não estou dizendo que sejam falsos necessariamente. Só estou afirmando que se está, também nesse caso, ignorando que o país vive uma guerra civil e que isso supõe uma guerra de versões. A outra não interessa, como não interessou na Líbia.

A tal “Primavera Árabe” resultará em governos democráticos, que passarão a respeitar os direitos e as escolhas individuais, coisa que nunca se viu por lá? Tomara que sim! Tenho tantos amigos que acreditam nisso que quase me convenço… Por enquanto, essas revoluções passam por outro caminho: há um óbvio e inequívoco processo de islamização do estado em todos os países, sem exceção, que estão passando pela revolução.

Nego-me, em 2011, a ser o Michel Foucault da “Primavera Árabe”, como Foucault foi o Foucault da “primavera iraniana” de 1979…

Volto a setembro de 2013
É assim que se faz, Caetano Veloso, mesmo correndo o risco de errar. O que importa não são os seus (ou os meus) sentimentos confusos, ainda que piedosos. Fazer uma escolha analítica não implica se comprometer com uma das partes que estão em conflito, por mais doloroso que seja escrever a respeito. Opinião não é como orelha, nariz, braço ou traseiro… Como em regra, todo mundo tem, então todas são apreciáveis. Não! É legítimo que cada um tenha a sua. A desinformada não serve pra nada.

Eu nunca fiz questão de estar certo em relação à Síria — mais de uma vez, torci aqui para estar errado, até porque meu repúdio a Assad não poderia ser maior. Quem gostava dele, diga-se, eram os petistas. Pouca gente se lembra que, em 2007, os petistas firmaram convênio de cooperação com o partido Baath, do tirano. Caetano deveria estar assoviando alguma metáfora “progressista” enquanto o “direitista” aqui tratava do assunto. Nunca ficou claro, e tenho cobrado ao longo dos anos, como o PT poderia ajudar o Baasth e, sobretudo, como o Baath poderia ajudar o PT. Que foram companheiros, ah, isso foram. Será que dei relevo a essa questão só porque sou “de direita”, como quer o nosso homem do sarapatel filosófico?

Não vem que não tem, meu “velho baiano”! Nessa área, não dá para “caetanear o que há de bom”. Não basta uma metáfora de salão para esgotar o assunto. É preciso dedicação — além de tempo, leitura, pesquisa. É preciso pensar antes. E escrever só depois.

PS: “Não vai parar de falar de Caetano, não?”, já indagou alguém. Só quando me der vontade. Ou quando ele pedir desculpas aos milhões de cariocas lesados pelas ações dos black blocas, pelas quais ele se tornou corresponsável moral.

Por Reinaldo Azevedo

 

Gilberto Carvalho, que também tem explicações a dar, sai em defesa do ministro do Trabalho

Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência e segundo homem mais poderoso no PT (só perde para Lula), é capaz de coisas incríveis. Queridinho de setores influentes do jornalismo — ele adora uma conversa ao pé do ouvido —, costuma falar de maneira calma, suave, pausada… Quem não conhece seria capaz de confundi-lo com um coroinha. Então tá. Estourou um escândalo no Ministério do Trabalho que pode chegar a R$ 400 milhões. A influência de uma rede criminosa pasta é impressionante. E o que faz Carvalho? A investigação está em curso, as coisas estão sendo ainda apuradas, mas ele já decidiu dar seu veredito. O chato é que ao menos um dos fios da trama ai dar lá na pasta de Carvalho.  Leiam trecho de reportagem de Tai Nailon, da Folha. Volto em seguida.
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O ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) minimizou nesta segunda-feira (16) o envolvimento do ministro Manoel Dias (Trabalho) com acusações de fraude em licitação e desvio de recursos públicos centrados em contratos do Ministério do Trabalho com a ONG Instituto Mundial de Desenvolvimento e Cidadania (IMDC). As denúncias causaram a demissão do secretário-executivo da pasta, Paulo Roberto Pinto, suspeito de ligação com o esquema. No total, os contratos ativos do ministério somam R$ 836,7 milhões, segundo a pasta. Destes, R$ 658,3 milhões foram firmados com entes da federação e R$ 178,4 milhões diretamente com ONGs e universidades.

Carvalho disse: “Sinceramente, quem conhece o Manoel Dias sabe da seriedade dele, sabe da história dele”. “Eu sinceramente não posso acreditar que haja qualquer problema com o ministro. Boa parte dos convênios que estão no Ministério do Trabalho inclusive não são da época dele. Ele tem sido uma pessoa que tomou as providências necessárias, que foi a suspensão dos convênios para análise”, completou o ministro. O Palácio do Planalto avalia, por ora, que as ações tomadas pela pasta do Trabalho foram suficientes para minimizar a situação, mas não nega que a situação de Dias é frágil.
(…)

Voltei
Pois é… Parece-me que antes de sair por aí a expedir sentenças absolutórias, o próprio Carvalho tem o que explicar. Uma outra operação, chamada “Pronto Emprego”, flagrou uma organização criminosa atuando perigosamente perto da Secretaria-Geral da Presidência,informa Fausto Macedo no Estadão de hoje. Leiam trechos. Comento no fim.
*
A organização criminosa que desviou R$ 18 milhões de um convênio com o Ministério do Trabalho buscou apoio e incentivo do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, para tentar obter aditamentos e novos repasses de verbas para o Centro de Atendimento ao Trabalhador (Ceat), ONG que teria se transformado no reduto da quadrilha. Relatório da Operação Pronto Emprego, da Polícia Federal, deflagrada dia 3 em São Paulo, revela que o ministro era tratado pela quadrilha como seu “interlocutor” na pasta do Trabalho. Interceptações telefônicas mostram que, em maio, o grupo estava preocupado com perda de espaço no ministério e com uma divisão na cúpula da pasta. “Gilberto Carvalho irá resolver isso”, diz Jorgette Maria Oliveira, presidente da ONG, em ligação gravada.

Carvalho recebeu em seu gabinete muitas vezes padre Lício de Araújo Vale, a quem a PF atribui papel destacado na quadrilha, “articulador dos constantes aditamentos irregulares junto ao Ministério do Trabalho”. Outros dois personagens centrais da trama foram recebidos por Carvalho – Jorgette e o advogado Alessandro Rodrigues Vieira, diretor jurídico da ONG.

O relatório da PF – 192 páginas com fotos, organogramas e planilhas da evolução patrimonial dos investigados – descreve os movimentos da organização e o assédio sobre o ministro. “É bastante comum a dupla (Vieira e Padre Lício) ir a Brasília para tratar da renovação junto a funcionários de alto escalão do Ministério do Trabalho e da Secretaria-Geral da Presidência da República”, diz o documento, à página 82.
(…)

Encerro
O que é incompreensível — e não há como explicá-lo segundo a lógica administrativa — é por que uma entidade contratada para realizar este ou aquele serviços no ambiente do Ministério do Trabalho precisa manter relações tão estreitas com uma outra pasta cujo caráter é eminentemente político, de assistência pessoal à presidente da República. Será que esse meu estranhamento pode derivar do fato de eu ser, como quer Caetano Veloso, “de direita”? Será que, se eu fosse de esquerda, estaria a ver nisso tudo uma grande conspiração dos reacionários só para perturbar patriotas exemplares?

Por Reinaldo Azevedo

 

Eike e o mapa astral. Ou: Faltou este homem na OGX. Ou: E o mapa astral do BNDES, como vai?

Herculano Quintanilha: ele poderia ter resolvido tudo para Eike Batista

O The Wall Street Journal traz uma entrevista de Eike Batista na edição desta segunda. Ele culpa os executivos da área de petróleo que ele próprio contratou por sua derrocada, que tem na OGX o seu epicentro. Certo. Também diz que lhe faltou sorte. Pois é…

Por fragmentos de conversa aqui e acolá e dado o estilo de vida que fazia questão de propagandear, eu sempre me perguntei se não tinha ido longe demais. Uma frase na entrevista ao Journal responde, acho, ao enigma. “Se você olhar para o meu mapa astral, esse período não foi favorável para mim”.

Entendi. E os respectivos mapas astrais daqueles que perderam muito dinheiro investindo em suas empresas? Pelo visto, não contavam nada… Segundo ele diz ao jornal, esse inferno, determinado pelo alinhamento dos astros, já passou. E já teve início a reversão do seu destino.

Eike contratou um time de bambas da Petrobras para cuidar de sua empresa de petróleo. Agora diz ter sido enganado. Convém, doravante, chamar Herculano Quintanilha.

Eu, hein… O sujeito está precisando contar com a boa vontade credores e atrair investidores e sai com uma dessas? Pergunta que não quer calar: estima-se em torno de R$ 5 bilhões os papagaios do BNDES com o império que se desmancha de Eike. No caso do banco oficial, é preciso consultar o mapa astral de quem? De Lula? De Dilma? De Luciano Coutinho? Do PT?

Por Reinaldo Azevedo

 

A marcha dos furiosos. Ou: O JEG, feito o PCC, dá um “salve”

Tirei o sábado para descansar um tantinho, tomar um pouco de sol, dar uma chance à Vitamina D, curtir a família e os amigos. Só ao fim da jornada liguei um pouco a TV e havia lá um senhor de que eu nunca ouvira falar tocando guitarra, o que me pareceu ok, embora não entenda zicas do assunto. Depois pergunto para o Lobão se, na espécie — como diria Marco Aurélio —, presta ou não. Desliguei quando decidiram informar, numa mensagem estampada na tela, que o cara gosta de comer bananas e tem “fetiche por mulheres só com meias”. Na hora, eu fiquei imaginando o coroa hesitante entre descascar uma banana e, bem…, curtir o seu fetiche. Definitivamente, pensei, eu poderia fazer algo menos miserável. E então decidi ler o que andava por aí, na área de meu principal interesse: a política. E aí, sim, conheci o que é miséria moral e existencial. Os furiosos estão inquietos. Os furiosos estão babando. A tabela do capilé pago pelas estatais e pelo governo federal deve ter tido um reajuste. Essa gente não se indigna de graça; tampouco exacerba o seu ódio sem uma negociação prévia.

O JEG (Jornalismo da Esgotosfera Governista) resolveu, à moda PCC, dar um “salve” para caçar — e, se possível, cassar — o que esses vigaristas chamam de “mídia”. Acusam-na de estar tentando direcionar o voto de Celso de Mello, o decano do Supremo, que vai decidir se a Justiça no Brasil se mantém em posição vertical ou cai de joelhos diante da impunidade e do crime. E não custa notar à margem: há uma diferença relevante entre essa gente e Marcola. O chefão da organização criminosa ao menos já leu Nietzsche, não é?, e seus subordinados, como diria Padre Vieira, “roubam debaixo de seu risco”. Estes outros, do JEG, sem temor nem perigo, traficam adjetivos e encômios para marginais condenados. Recebem dinheiro que poderia criar escolas, construir creches e abrir estradas para defender larápios, embusteiros e pervertidos. Marcola está no lugar certo. Essa escória é que está no lugar errado.

O que pretendem com esse escarcéu? É simples! Se Celso de Mello disser “sim” aos infringentes — enterrando a Justiça —, essa súcia financiada exaltará a sua coragem. Os mesmos que o massacraram quando ele denunciou os “marginais do poder”, quando ele apontou que o mensalão foi uma tentativa de golpe, verão nele qualidades verdadeiramente sublimes e superiormente interessantes; um jurista como nunca houve na história destepaiz… Se, no entanto, ele resolver salvar a Justiça do opróbrio e da desmoralização, dizendo “não” aos infringentes, então o ministro se transformará na Geni. Será acusado de ter cedido à, como é mesmo?, “pressão da mídia”, da “imprensa golpista”.

Ora, não custa lembrar que Joaquim Barbosa já foi um herói dessa canalha. Ao tempo em que o ministro andou se confrontando, pelas mais diversas razões, com outros membros da corte que esses vigaristas têm por inimigos, era saudado como a expressão de um novo tempo da Justiça. Bastou, no entanto, que o ministro passasse a tratar os marginais do mensalão por aquilo que são, então ele virou o negro que ascendeu ao posto não porque tivesse qualidades, mas porque Lula teria sido generoso com ele.

“E você?”
Aí o petralha carente, que teve ontem crise de abstinência porque não escrevi post nenhum, baba no teclado e aperta o “enter”: “E você? Não vai fazer a mesma coisa, só que defendendo o contrário?” A resposta, obviamente, é “não”. Não se trata de ser mais ou menos legalista; não se trata de ser mais ou menos apegado ao que está escrito; não se trata de ser mais ou menos rigoroso. Tanto o “sim” como o “não” podem se dizer abrigados pelos códigos escritos. Por isso mesmo, a resposta de Celso de Mello perde a importância propriamente jurídica para ganhar um sentido que é de natureza — e a palavra é mesmo esta — moral.

Tanto uma saída como outra podem apascentar a consciência do operador do direito Celso de Mello — embora tecnicamente não sejam opções equivalentes, já digo por quê —, mas será o homem Celso de Mello a fazer uma escolha. Uma delas, insisto, mantém viva a esperança de que se possa, afinal de contas, fazer Justiça. A outra permitirá que o Supremo seja tragado pela voragem de desconfiança nas instituições que tem caracterizado o país nos últimos anos. Um juiz só pode decidir segundo a lei. Mas, ao fazê-lo, decide também segundo a sua consciência. Mello, já escrevi aqui, não passará a ser um mau homem se fizer a pior escolha. Mas é inequívoco que a má escolha de um bom homem tornará pior o Brasil e os brasileiros.

E acreditem: os desdobramentos serão especialmente perversos, caso aconteça o pior, por ser Celso de Mello quem é. De uns quatro ou cinco que hoje integram a corte, não se pode esperar muita coisa, a não ser o pior. Assim, fosse um deles a dar o voto decisivo, a reação poderia se limitar a um fatalismo frio. Mas não! O país aprendeu a confiar, por bons motivos, no decano do Supremo.

Note-se que, embora uma escolha ou outra possam reivindicar o estatuto de conforme a lei, não são equivalentes. Inexistem, à diferença do que afirmou o ministro Roberto Barroso, precedentes. O Supremo jamais estabeleceu juízo de mérito a respeito. Mas passou por circunstâncias idênticas, de uma lei, na prática, tornar sem efeito dispositivos de seu regimento. Ainda que o ministro tenha feito considerações laterais a respeito da vigência do Artigo 333 do Regimento, elas não condicionam necessariamente seu voto. Ademais, o que quer que tenha dito não respondeu, por exemplo, a uma questão essencial proposta pela ministra Carmen Lúcia: imaginem um processo qualquer em que parte dos réus seria processada pelo STF e parte pelo STJ, duas cortes superiores. Faz sentido que os primeiros tenham direito a embargos infringentes e os outros não? O sistema não é um só? Não faltam, como aqui se demonstra desde agosto do ano passado, razões técnicas para recusar o expediente. Mas a decisão será de outra natureza — e nem a qualifico de política: a escolha será mesmo moral.

“Ah, então Celso de Mello estará sendo imoral se disser ‘sim’ aos embargos infringentes, Reinaldo?” Não! Mas estará abrindo as portas para que outros o sejam. E é preciso que se diga isso com todas vogais e as consoantes. De certo modo, repete-se aquela mesma situação em que o Supremo decidiu entre declarar a cassação automática de um parlamentar condenado ou remeter a decisão para o plenário das respectivas Casas. Uma opção encontrava amparo na lei; a outra também (embora ninguém tenha conseguido explicar se pode ser parlamentar com direitos políticos cassados). Uma opção deixava clara a incompatibilidade entre a condenação criminal e a representação política; a outra abria a chance de haver um parlamentar presidiário. Uma opção que contempla essa possibilidade, convenham, opção não é. E, no entanto, se fez a coisa estúpida. Se as duas saídas se amparavam na letra escrita, só uma delas trazia em si o escândalo.

Não creio que Celso de Mello se deixe influenciar pelo JEG. Ainda que tome a pior decisão, ele o fará por sua conta. Essa gente promove a gritaria porque é de seu ofício; porque tem de fazer as vontades de quem alimenta o caixa. Esses patriotas cobram muito caro para elogiar. E ainda mais caro para desqualificar os adversários de seus patrocinadores. Não por acaso, os mais entusiasmados eram notáveis críticos do petismo até anteontem. “Mas esses caras não têm vergonha?” A resposta vem numa palavra: NÃO.

Por Reinaldo Azevedo

 

“Ah, queria só ver se fosse com a sua mãe…”

Quase deixo de comentar um momento, vamos dizer, infantiloide do ministro Roberto Barroso no julgamento desta quinta. Ao evidenciar como ele se preocupa com as pessoas, lembrou na altercação com Marco Aurélio que as pessoas que cobram severidade da Justiça logo mudam de ideia se um parente seu é réu.

Ulalá! Quando eu era professor de redação e temas polêmicos suscitavam debates, não raro um aluno indagava: “Reinaldo, você é a favor ou contra a pena de morte?”. E eu: “Contra!”. Quase fatalmente vinha a suposta contradita: “Ah, mas se um parente seu fosse vítima…”.

Aí vinha o longo percurso para explicar a diferença entre justiça e vingança; entre um julgamento feito segundo as regras do estado de direito e o linchamento; entre a pena de morte e a legítima defesa… Mas notem: eu lidava com adolescentes.

Barroso deve ter lido “Como Vencer um Debate Sem Precisar Ter Razão”, de Schopenhauer, e deve ter adotado os 38 estratagemas como táticas virtuosas. A resposta de Marco Aurélio foi excelente:
“Não me impressiona o transporte da situação enfrentada para o campo familiar, mesmo porque, se parente até o terceiro grau (fosse), eu não poderia julgar. (…)”

Assim caminhamos… Ainda haverá a hora em que alguém da suprema corte brasileira vai dizer: “Ah, queria só ver se fosse com a sua mãe…”.

Para registro: Marco Aurélio é primo distante de Collor — de quarto grau, acho. Mesmo assim, já ministro do Supremo, declarou-se impedido de participar do julgamento do ex-presidente, em 1994.

Por Reinaldo Azevedo

 

“Foi por coragem ou por covardia?”

Acho saudável o interesse que as sessões do STF passaram a despertar. Dessas emissoras institucionais, talvez a TV Justiça (não tenho números) seja a de maior audiência. Parte importante da população quer saber o que andam a fazer os ministros, o que pensam, como votam, como se comportam.

Se o pior acontecer, também esse interesse vai diminuir, junto com a desconfiança — em muitos casos, a certeza — de que nada ali é muito sério. Para começo de conversa, vai se saber que, a depender da matéria de que se trata, os ministros participam de uma narrativa que não tem fim. Então se interessar pela Justiça por quê?

Há nada menos de 400 ações de competência originária no Supremo. Com os infringentes e tudo o que eles implicam, o tribunal ficará eternamente andando em círculos.

Mesmo aqueles que, como os jornalistas, são obrigados a lidar profissionalmente com o assunto serão tomados de, deixem-me escolher a palavra…, tédio. É possível que muitos estejam até buscando esse efeito. Quanto menos gente interessada no que faz o Poder Judiciário, melhor para eles.

De resto, se temos um tribunal incapaz de punir os Alexandres (ver post anterior), restará sempre a pergunta quando e se o tribunal der a sentença definitiva a algum pirata: “Foi por coragem ou por covardia que o fez?”.

E a resposta será mais do que óbvia.

Por Reinaldo Azevedo

 

Celso de Mello antecipou voto? Eu acho que não. Ou: Com a lei na mão, há tanto o bom como o mau caminho

Também eu acompanhei, como toda gente, a breve entrevista concedida nesta quinta à noite pelo ministro Celso de Mello, decano do STF. Em suas mãos, está a decisão sobre o futuro da Justiça e do STF. Sua fala está sendo tomada como uma antecipação de voto, uma vez que dá ênfase ao direito dos condenados e coisa e tal. Vamos ver. Ele me parece experiente e sóbrio o bastante para não ser óbvio. Tomei suas palavras como coisa de bom senso.

No seu lugar, tivesse eu meu voto redigido ou não, diria que sim, justamente para evitar as correntes de pressão, tanto daqueles que, como eu, defendem que ele rejeite os embargos infringentes como daqueles, bem mais poderosos, que acham que ele só tem uma coisa a fazer: aceitá-los. No programa desta quinta da VEJA.com, refiz o prognóstico pessimista que publiquei aqui anteontem, no começo da sessão: 6 a 5 a favor dos infringentes. Agora, faço um otimista: 6 a 5 contra o recurso — e, pois, em favor da Justiça.

Tomara que se cumpra! Se Celso de Mello tomar desta vez uma decisão estupidamente errada, nenhuma de suas qualidades está anulada. Não passará a ser um mau juiz; não vou retirar os elogios que já lhe fiz — e também já houve críticas duras (as duas coisas estão em arquivo). É que costumo elogiar quando concordo e criticar quando discordo. Não parece ser prática assim tão exótica, não é mesmo?

Reafirmo um ponto de vista: as duas posições podem ser ancoradas em textos legais — e, por isso, existem os juízes. Só que a vitória de uma delas concorre para desmoralizar a Justiça e, na prática, demole o julgamento. Acho que minha, vá lá, queda para o otimismo decorre do fato de que não posso compreender que alguém como Celso de Mello, dispondo das leis nas mãos e podendo escolher entre a desmoralização do Supremo e o seu fortalecimento, opte pelo primeiro caminho.

Até porque esta será a primeira vez, a despeito do que possam dizer Lewandowski e Barroso, que ele vai se pronunciar sobre o mérito da questão.

Por Reinaldo Azevedo

 

Afinal, a justiça criminal existe com que finalidade?

No debate da VEJA.com (ver abaixo), afirmo:
“Neste caso (do mensalão), e em todos os casos, num julgamento criminal, a finalidade é desagravar a parte agravada e punir quem cometeu crime. É por isso que existe um julgamento. Se um julgamento não existir para punir quem cometeu crime e desagravar o agravado, então não serve para nada; é mero exercício retórico, é mera conversa mole; é mera ilustração de teses jurídicas. Este ministro que fala aí, Celso de Mello (refiro-me a um vídeo) é o ministro dos meios; é o ministro que borda, com palavras precisas, de uma verdade inquestionável, o que foi o mensalão. O ministro que vai decidir é o ministro dos fins, é o ministro da ação. Vai se fazer justiça ou não se vai fazer justiça? Essa é a questão que interessa”.

Um grande e querido amigo, advogado criminalista lá do topo da competência e da reputação, me envia um e-mail e me dá uma esculhambada sensacional (atribuo as qualidades que eu eventualmente tenha ao fato de que meus amigos são severos; sigo Santo Agostinho: prefiro os que me criticam porque me corrigem aos que me adulam porque me corrompem). Escreve ele:

“O objetivo último da justiça criminal não é desagravar a parte ofendida e punir quem cometeu delito. O processo penal é instrumento que confere efetividade às garantias constitucionais, para impedir que o Estado exerça seu poder punitivo sem limites. O processo penal, portanto, é a proteção do indivíduo acusado contra o poder punitivo estatal.”

Comento
Todas as leis num estado democrático e de direito impõem limites ao estado, não? A Constituição não é outra coisa. No caso da ação criminal, é claro que esse aspecto está, e tem de estar, presente. Mas não se pode entender que a máquina da Justiça existe com a finalidade precípua de proteger os transgressores da sanha punitiva do estado. É evidente que esse aspecto é de suma relevância, como herança deixada da luta contra o estado autoritário, que se impunha pela força.

O Código Penal não estabelece, depois de cada crime, uma compensação mínima ou uma compensação máxima às vítimas, por exemplo, mas uma pena mínima e uma pena máxima aos criminosos. Também o juiz não decide as compensações, mas as penas. Eu entendo o papel fundamental do direito de defesa na história da democracia. Sei que é fundamental garantir esses direitos, mas me parece que, sem que se dê o devido peso à punição — que é a reparação possível à vítima, não há outra — o direito penal, então, se transforma apenas num sistema de contenção da força punitiva do estado. Ora, há outras instâncias para esse fim específico.

O direito penal carrega uma herança da qual, nas democracias, precisa se livrar, sem o quê, e já se verifica isso, corre o risco de ser omisso com as vítimas e protetor de malfeitores. Durante muito tempo — e assim é nas tiranias, ditaduras e protoditaduras até hoje —, a acusação criminal serviu (e serve) de fachada para a perseguição política. Então se criaram as defesas — entendo os motivos, mas não posso justificar as distorções decorrentes — contra o estado punitivo.

Numa democracia de direito, em que o estado não se impõe pela força — a não ser aquela pactuada e aceita como precondição da vida em sociedade —, o excesso de garantias aos que cometem crimes se dá, necessariamente, em razão de um déficit de direitos das partes ofendidas.

Nem tão por acaso, o atraso político dos países é diretamente proporcional à impunidade. Aquilo que serviria como garantia do indivíduo contra a sanha punitiva do estado acaba se transformando em instrumento de proteção de malfeitores que se imiscuem na máquina do estado. Com o tempo, de garantia recursal em garantia recursal, por exemplo, sob o pretexto de proteger esses direitos, o que se tem é, na prática, a impunidade dos poderosos, que acabam, por assim dizer, privatizando as garantias contra os interesses da sociedade. O debate não se esgota aqui. Voltarei ao caso.

Por Reinaldo Azevedo

 

Espero que as virtudes de Celso de Mello não sejam postas a serviço dos viciosos. Ou: Um pouco de Padre Vieira para o ministro Barroso

A sessão desta quinta do Supremo, muito especialmente por conta do voto do ministro Gilmar Mendes, teve um grande mérito, independentemente do resultado do julgamento: agora tudo está às claras.

Não se cuida, infelizmente, de saber se há uma grande divergência teórica a opor os que aceitam e os que não aceitam embargos infringentes como matéria de princípio. Infelizmente, não é mesmo o caso. Creio que Celso de Mello votará com convicções sinceras, ainda que eu venha a detestar seu voto. Se acontecer, ele será apenas o virtuoso que confere alguma dimensão moral a vocações viciosas.

Ora, o que está em debate — e Mendes desnudou nesta quinta? O que se quer é uma chance de rever a punição a José Dirceu por formação de quadrilha. O novo julgamento dará a chance de fazê-lo. Não custa lembrar que, na divergência aberta por Teori Zavascki nos embargos de declaração, Lewandowski e Dias Toffoli avançaram na questão — este último chegando até mesmo a apresentar uma nova dosimetria — justo ele, que havia absolvido Dirceu de qualquer crime. Lewandowski, que atua abertamente para reduzir a pena do chefão petista e livrá-lo do regime fechado, acusou os que divergem dele de atuar de modo deliberado para trancafiar Dirceu. Vale dizer: atribui aos outros um comportamento que é o seu, mas espelhado.

Mendes foi ao ponto: Natan Donadon é acusado de ter desviado R$ 8 milhões. Nenhum dos patriotas achou a pena-base que lhe foi aplicada por quadrilha, de dois anos e três meses, de excessiva. O mensalão movimentou, NA PARTE ÍNFIMA INVESTIGADA, R$ 170 milhões e foi chefiado por José Dirceu. Sua pena-base foi de dois anos e seis meses. Foi excessiva? Alguém ousaria comparar a gravidade do que fez Donadon com a gravidade do que fez Dirceu? Ou desviar dinheiro para o partido reveste o ato de nobreza? Quando Barroso elogiou o condenado José Genoino, disse que ele não enriqueceu com a política. Que coisa linda, ministro Barroso!!! Quase vou às lágrimas. Stálin, Mao Tsé-tung, Pol Pot e Hitler também não! Não estou comparando. Só estou deixando claro que roubar para si não é pior do que esfolar uma nação.

A questão, a propósito, me lembra um trecho do Sermão do Bom Ladrão, de Padre Vieira, quando ele cita uma conversa de Alexandre Magno com um pirata mequetrefe. Reproduzo (em azul):

Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo mar Eritreu a conquistar a Índia; e como fosse trazido à sua presença um pirata, que por ali andava roubando os pescadores repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício: porém ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim: Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador? Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. Mas Sêneca, que sabia bem distinguir as qualidades e interpretar as significações, a uns e outros definiu com o mesmo nome: Eodem loco ponem latronem, et piratam quo regem animum latronis et piratae habentem. Se o rei de Macedônia, ou de qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata; o ladrão, o pirata e o rei; todos têm o mesmo lugar e merecem o mesmo nome.

Encerro
Os que estão empenhados em rever o julgamento e as penas estão querendo, aí sim, mais severidade com os piratas, mas não se atrevem a punir os Alexandres.

Espero que as virtudes de Celso de Mello não sejam postas a serviço do vício. Espero que faça uma escolha que deixe claro que o Brasil não condescende nem com piratas nem com Alexandres; nem com quem rouba num barco nem com quem rouba numa armada. Nem com quem rouba para si nem com quem rouba para um partido, a serviço de um projeto de poder.

Leia o Sermão do Bom Ladrão, ministro Barroso. Padre Vieira é tudo de bom!

Por Reinaldo Azevedo

 

Ainda não temos um povo à altura do ministro Barroso. Ou: A impressionante coleção de vexames do “novato”

Luís Roberto Barroso: O Brasil ainda será merecedor de tal dádiva?

Nesta quinta, Barroso desempenhou um papel um tanto melancólico no Supremo. Já tem uma boa coleção de vexames para vida tão curta na Casa (ainda chego lá). Nesta quinta, ele se excedeu. Acusou os que não votam como ele de aderir ao casuísmo e sugeriu que estão preocupados com as multidões, não em fazer justiça. E o fez num ambiente em que, de modo oblíquo, demonizou também a imprensa. Eu ouvia ali o eco das hostes petistas. Se Delúbio Soares fosse jurista, seria como Barroso. Se Barroso fosse sindicalista, seria como Delúbio Soares. Recebeu uma dura e necessária resposta de Marco Aurélio. Mas quero fazer algumas considerações antes de dar sequência a essa questão. Nota à margem: já escrevi sobre esse truque de criticar a imprensa para se blindar. “Se eu falar mal deles, tentam provar que estou errado e me ignoram.” Pois é. Em muitos casos, funciona. Faço diferente. Quando um homem público fala mal da imprensa, tento provar que ele está certo na espécie, demonstrando por que ele não gosta muito de jornalistas…

Quando Barroso foi indicado ministro, resolvi ler um livro seu. Escolhi “O Novo Direito Constitucional Brasileiro”. Sempre que alguém se jacta de ser porta-voz do “novo”, eu — que, como toda gente, estou no mundo velho (ou alguém já vive o futuro?) — me interesso em saber onde está a novidade. Com alguma frequência, verifico que o que se diz novo não é bom e que o que se pensa bom, na verdade, não é novo. Mas eu estou sempre pronto para o surgimento de vanguardistas como Barroso. Li seu livro e escrevi vários posts a respeito antes mesmo de ele assumir. Os leitores que acompanharam sabem por que não gostei. Os motivos estão lá expostos. Alguns leitores disseram que eu estava sendo precipitado. Como haveria tempo de ele demonstrar que eu poderia estar errado, publiquei o que me desagradava. Até agora, fui apenas premonitório… Pareceu-me, como síntese brevíssima de uma penca de restrições, que Barroso é capaz de exaltar as glórias da tradição quando isso é do seu interesse e de esconjurá-la como expressão do atraso e do reacionarismo quando isso também é do seu interesse. Pareceu-me que ele pode oscilar de um literalismo aborrecido e estreito à interpretação mais lassa dos textos legais. E o que determina o apelo a um extremo ou a outro? Eis a questão.

Confesso que fico sempre com um pé atrás quando um juiz ou um professor de direito ataca o “legalismo”. Nada me tira da cabeça de que se trata de um rompante fora do lugar, porque, parece-me, a determinação de forçar os limites legalmente estabelecidos cabe aos agentes sociais. Um juiz não pode ser militante de uma causa que não seja a da lei. Não raro, os críticos severos do legalismo acenam com um mundo bem mais perigoso, que é o do arbítrio e o da idiossincrasia.

De volta ao caso
Depois de um voto sereno e técnico da ministra Cármen Lúcia; de um não menos técnico, mas muito contundente de Gilmar Mendes, Barroso resolveu pedir um aparte a Marco Aurélio, que também demolia a tese da sobrevivência dos embargos infringentes. E deu início a uma catilinária que, lamento dizer, era nada mais nada menos do que a voz das hostes petistas levadas ao tribunal, até nas críticas indiretas que dirigiu à imprensa. A exemplo dos “companheiros”, parece que o ministro não tem em grande conta o jornalismo — ainda que revele, no tal livro, já ter apelado a favores de conhecidos seus na área (mas deixo isso pra lá agora). Como toda catilinária, esta também era contra alguém — o seu “Catilina” eram todos aqueles que não votaram como ele. Mas Barroso não tem a modéstia de Cícero — por que teria, não é? Assim, aproveitou o ensejo — e isso não é nada raro em suas intervenções, também as por escrito — para se elogiar.

Ao demonstrar como é consciencioso, sério, corajoso e honesto, sem que tivesse sido acusado por Marco Aurélio de coisa nenhuma, disparou:
“Como quase tudo que faço na vida, faço o que considero certo. Sou um juiz que me considero pautado pelo que é certo, correto. O que vai sair no jornal do dia seguinte não faz diferença para mim (…). Fico muito feliz quando uma decisão do tribunal constitucional coincide com a opinião pública. Mas, se o resultado não for (coincidente), aceito a responsabilidade do meu cargo. Não julgamos para a multidão, julgamos pessoas.”

Ulalá! Na quarta-feira, ao ler o seu voto, não teve dúvida em classificar de “casuísmo” — nada menos! — a rejeição dos embargos infringentes, acusação repetida nesta quinta, com outras palavras. Com mais um pouco de entusiasmo, o ministro lastimaria mais as multidões e o povo do que o Félix da novela quando entra em boteco de pobre. Perdeu a medida. É evidente que, por contraste, acusava, então, aqueles que dele divergiam de estar preocupados apenas “com o que vai sair no jornal no dia seguinte”. Ao fazer tal observação, alinha-se com os brucutus que saem por aí tentando invadir órgãos de imprensa, acusando-os de ser parciais. É o mesmo espírito. Agride também, é evidente, a independência de seus colegas. Ocorre, meus caros, que esse texto de Barroso tem copyright; esse texto é de José Dirceu, é de Rui Falcão, é de Lula; é de Delúbio Soares. Ora… Quem dizia ser surdo à voz da multidão? Barroso? Justo ele? Direi daqui a pouco a razão do meu espanto meramente retórico.

EU, COMO POUCOS, JÁ REPUDIEI JUÍZES QUE OUVEM MULTIDÕES. MAS EU EXECRO AINDA MAIS OS QUE OUVEM OLIGARQUIAS. EU SÓ RESPEITO JUÍZES QUE OUVEM AS LEIS.

Marco Aurélio mandou brasa:
“Vejo que o novato parte para a crítica ao próprio colegiado, como partiu em votos anteriores, no que chegou a apontar que, se estivesse a julgar, não decidiria da forma mediante a qual decidimos. Estimado amigo Luís Barroso, nós precisamos nos completar. (…) Não respondi a Vossa Excelência sobre a crítica que, para mim, não foi velada, foi uma crítica direta, porque achei que não era bom para a instituição a autofagia. (…) Vossa Excelência [referindo-se a Barroso] elogiou um dos acusados”.

Marco Aurélio se referia a um dos momentos mais constrangedores da história do Supremo, quando o novo ministro, ao simplesmente recusar um embargo de declaração da defesa de José Genoino, cantou as glórias de alguém condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha; que foi um dos principais protagonistas de um dos capítulos mais vergonhosos da história do país. Ele que elogie quem quiser. Que crie uma página na Internet para fazer seus panegíricos e confessar seus gostos (Taiguara, por exemplo). Que reúna os amigos num bar — longe da multidão, claro! — para expressar os seus afetos. Fazer, no entanto, o elogio a um condenado por crimes tão graves, por mais meritório que tivesse sido o passado deste (com o que não concordo, deixo claro!), é um acinte, um disparate, uma vergonha. CERTAMENTE O MINISTRO BARROSO NÃO ESTAVA FALANDO PARA SER OUVIDO PELAS MULTIDÕES. A QUEM FALAVA BARROSO QUANDO EXALTOU AS VIRTUDES DO CHEFÃO PETISTA?

Coragem?
Em tribunal em que estão Gilmar Mendes e Marco Aurélio, bater a mão no peito, quando se é Barroso, para dizer que não teme a multidão é prepotência imprudente, como todas. Alguém já viu um desses dois com medo do que vão dizer os jornais, as ruas ou as gangues organizadas na Internet? Ambos já passaram muitas vezes pelo corredor polonês da desqualificação por votar de acordo com o que consideram correto. A independência do “novato” ainda está por ser testada. No Brasil, quando se ocupam determinadas posições de poder, ser “independente” da “multidão” é até fácil; duro mesmo é ser independente dos oligarcas.

Vexames
Barroso fala sempre num tom bastante professoral e parece que bebe diretamente da fonte da sapiência. Mas lhe foi dado ter uma grande ideia no Supremo, e ele, na prática, criou a figura do parlamentar-presidiário sob o pretexto de preservar a competência das Casas Legislativas para cassar seus respectivos membros. Cometido o erro, resolveu corrigi-lo com uma liminar que merece a qualificação de patética: não apenas interferiu, então, num Poder que ele dizia imune ao juízo da Corte nesse particular, como tentou firmar a máxima de que só estariam cassados os mandatos daqueles cuja pena excedessem o que lhes sobrasse de tempo como representantes do povo — criação batizada pelo ministro Gilmar Mendes de “mandato-salame”. Sobra-lhe de imprudência retórica o que lhe falta de prudência técnica.

De volta ao povo
Estou aqui com o seu livro, todo anotado, aberto na página 131. Aquele seu ataque de Félix em boteco de pobre não se ancora no que escreve (ou, então, se ancora, mas de um modo muito particular). O homem que não é reverente a multidões, sugerindo que esse é um mal que atinge seus pares avessos aos infringentes escreve isto:

“O pós-positivismo [e ele ser quer um pós-positivista, tá, leitor?] é uma superação do legalismo não com recurso a ideias metafísicas ou abstratas, mas pelo reconhecimento de valores compartilhados por toda a comunidade. Esses valores integram o sistema jurídico, mesmo que não positivados em um texto normativo específico. (…) Além dos princípios tradicionais como Estado de Direito democrático, igualdade e liberdade, a quadra atual vive a consolidação do princípio da razoabilidade e o desenvolvimento do princípio da dignidade da pessoa humana”.

Parece que o professor Barroso acha que a “comunidade” tem algo a ensinar ao direito e aos juízes, não e mesmo? Parece que, também no voto sobre os embargos infringentes, ele deveria ter atentado para a questão da razoabilidade…

Ocorre, e já vou começando a concluir, que Barroso tem uma visão muito particular de “multidão” ou, quem sabe?, de opinião pública. O patrocinador das causas do aborto de anencéfalos, da união civil de homossexuais e da permanência no Brasil do terrorista Cesare Battisti (sempre contra o que vai em textos legais, é bom que se diga) parece disposto a acatar não “os valores compartilhados por toda a comunidade”, como escreve, mas aqueles compartilhados por grupos de pressão, que se pretendem a vanguarda do progressismo. A “multidão”, ele despreza como expressão do senso comum e do vulgo (o boteco em que Felix não bebe nem água). Já esses grupos de pressão seriam, sei lá, como forças a educar esse povo xucro que ousa falar em Justiça.

Em suma: ainda falta um povo à altura do ministro Barroso. 

Por Reinaldo Azevedo

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Blog Reinaldo Azevedo (VEJA)

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