Visita de Harry à Cracolândia prova que programa de Haddad é mesmo “coisa para inglês ver”...

Publicado em 23/06/2014 16:18 e atualizado em 16/07/2014 12:48
por Reinaldo Azevedo, de veja.com.br (+ Lauro Jardim)

Visita de Harry à Cracolândia prova que programa de Haddad é mesmo “coisa para inglês ver”. Ou: A patrulha da “Quadrilha da Fumaça”. Ou ainda: não é ódio; é vergonha!

Príncipe Harry se atrapalha ao tentar entrar no carro, depois de uma noite de folguedos

Príncipe Harry se atrapalha ao tentar entrar no carro, depois de uma noite de folguedos

Que gente chata!

A “Esquadrilha da Fumaça” — ou melhor, a “Quadrilha da Fumaça” — resolveu encher o meu saco por causa do post em que trato da visita do príncipe Harry à Cracolândia. Alguns cretinos, que têm os dedos mais rápidos do que o pensamento, me acusam de insinuar que ele já consumiu drogas. Eu não insinuei nada, não. Eu afirmei mesmo.

Posso até ser insinuante, mas num outro sentido, hehe. E só para público restrito. Que é que há? Não se pode mais fazer ironia? Daqui a pouco, os consumidores de drogas vão querer que a lei os proteja também de ironias e metáforas; daqui a pouco, o Artigo 1º da Lei 7.716 vai ficar assim:
“Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, orientação sexual, consumo de drogas, aparência, time de futebol e contra viúvas que tomam Chicabon ainda no cemitério”

Esse trecho em vermelho não está na lei, mas é questão de tempo. O que vai em destaque é uma homenagem à viúva sem sofrimentos imaginada por Nelson Rodrigues. Vão se danar! Não tarda o dia em que será possível fazer piada apenas com Schopenhauer, Heiddeger e física quântica. Só faremos graça para PhDs. E, ainda assim, para aqueles que tiverem conseguido se safar da estupidez politicamente conveniente. O mais asqueroso é que existem alguns grupos de humor que, ainda que de modo oblíquo, estão flertando com a censura… Basta saber interpretar. Desde que seja a censura aos outros. É a porta da frente do fascismo de esquerda.

Sim, eu disse que é preciso tomar cuidado com Harry na Cracolândia porque ele é da turma do “chifre furado”. Referia-me, claro, ao fato, entre outros, de que ele precisou ir para uma clínica de reabilitação aos 17 anos: excesso de consumo de álcool e maconha. Isso, por si, não faz dele um mau sujeito, mas também não me impede de achar divertido quando ele decide visitar uma área livre para o consumo de drogas. Sua família, à época, preferiu interná-lo a soltá-lo numa arena em que tudo era permitido.

Ademais, como disse o vereador Andrea Matarazzo (PSDB), a visita do príncipe à Cracolândia prova que o programa “Braços Abertos”, do prefeito Fernando Haddad (PT), é mesmo “coisa para inglês ver”. A visita, claro!, vai “render mídia”. Haddad, o Supercoxinha, ao lado de um membro da família real inglesa. Podre de chique! À volta, os pobres desgraçados da Cracolândia. Aquele comentador de futebol acha que tenho ódio dessa turma. Não é ódio, não!, é vergonha mesmo! 

Por Reinaldo Azevedo

 

Governo

Sem brincadeira

Apalavrado

Falando sério

Lula não estava – conforme tentou consertar depois –  brincando quando baixou a borduna na política econômica de Dilma Rousseff, há dez dias. A um interlocutor, Lula indagou:

- Se a inflação não tem sido causada por um problema de demanda interna, por que restringir crédito?

Mas para Lula, agora, não dá para mexer em peças da Esplanada. Questionado se ainda não é tempo, Lula retrucou nessa conversa que, na reta final do mandato, quem (de alto gabarito) aceitaria entrar no governo?

Sobrou até para o comportamento de Dilma Rousseff diante das críticas à organização da Copa do Mundo. Lula deu a entender que sua pupila demorou a entrar em campo.

Lula não esconde a preocupação com a rejeição a Dilma e disse que ela deveria ter começado a defender mais energicamente o legado da Copa um ano atrás, como vem fazendo de uns tempos para cá.

Por Lauro Jardim

 

Futebol

Áudio abafado

Dilma: vaias no Itaquerão

Dilma: vaias no Itaquerão

O Palácio do Planalto questionou a Fifa por ter lançado nos telões do Itaquerão a comemoração de Dilma Rousseff no segundo gol da seleção contra a Croácia.

A imagem produziu mais uma saraivada de vaias e xingamentos dos torcedores. Como resposta ouviu que a Fifa, apesar dessa cena, protegeu Dilma ao abafar o som dos impropérios no áudio da transmissão exibida pelas TVs brasileiras.

Por Lauro Jardim

 

Eleições 2014

Tem dono

Te cuida, Dilma

Te cuida, Dilma

Não se sabe com que objetivo, mas em recente conversa Lula garantiu a um interlocutor que a candidatura de Dilma Rousseff não pertence a ela, mas ao partido. O interlocutor questionava-o sobre o “Volta, Lula”.

Por Lauro Jardim

 

Eita! Gilberto Carvalho diz, de novo!, que José Trajano, da ESPN, e seus melancias às avessas da Disneylândia estão errados: não foi a “elite branca de SP” que vaiou Dilma! Ministro, no entanto, ignora os fatos para constranger a imprensa

gilberto carvalho mãos

Nunca tratei aqui Gilberto Carvalho (foto), secretário-geral da Presidência, como o meu homem público predileto, como sabem. Já o critiquei bastante, o que também é notório. Mas há uma coisa sobre ele que eu nunca disse — porque não acho: que seja burro. Não é mesmo! Ao contrário. Eu o conheço faz tempo, desde quando ele era o braço-direito de Celso Daniel, em Santo André — ele me conhece também —, e sei que é muito inteligente, ainda que sua inteligência seja posta a favor de teses que abomino. Daí que esteja tentando consertar a burrada que alguns companheiros seus — inclusive os da imprensa — andaram fazendo quando afirmaram que os xingamentos e vaias a Dilma, no Itaquerão, são coisa da “elite branca de São Paulo”. Carvalho, que está certo neste particular, concorda, ora vejam, com Reinaldo Azevedo: ele acha que isso é mentira! Parabéns, ministro! Também acho. Mas ele aponta essa mentira por maus motivos, o que vou explicar daqui a pouco.

Em entrevista a Natuza Nery, na Folha desta segunda, Carvalho repete o que dissera na quarta em entrevista aos blogueiros chapas-brancas, que fazem os chamados “blogs sujos”, financiados pelo governo federal e por estatais. Segundo ele, esse negócio de culpar a elite branca é “um erro de diagnóstico”. E, com acerto, afirma: “Quando você não tem um bom diagnóstico, não tem um bom remédio”. É o que escrevi na quinta neste blog e comentei, no mesmo dia, na Jovem Pan. Carvalho chega a citar o show do Rappa, lembrado por mim num post de 15 de junho, a saber: na madrugada do dia 1º, o público que acompanhava o show do grupo em Ribeirão Preto já havia premiado a presidente Dilma com os mesmos xingamentos que se ouviram no Itaquerão. Segue o vídeo para quem ainda não viu.

Trajano desolado
Desolados com essa avaliação do chefão petista devem estar o tal José Trajano, da ESPN, e sua equipe de melancias às avessas da Disneylândia: vermelhos por fora e verdinhos por dentro. O comentador de futebol não só acha que as vaias decorreram da elite branca de São Paulo como afirmou, vejam vocês!, que tanto a manifestação como os protestos de que a própria emissora foi alvo partem dos leitores de Reinaldo, eu mesmo, Demétrio Magnoli, Augusto Nunes e Diogo Mainardi.

Carvalho é mais do que um prosélito vulgar, desses que saem por aí puxando o saco do governo para ganhar seu rico dinheirinho. Ele é um articulador do poder. Se interessa a um governo a fama de amigo dos negros, dos índios, dos chamados “oprimidos”, não interessa a de inimigo dos “brancos”. É preciso ser muito imbecil para cair nessa conversa — que, reitero, começou na imprensa, muito especialmente na ESPN. Parte do PT, inclusive Lula, adotou a tese em seguida.

O Planalto dispõe de pesquisas e sabe que Dilma não ganhou um miserável voto com isso. Aquela história de que o xingamento tinha sido bom para a presidente, que chegou a ser veiculada em alguns jornais, era mentirosa. E Carvalho confessa isso mais uma vez.

“Ah, Reinaldo, então o ministro está, desta vez, com uma boa tese?” É claro que não! Na entrevista à Folha, a exemplo do que disse para os blogs sujos, ele insiste na existência de uma espécie de conspiração da mídia contra o governo e contra o PT, o que é mentira. Esse complô é que seria responsável pelas manifestações contra o governo.

Essa tese do complô está na raiz da iniciativa do partido de criar uma lista negra de jornalistas. De resto, trata-se de uma bobagem autoevidente: afinal, o PT está no seu terceiro mandato e tem boas chances de emplacar o quarto, o que lhe daria 16 anos ininterruptos de poder. Das duas uma: ou esses supostos conspiradores são muito incompetentes, ou o governo sabe vencê-los com facilidade. Num caso ou noutro, então, não deveriam preocupar ninguém.

A verdade é que há milhões de pobres e remediados — brancos, pretos e pardos — descontentes com o governo por sua própria conta. Carvalho sabe disso. Só não o admite porque, entre as suas tarefas, está constranger a imprensa e jogá-la na defensiva para que o partido lucre com o seu esforço — o da imprensa — de provar que ele está errado. E quem não cai na sua conversa e não tenta provar que é inocente do crime que não cometeu vai parar numa lista negra.

Texto publicado originalmente às 4h40

Por Reinaldo Azevedo

 

O último truque da marquetagem: opor o “sucesso da Copa” à antevisão dos “pessimistas”. Ou: Dilma é melhor para estrangeiros do que para brasileiros

É fabuloso. Recebo no blog centenas de comentários por dia — coisa de gente que é paga para molestar os outros na Internet — me cobrando porque eu teria escrito que a Copa do Mundo seria uma catástrofe. É mesmo? Eu? Escrevo neste blog e na Folha de S.Paulo e faço comentários no Jornal da Manhã, na Jovem Pan, onde também tenho um programa diário: “Os Pingos nos Is”, que vai ao ar entre 18h e 19h. Está em recesso justamente por causa dos jogos da Copa. Volta ao ar na próxima sexta. Muito bem! Tudo o que escrevo e falo está em arquivo. Tentem encontrar uma só fala ou um só texto meus antevendo o desastre. Não há. Porque nunca achei. Ao contrário: cheguei a alertar que esse negócio de “Não Vai Ter Copa” era coisa de imbecis. Porque, por certo, haveria Copa, e a força do espetáculo se imporia, ainda que com contratempos — que existem.

Cheguei a esculhambar na Jovem Pan uma reportagem da revista alemã Der Spiegel, que fez uma abordagem que me pareceu absolutamente equivocada sobre a Copa, sugerindo, ainda que sem querer, que esse negócio de estádios muito sofisticados não era compatível com a realidade brasileira. Como meus leitores e meus ouvintes estão cansados de saber, jamais me encantaram os protestos de rua, desde junho do ano passado. Boa parte deles abrigou manifestações francamente criminosas, da extrema esquerda e de grupelhos de radicaloides que estão a precisar é de pais severos que lhes puxem as orelhas e lhes cortem as mesadas.

Estamos, isto sim, é diante de mais uma jogada dos marqueteiros do poder e de seus braços na imprensa. Agora saem por aí a dizer: “Estão vendo? Os pessimistas estavam errados. A Copa é um sucesso!” É claro que o evento, em si, seria bem-sucedido. Era preciso ser muito abestado para dizer que não. O ponto é outro. Ou: os pontos são outros.

As benfeitorias permanentes que viriam junto com a Copa do Mundo chegaram em proporções muito modestas. Além dos estádios e da privatização dos aeroportos, há pouco a comemorar. Aliás, tanto o torneio de futebol como a Olimpíada serviram, isto sim, para tirar o governo de sua tacanhice ideológica e obrigaram Dilma a privatizar parte do setor aeroportuário, o que ela e o PT se negavam a fazer. Nesse sentido, aquilo que os petistas não fizeram para servir aos brasileiros, viram-se obrigados a fazer para atender aos estrangeiros.

ATENÇÃO! EU ACHO QUE DILMA É UMA PRESIDENTE MELHOR PARA OS ESTRANGEIROS DO QUE PARA OS BRASILEIROS, ENTENDEM? O PT, felizmente, se envergonha diante dos turistas e, infelizmente, não se envergonha diante do povo. Até outro dia, tínhamos de ouvir a cascata imoral de que havia muita gente reclamando da situação dos aeroportos porque estava incomodada com a presença de pobres.

Não havia como a Copa, em si, ser um fiasco. O que é decepcionante para os poderosos de turno — e bom para o país — agora, sim, é outra coisa: o governo não está conseguindo faturar politicamente com o evento. Afinal, Dilma não consegue discursar num estádio, não é mesmo? Recebe vaias e xingamentos até quando não está presente.

Segundo o planejado, a esta altura, a presidente deveria estar vivendo o momento da apoteose, com a popularidade nas alturas, caminhando para um mero ritual homologatório na eleição de outubro. E isso não vai acontecer. No meio da competição, o PTB, um partido da base, muda-se para o lado do candidato do PSDB, Aécio Neves. O PMDB do Rio, como se viu neste domingo, rachou, para valer, e vai fazer a campanha “Aezão” — isto é, vai apoiar o peemedebista Luiz Fernando Pezão para o governo do Estado e Aécio para a Presidência. Outras seções do partido não endossarão a candidata petista.

Assim, tudo vai bem com a Copa em si e relativamente bem com o seu entorno. Ruim para o governo é outra coisa: a população aprendeu a distinguir o evento em si da questão política. Quando essas duas coisas se misturam, ainda é contra os interesses do Planalto. Dilma deveria estar no auge de sua força. E, por enquanto, ela está perdendo apoio, não ganhando. Com ou sem o sucesso da competição.

Por Reinaldo Azevedo

 

O decreto bolivariano de Dilma e a farsa dos conselhos “populares”

Por Daniel Jelin, na VEJA.com:
Um dos argumentos de quem defende o decreto bolivariano de Dilma Rousseff – o de número 8.243, que estimula todos os órgãos da administração federal a abrigar conselhos de “representantes da sociedade civil” – é que o Brasil já conta com milhares de entidades desse tipo, em todas as camadas de governo. É verdade. Mas a experiência acumulada nesses fóruns não é nada animadora: eles têm muito pouco de “democrático” e um conceito bem particular do que seja “sociedade civil”.

O decreto foi assinado por Dilma há um mês. A pretensão de que uma “política nacional de participação social” pudesse ser implementada pelo Executivo numa canetada causou forte reação no Congresso. Oposição e base aliada ameaçaram barrar o decreto, mas o governo promete resistir. Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência e czar dos movimentos sociais no Planalto, alega questões de princípio (o desejo de “fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas”), mas, num ano eleitoral, é evidente o propósito de cooptar ou recooptar sindicatos, ONGs e outras organizações sociais para o projeto petista.

Febre dos conselhos
A multiplicação dos conselhos é um fenômeno induzido pela Constituição de 1988, numa aparente tentativa de reparar o déficit democrático de um país recém saído da ditadura. De 1930 a 1989, segundo o Ipea, foram criados apenas cinco conselhos federais no Brasil. Nos 20 anos seguintes, surgiram mais 26. Atualmente, são 40 – incluindo as comissões. Por exigência legal ou simplesmente inspirados nos colegiados federais, Estados e municípios também foram tomados por essa “febre conselhista”. Segundo o IBGE, 5553 cidades têm conselhos de saúde, 3784 do meio ambiente e 976 da mulher (dados de 2013); 1231 de política urbana, 5527 de assistência social, 1507 de segurança alimentar, 357 do transporte, 1798 da cultura e 642 da segurança pública (dados de 2012); 4718 da educação, 3240 da habitação e 195 do saneamento (dados de 2011).

O formato mais comum de conselho não chega a ser uma jabuticaba, mas é bastante peculiar. O governo dá forma ao conselho, define suas funções e indica aproximadamente metade dos conselheiros. A escolha dos demais representantes é prerrogativa de ONGs, sindicatos e associações variadas, muitas delas direta ou indiretamente cacifadas pelo governo. É discutível quem representa o que nesses órgãos, mas é fato que o cidadão comum não tem palavra: não vota, nem pode ser votado. A participação, portanto, é indireta.

No papel
Os poderes de cada conselho variam bastante, de acordo com a força das entidades que atuam no setor e a disposição do governo em atendê-las. Os menos institucionalizados mal saem do papel. Segundo levantamentos do IBGE, a taxa de conselhos municipais que não tiveram uma única reunião nos 12 meses anteriores à pesquisa é de: 30% para segurança pública, 29% para transportes, 28% para política urbana e para direitos da mulher, 27% para habitação e segurança alimentar e 25% para cultura.

Já os conselhos mais institucionalizados podem ser bastante influentes. É o caso do Conselho Nacional do Meio Ambiente, um dos colegiados mais enraizados na máquina federal. É certo que o Conama não legisla, mas o que se delibera por lá tem ampla repercussão – e eventualmente força de lei. O Conama é notório pelo grande número de conselheiros: 108. São mais cadeiras do que o Senado (81) ou a Assembleia Legislativa de São Paulo (94). É um verdadeiro congresso, de fato, com “bancadas”, “frentes” e “oposição”. Não espanta que a maioria dos conselheiros (54%) aponte como principal entrave as “questões políticas alheias à agenda do Conselho”, segundo sondagem do Ipea de 2010. Uma evidência das facções do conselho: na mesma pesquisa, três resoluções são simultaneamente citadas por conselheiros como as mais positivas e as mais negativas do Conama.

Currículo e representatividade
Há gente séria no Conama, indicada por entidades idem. O problema não é exatamente currículo, mas representatividade. Os estados têm todos o mesmo peso, uma única vaga. Regiões também, cada qual com duas cadeiras para os ambientalistas e uma para representar as prefeituras. Cada ministério, cada secretaria e cada uma das Forças Armadas têm uma vaga garantida. Ibama, centrais sindicais, Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental e Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) também. Empresas têm oito lugares. Tudo somado, o governo tem folgada maioria (72% das vagas).

Em entrevistas ao Ipea, a grande maioria dos conselheiros do Conama se gaba de contribuir para a melhoria da gestão ambiental e de manter constante contato com o segmento que diz representar. No dia a dia, a história é outra. Dos 108 representantes titulares, só 10 compareceram às três reuniões plenárias de 2014. Na última, uma convocação extraordinária para concluir o encontro anterior encerrado por falta de quórum, havia apenas 26 titulares. E, embora haja dois suplentes para cada titular, 38 cadeiras ficaram vazias. Por faltar repetidamente, três representantes perderam temporariamente o direito a voto. “É decepcionante demais”, conta um dos poucos conselheiros assíduos, para quem o órgão atravessa uma crise de legitimidade. “O Conama parou.”

“Voando”
Os assuntos do Conama nem sempre são fáceis de acompanhar. Um dos temas que mais ocuparam o conselho, e cujas indefinições ajudam a explicar o esvaziamento das plenárias, são os desdobramentos da lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010, e do decreto que a regulamentou (criando, de quebra, mais dois comitês…). Um dos titulares com seguidas faltas no Conama reconhece não entender o que “o pessoal das ONGs” discute por lá. “Eu passo o dia ‘voando’”, admite.

Não é só no Conama que os conselheiros passam o dia “voando”. Segundo pesquisa do Ipea de 2013 com mais de 700 conselheiros da administração federal, a maioria deles (61,5%) está convicta de que os temas abordados são compreendidos apenas parcialmente pelo colegiado, e 6,7% acham que os assuntos simplesmente não são assimilados. Nos órgãos que lidam com questões de infraestrutura e recursos naturais, apenas 18,9% afirmam que os assuntos discutidos são plenamente entendidos no conselho.

Dominado
A “governança da internet”, da qual o governo federal subitamente descobriu se orgulhar, é um exemplo de como os mecanismos de participação social podem ser distorcidos. Criado em 1995, o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) é o órgão encarregado de formular diretrizes para a tal governança. Foi de lá que saíram as linhas gerais do Marco Civil da Internet – bem traçadas, diga-se. Desde 2003, o CGI.br segue aproximadamente o desenho previsto no decreto de Dilma: sociedade civil e governo encontram ali representações “paritárias” – na verdade a sociedade civil tem um peso pouquinho maior, 11 a 9 cadeiras. Tanto os atos da secretaria como a escolha de seus membros passam por processos “públicos” e “transparentes”, uma vez que ganham divulgação no próprio site do CGI.br.

A eleição do CGI.br tem a fórmula da maioria dos conselhos: só as entidades pré-cadastradas participam. Segundo as regras do comitê, essas associações devem ter CNPJ e dois anos de atividade – em comparação, o decreto 8.243 é bem mais temerário, prevendo a participação de “coletivos, movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações”, o que seria absolutamente impossível de fiscalizar.

A última eleição, em fins de 2013, demonstrou a fragilidade desse modelo. Para surpresa e mal estar do comitê, o colégio eleitoral foi subitamente dominado por cooperativas de pequenos agricultores, associações comunitárias e assentamentos da Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte com pouca ou nenhuma ligação com os temas do comitê. De 234 entidades inscritas, pelo menos 130 provinham dos grotões. O candidato mais votado por esta sociedade civil preside uma ONG de inclusão digital em João Pessoa (PB), não enxerga manipulação no processo eleitoral e diz que os concorrentes fazem o mesmo: “fui mais eficiente”. Com algum idealismo, pode-se torcer para que a próxima eleição seja mais disputada, diluindo esse tipo de distorção. O risco mais palpável, contudo, é o de afastar do comitê os representantes, digamos, menos atirados.

Panaceia
As limitações dos conselhos não significam, é claro, que não haja inteligência na chamada “sociedade civil organizada” ou que a única forma de participação democrática seja o processo eleitoral. Mas sua adoção não pode ser deslumbrada – ou ardilosa, como o decreto 8.243. O cientista social Rafael Cortez, da consultoria Tendências, lembra que “participação social” não é panaceia para aumentar a eficiência das políticas públicas – uma medida decidida por muitos “participantes” nem sempre é sábia.

Uma função que esses colegiados poderiam desempenhar com alguma eficácia é a de servir como uma espécie de câmara de eco das políticas públicas. Com isso, os gestores não precisam esperar as eleições para sondar as expectativas dos diversos setores da sociedade e conhecer a repercussão de uma iniciativa. A maioria dos conselhos no Brasil, contudo, vai muito além: eles efetivamente têm poder de decisão, o que exige desenhos institucionais muito mais cautelosos. Para tanto, Cortez alerta, os colegiados devem primar pela prestação de contas, para que o restante da sociedade possa monitorar as decisões tomadas, e pela total independência entre as partes, para impedir a cooptação das entidades.

Mais controle
É verdade, como disse o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, que o decreto não cria conselhos. Mas é um incentivo e tanto. O texto manda que todo órgão e entidade da administração federal, direta e indireta, “considere” sua adoção – ou a de outra instância prevista no texto (comissões, conferências, “mesas” etc). Seja qual for o resultado desta “consideração”, o texto prevê relatórios anuais sobre a implementação desta “política nacional de participação social”.

E quem “aconselha” os “conselheiros”? A resposta, pelo que se entende do decreto, é: o próprio Gilberto Carvalho. Cabem à sua secretaria “orientações”, “coordenações” e “avaliações” do programa, por meio dos palavrosos Sistema Nacional de Participação Social, Comitê Governamental de Participação Social e Mesa de Monitoramento das Demandas Sociais, todos de franca inspiração bolivariana. O que se pode esperar desse sistema é mais “controle social”, diretriz fixada no decreto e pretensão declarada de um a cada quatro conselheiros da administração federal. O que se entende por “controle social” não é consenso entre acadêmicos. Mas já se sabe o que o PT pensa disso, a julgar por sua cruzada para patrulhar a imprensa por meio de certo “controle social da mídia”.

Pretexto
Essa multiplicação de conselhos populares por decreto pode satisfazer as panelinhas do terceiro setor, incrustando de ONGs a máquina pública; pode atender às conveniências do Planalto, amansando os movimentos sociais em ano de eleição; pode corresponder aos devaneios dos “conselhistas”, para quem os colegiados são um fim em si mesmo; pode até, é claro, resultar em um ou outro conselho funcional. Mas nada disso tem a ver com “aprofundar a democracia” – que é, como se sabe, o pretexto dos autoritários para subverter o regime.

Por Reinaldo Azevedo

 

Os últimos dias do PT no poder: a hipótese otimista e a pessimista

O PT realizou a sua convenção nacional neste sábado (post anterior) e oficializou a candidatura de Dilma Rousseff à Presidência da República. Ela vai ganhar? Ela vai perder? Não sei. Seja como for, estamos assistindo a um capítulo do fim de um ciclo. Se o PT tiver mais um mandato, o que espero que não aconteça, vai se arrastar no poder pelos próximos quatro anos, como um cadáver adiado. Não tem mais nada a oferecer ao país. Restará torcer para Dilma terminar o mandato sem uma crise de proporções gigantescas.

Acabou! Os petistas não têm mais futuro a oferecer. E explico o que quero dizer com isso. Um partido não tem de estabelecer com a sociedade uma relação de doador e donatário de benesses. Até porque a riqueza que se distribui tem de ser produzida por alguém — e, por certo, não é pelos partidos, não é mesmo? Quando afirmo que o petismo não tem mais “futuro” a oferecer, refiro-me à perspectiva de mudanças que possam efetivamente melhorar a vida dos brasileiros no médio e no longo prazos, fazendo deles mais do que pedintes e beneficiários de migalhas.

O repertório do PT se esgotou. Os programas sociais estão aí, em curso, mas a gestão não sabe como conciliar, em proporções ao menos razoáveis, crescimento econômico, combate à inflação e juros civilizados. Ao contrário: a realidade se tornou perversa, descompensada: inflação e juros altos para crescimento baixo. O que restou ao PT? Justamente a relação viciada de doador e donatário.

Para que esse discurso convença, é preciso demonizar o outro; transformá-lo na fonte de todos os males do Brasil e da política, a exemplo do que se viu, mais uma vez, neste sábado. A convenção petista, dados os discursos que lá se  fizeram — inclusive o da presidente —, oferece aos brasileiros apenas um debate sobre o passado. Lula, ele mesmo, foi bastante explícito a respeito. Convidou os presentes para a dialética do obscurantismo. Disse ser preciso convencer os eleitores que tinham 7, 8 anos quando o PT chegou ao poder e hoje estão com 19, 20. Afirmou que é preciso lhes dizer que quão ruim era o país…

Ocorre que só havia país em 2003 porque os tucanos haviam chegado ao poder em 1995 e porque o PT perdeu a guerra contra o Plano Real. Só havia país em 2003 porque havíamos vencido a batalha contra os fatores estruturais da hiperinflação. Só havia país em 2003 porque havíamos vencido a batalha em favor da privatização, que dotou o país de infraestrutura em setores essenciais. Quem, em 2002, votava pela primeira vez, aos 16, 17, 18, tinha de 8 a 10 em 1994, quando o plano foi implementado. A propósito: uma pessoa que nasceu em 1986 era uma criança no ano do Real, está hoje com 28, é um adulto, e não sabe o que é um país com hiperinflação. E só não sabe porque o PT foi derrotado em 1994 e 1998 e porque teve de jogar fora o seu programa para se eleger em 2002.

A disputa sobre o passado, como a propõe o partido, é essencialmente desonesta; é intelectualmente vigarista, porque define o adversário como um monopolista do mal e se coloca como um monopolista do bem. “E os adversários do PT? Não fazem o contrário?” Não. Desconheço quem lastime ou reprove a ampliação de programas sociais que o partido levou adiante no poder. Podem não ser, e não são, a resposta para todos os males, mas se trata de um ativo que a legenda tem — e reconhecido por todos. O PT, no entanto, é incapaz de admitir que é uma realidade derivada da estabilidade econômica contra a qual lutou. “Fez isso porque era mau?” Não! Porque, em razão de preconceitos ideológicos, não reconhecia seus instrumentos como válidos. E estava, obviamente, errado.

Agora o país chegou a um nó que requer mais do que o tatibitate redistributivista do PT. E a turma não sabe o que fazer. Está ilhada em seus próprios preconceitos e sua falta de alternativa. Daí que pretenda fortalecer essa fachada de grande doador de benesses, acusando o adversário de verdugo das causas sociais. Como resta pouco a oferecer no terreno da doação, os petistas repetem a sua propaganda de TV, inventam um passado que não existiu e o colocam como uma sombra a ameaçar o futuro.

Na convenção, em suma, o PT apelou a um passado que não houve para capturar as pessoas para um futuro que, com o PT no poder, jamais haverá. Não sei se vai funcionar. Caso seja bem-sucedido, depois de uma luta difícil — o que o obrigará a multiplicar o “promessismo” —, uma coisa é certa: será a última vez. O PT está por pouco: na hipótese otimista, seis meses. Na pessimista, quatro anos e meio. E aí o país se liberta de uma formidável teia de mistificação. Até poderia se cobrir de glórias. Mas, para tanto, teria de ser um defensor incondicional da democracia. O partido que faz lista negra de jornalistas, no entanto, gosta mesmo é de ditadura. “Ah, mas não é um ditador!” É só porque não pode, não porque não queira.

PS: Será que aquele comentador de peladas acha este um texto que “espalha o ódio”, escrito para “leitores fanáticos”?

Por Reinaldo Azevedo

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Blog Reinaldo Azevedo (VEJA)

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