A derrota do óbvio, por ARNALDO JABOR

Publicado em 11/11/2014 15:07 e atualizado em 17/11/2014 13:58
em O ESTADO DE S. PAULO (+ José Paulo Kupfer + Sonia Racy)

A vitória da Dilma começou há dez anos, quando o PSDB preferiu não se defender dos ataques de Lula e do PT. Nunca entenderei como um partido que, no governo, acabou com a inflação, criou leis modernizantes, reformas fundamentais, se fechou, se "arregou, se encagaçou" diante das acusações mais infundadas, por preguiça e medo. Aí o PT deitou e rolou. E conseguiu transformar o social-democratas em "reacionários de direita", pecha que os jovens imbecis e intelectuais de hoje engoliram.

Ou seja, o melhor projeto para o País foi desmoralizado como "neoliberal", de "direita".

Os intelectuais que legitimaram o Lula /Dilma nos últimos 12 anos repetem os diagnósticos óbvios sobre o mundo capitalista, mas, na hora de traçar um programa para o Brasil, temos o "silêncio dos inocentes". Rejeitam o capitalismo, mas não têm nada para botar no lugar. Assim, em vez de construir, avacalham. Estamos no início de um grave desastre. E esses "revolucionários" de galinheiro não se preocupam com o detalhe de dizer "como" fazer suas mudanças no País.

Dizem que querem mudar a realidade brasileira, mas odeiam vê-la, como se a realidade fosse "reacionária". Isso me faz lembrar (para um breve refresco cômico) a frase de Woody Allen: "A 'realidade' é enigmática, mas ainda é o único lugar onde se pode comer um bom bife".

No Brasil, a palavra "esquerda" continua a ser o ópio dos "pequenos burgueses" (para usar um termo tão caro a eles). Pressupõe uma especialidade que ninguém mais sabe qual é, mas que "fortalece", enobrece qualquer discurso. O termo é esquivo, encobre erros pavorosos e até justifica massacres.

Nas rasas autocríticas que fazem, falam em "aventureirismo", "vacilações", "sectarismo" e outros vícios ideológicos; mas o que os define são conceitos como narcisismo, paranoia, onipotência, voracidade, ignorância. É impossível repensar uma "esquerda", mantendo velhas ideias como: "Democracia burguesa, fins justificam os meios, superioridade moral sobre os 'outros', luta de classes clássica". Uma "nova esquerda" teria de acabar com a fé e a esperança. Isso dói, eu sei; mas contar com essas duas antigas virtudes não cabe mais neste mundo de bosta de hoje.

As grandes soluções impossíveis amarram as possíveis. Temos de encerrar as macrossoluções e aceitar as "micro". O discurso épico tem de ser substituído por um discurso realista e até pessimista. O pensamento da "esquerda metafísica" tem de dar lugar a uma reflexão mais testada, mais sociológica, mais óbvia, mais cotidiana.

Não quero bancar o profeta, mas qualquer um que tenha conhecido a turminha que está no poder hoje, nos idos de 1963, poderia adivinhar o que estava para vir. E olhem que nos meus 20 anos era impossível não ser "de esquerda". Havia o espírito do tempo da guerra fria, uma onda de esperança misturada com falta de experiência. Nós queríamos ser como os homens maravilhosos que conquistaram Cuba, os longos cabelos louros de Camilo Cienfuegos, o charuto do Guevara, a "pachanga" dançada na chuva linda do dia em que entraram em Havana, exaustos, barbados, com fuzis na mão e embriagados de vitória.

A genialidade de Marx me fascinava. Um companheiro me disse uma vez: "Marx estudou economia, história e filosofia e, um dia, sentou na mesa e escreveu um programa para reorganizar a humanidade". Era a invencível beleza da Razão, o poder das ideias "justas", que me estimulava a largar qualquer profissão "burguesa". Meu avô dizia: "Cuidado, Arnaldinho, os comunistas se acham 'médiuns', parece tenda espírita...".

Eu não liguei e fui para os "aparelhos", as reuniões de "base" e, para meu desalento, me decepcionei.

Em vez do charme infinito dos heróis cubanos, comecei a ver o erro, plantado em duas raízes: ou uma patética tentativa de organização da sociedade que nunca se explicitava ou, de outro lado, um delírio radical utópico. Eu e outros "artistas" morávamos numa espécie de "terceira via" revolucionária e começamos a achar caretas ou malucos os nossos camaradas. Nas reuniões e assembleias, surgia sempre a presença rombuda da burrice. A burrice tem sido muito subestimada nas análises históricas. No entanto, ela é presença obrigatória, o convidado de honra: a burrice sólida, assentada em certezas. As discussões intermináveis acabavam diante do enigma: o que fazer? E ninguém sabia. Eu nunca vi gente tão incompetente como os "comunistas". São militantes cheios de fé como evangélicos, mas não sabem fazer porra nenhuma. E até hoje são fiéis a essa ignorância. Trata-se de um cinismo indestrutível em nome de um emaranhado de dogmas que eles chamam de "causas populares". E Lula montou nessa gente e essa gente no Lula.

A grande mentira está adoecendo os homens de bem que romanticamente achavam que o Brasil poderia se modernizar. Os safados atuais acreditam que o País não tem condições de suportar a "delicadeza" da democracia. E como o socialismo é impossível - eles remotamente suspeitam - partiram para o mais descarado populismo, que funciona num país de pobres analfabetos e famintos. E eles são mantidos "in vitro" para futuras eleições. E populismo dura muito. Destruirão a Venezuela e Argentina com a aprovação da população de enganados. É muito longa a "jornada dos imbecis até o entendimento".

Na situação atual, é um insulto vermos o regresso do Brasil a um passado pré-impeachment do Collor. Reaparecem todos os vícios que pareciam suprimidos pela consciência da sociedade. E para além das racionalizações, do "wishful thinking" dos derrotados (tucanos "fortalecidos", etc.), a oposição vai ter de lutar muito para impedir o desastre institucional que pode ser irreversível.

Nas últimas eleições, não houve uma disputa tipo FlaxFlu. É muito mais grave. Estamos descobrindo que temos poucos instrumentos para modernizar o País - tudo parece ter uma vocação para a marcha à ré em direção ao Atraso. O óbvio está berrando à nossa frente e os donos do poder fecham os olhos.

Esta crise não é só política; é psiquiátrica.

(comentários): 

SERGIO RIBEIRO

11 de Novembro de 2014 | 18h58

O que eu acho mais engraçado nestes textos é: o Brasil cresceu a olhos vistos neste período de governo do PT; o desemprego foi o menor da história; o país se tornou uma das maiores economias do mundo; houve um aumento substantivo da classe média no Brasil, etc., etc. Claro que muita coisa deve ser feita ainda. Claro também que o problema da corrupção é seríssimo. Mas é tão difícil assim admitir que a vida dos pobres melhorou? Será que a única solução para o mundo é aquela que o modesto colunista nos propõe?

 

PERSIO LOPES

11 de Novembro de 2014 | 17h17

O PSDB perdeu as eleições há 12 anos pq a economia vivia momento semelhante ao de agora e eles não sabiam o que fazer. O PT só ganhou em 2014 pq, apesar da economia ruim e eles também não saber o que fazer, eles souberam aproveitar qdo o vento soprou a favor e garantiram melhorias para uma parcela significativa da população. Mas se continuar assim perdem em 2018. Simples assim... Pra que complicar?

 

Momento de revisão por José Paulo Kupfer

Circula na internet um manifesto, já com mais de mil adesões, em que economistas de linhas de pensamento não ortodoxo refutam a aplicação de políticas econômicas estritas de austeridade fiscal e monetária para a superação dos desequilíbrios da economia brasileira. Os signatários pedem que a diversidade de opiniões seja preservada no debate das soluções para os problemas atuais.

O manifesto pleiteia a abertura de espaços para a exposição de diferentes visões sobre os rumos mais adequados para a economia. Seu temor é o de que uma linha de pensamento - aquela que defenderia a adoção de uma política traduzida em juros mais altos e destinação exclusiva de tributos ao pagamento da dívida pública - possa aparecer para a opinião pública como a única capaz de restituir ao governo a credibilidade necessária para atacar os desajustes e recolocar a economia na rota do crescimento.

Autointitulados "economistas pelo desenvolvimento e pela inclusão social", os que assinam o manifesto consideram fundamental preservar a estabilidade da moeda, mas rejeitam a noção de que o gasto social e o investimento público sejam inflacionários em qualquer fase do ciclo econômico. Para eles, o tipo de austeridade sem matizes, que dizem ser o apregoado pelos defensores de políticas ortodoxas, "é inócuo para retomar o crescimento e para combater a inflação em uma economia que sofre a ameaça de recessão prolongada e não a expectativa de sobreaquecimento".

Impossível negar a existência de altíssimo grau de desarranjo nas contas públicas. Tanto ou mais do que o atual ritmo desencontrado entre expansão de receitas e despesas, que tende a aprofundar déficits, a ausência de transparência nas ações fiscais, depois do apelo a arrecadação não recorrente e contorções contábeis, minou a credibilidade da política econômica e deve ser corrigida não só o quanto antes, mas de forma cabal e definitiva. Mas, nem por tudo isso, de fato, o elixir da austeridade deveria ser aviado de olhos fechados, sem atentar para as circunstâncias do momento, como remédio único para o mal da inflação resistente.

Não se deve confundir a constatação de que, em dadas situações, fórmulas conhecidas de controle macroeconômico não funcionam bem com algum tipo de despreocupação diante dos desequilíbrios. Um trabalho minucioso de análise do gasto público ponto a ponto, incluindo até a revisão de contratos, por exemplo - como realizado, em São Paulo, na segunda metade dos anos 90, pelo então governador Mário Covas, sob o comando do secretário da Fazenda na época, Yoshiaki Nakano - não teria nenhuma contraindicação.

Há um debate aceso no mundo econômico sobre a eficácia das políticas hoje dominantes, cujos ecos ainda mal chegam aos nossos trópicos. Observa-se um esforço, que envolve as instituições multilaterais da área, caso do FMI, do Banco Mundial e da OCDE, na direção de repensar as políticas macroeconômicas. Depois da crise global de 2008, as políticas monetárias e fiscais, em resumo, não estão produzindo os resultados esperados. Por força de seu dinamismo estrutural, os Estados Unidos aparecem em situação melhor, mas ninguém é capaz de garantir se a velha locomotiva vai mais uma vez puxar o trem da economia global ou será por ela trazida para baixo.

Em analogia ao que ocorre em países de economia madura, principalmente Europa e Japão, em que um longo período de taxas de juros próximas de zero não induziu o crescimento previsto, a estagnação econômica, no Brasil recente, não foi capaz de trazer a inflação para níveis toleráveis. Lá como cá, por motivos invertidos, as políticas monetária e fiscal perderam potência, chamando a atenção para o fato de que as receitas convencionais, usualmente aplicadas no combate ao excesso ou à escassez de demanda, precisam passar por revisões.

 

“Desafio é produzir”, no blog de Sonia Racy

 

Foto: Gustavo Rampini

Para André Esteves, do BTG Pactual, o empresariado brasileiro não tem motivo para não manter o otimismo em relação ao País. Entretanto, segundo o executivo, que participou do Fórum de Empreendedores do Lide – fim de semana, no interior de SP –, o momento exige atenção. “Acho até que o governo vai fazer algum movimento econômico na direção certa, mas virou um jargão meu dentro da empresa, “too little, too late”. As ações virão um tanto tarde e serão poucas. A seguir, algumas ponderações do banqueiro.“Vejo um governo ‘mais do mesmo’. Não vejo nenhum risco significativo de virarmos uma Argentina ou de um governo bolivariano.”“Existe algum motivo para apreensão se a gente olhar para as variáveis econômicas. O déficit primário e o lado fiscal pioraram.”“Nosso potencial de crescimento está reduzido, o que é mais grave do que um cenário de pouco crescimento, mas com grande potencial de crescimento”.“A confiança caiu muito e, em economias complexas e modernas, como é o caso da brasileira, a gente precisa recuperar a confiança de investir – para o crescimento voltar. Se nós, aqui do mundo empresarial, não acreditarmos nas oportunidades, não vamos investir.”“Os problemas criados podem ser resolvidos. O bom da confiança é que ela se resolve mais rápido – obviamente, se você guiar a economia para a direção correta. Não adianta apenas mexer na economia; se não houver confiança, não vai funcionar. Há 20 anos nós tínhamos uma hiperinflação – que era um desafio muito maior do que o atual e foi resolvido.”“Essa pressão inflacionária não tem muito segredo. Nós expandimos o crédito no limite, expandimos o gasto fiscal e subimos o salário acima da produtividade. Em um certo sentido, a inflação acaba tomando o que nós demos indevidamente.”“Sobre essa história de que o gasto público é muito crítico no Brasil e que não pode ser cortado: nós gastamos cerca de R$ 30 bilhões por ano no Brasil com seguro-desemprego, e o crescimento ficou perto de dois dígitos nos últimos dez anos. Coincidentemente, estamos no momento de menor desemprego no Brasil. Tem alguma coisa errada.”“O pagamento de pensões custa R$ 90 bilhões por ano e, em certas carreiras públicas, tem-se direito a pensão da viúva. Em determinadas carreiras, se o sujeito trabalhar um mês e falecer, a viúva recebe pensão por 45 anos. Então, obviamente que nós temos gordura para cortar. O gasto fiscal é maior do que deveria ser em qualquer parâmetro.”“Precisamos avançar na nossa produtividade. Esse é o grande tema econômico para o próximo governo.”

Já segue nosso Canal oficial no WhatsApp? Clique Aqui para receber em primeira mão as principais notícias do agronegócio
Tags:
Fonte:
O Estado de S. Paulo

RECEBA NOSSAS NOTÍCIAS DE DESTAQUE NO SEU E-MAIL CADASTRE-SE NA NOSSA NEWSLETTER

Ao continuar com o cadastro, você concorda com nosso Termo de Privacidade e Consentimento e a Política de Privacidade.

3 comentários

  • Antonio Carlos S. Teodoreto Luziânia - GO

    acho bom e até louvo que o Brasil esteja diminuindo o numero de pobres, mas jogando estes para os indijentes, miseráveis, isso é melhoria?

    0
  • Paulo Roberto Rensi Bandeirantes - PR

    Sr. João Olivi, agradeço a complacência do senhor e, principalmente dos leitores deste espaço em suportar os desejos de um matuto. Minha intenção não é eructar erudição, mas através de umas poucas linhas, externar minhas opiniões dessa triste realidade política do nosso país.

    O escritor Arnaldo Jabor, cita no artigo, cujo título é A Derrota do Óbvio: “Esta crise não é só política; é psiquiátrica”!

    Algumas vezes usei a expressão “Psicopatas Incompetentes”, para definir o perfil daqueles que nos governam, pois suas atitudes beiram, não só beiram, “mergulham e chafurdam na insensatez”.

    Nestes momentos, do adiantado da hora (madrugadas), às vezes, me pergunto, porque a cor do PT é vermelha?

    Tenho uma tese; todos os meios petistas tem um fim:

    “SANGRAR O POVO BRASILEIRO”! !

    ....”E VAMOS EM FRENTE” ! ! !....

    0
  • mariano mazzuco neto ararangua - SC

    As idéias aqui comentadas nos levam a varias reflexoes. Em primeiro lugar temos que levar em conta que o governo que saiu das urnas, embora legal, nao tem o condao para representar o Brasil. Os votos do eleitor formador de opiniao foram uma acachapamente demonstraçao de recusa deste governo. Haja visto que o sul, centro oeste, e sudeste (já que minas e rio a vitória deste governo foi com percentiual aceitavel.Os eleitores da Dilma entao foram do norte , nordeste, aonde 50% recebem bolsa familia, sao eleitores que votaram "' agradecidos"', mesmo levando em conta o pouco que recebem( o que nao os condenam), mas esta é a realidade. Com relaçao a economia, penso que para o Brasil nao podemos aplicar a cartilha ortodoxa para combater a inflaçao. Ou podemos desde que a dose do remedio, nao mate o paciente Brasil-Povo. Vejamos, por que nao aplicamos a regra de remunerar o serviço da divida com juros perto de zero mais a inflaçao? Nao foi assim que os paises"' USA, Japao, europeus e outros fizeram para sair da crise? Sim, mas no Brasil a lógica é outra. Cobrar impostos caros, e entregar ''para pagar o serviço da divida'', uma enorme parcela deste imposto. Com esse modelo é o obvio ululante que teremos enormes dificuldades para crescer. Porque Selic de 11,5%? Porque nao de 7%? Qual a cabeça iluminada poderá nos explicar que pagar 5% de juro real é certo? Nao tenho dúvidas, este modelo nos rouba, leva ao pouco investimento, enfim um penoso desastre. Que pena. Estamos fuzilados. Penso que esta é uma corrupçao institucional (mas penso que para esta também deveria ter um TRIBUNAL. Passando de leve pela educaçao, é lamentavel ao ponto de já termos um grande contigente de jovens preparados, bilingues, mas nao, estamos nos ultimos lugares pelos indicadores internacionais. Jovens bem preparados, deveriam ser em numero maior que o tao propagandeado 50.000.000 de Brasileiros no bolsa FAMILIA. Mas nao nos resta,nem ética, nem moral, que dó, assaltam a PETROBRAS e tudo é lento, até da a impresao que nos acostumamos. Somos uns coitados, impotentes em tudo. Um pais fantástico como o nosso, com todo este potencial, que pena....somos governados por insensatos , massa cefálica ruim e perversa. Para concluir, deixo uma pergunta, O QUE NOS ESPERA?

    0