"SINCERAMENTE...", por Miriam Leitão, em O Globo

Publicado em 10/03/2015 17:19
edição desta terça-feira

Sinceramente

Qualquer governante pode pedir suor e lágrimas. Só não pode fazer isso mentindo. O teor do pronunciamento da presidente Dilma Rousseff foi muito ruim. Por trás de palavras como “paciência”, ela camuflou uma versão dos fatos que ofende a inteligência. Disse que a crise internacional explica a conjuntura brasileira, que nem está tão ruim; a imprensa é que confunde, em vez de esclarecer.

Depois de uma campanha em que mentiu sobre a situação econômica e energética do país, fica muito difícil ouvir a mesma irritante distorção da realidade. A explicação para a mudança de inflexão da política econômica poderia ser feita de forma mais sincera, se ela não tivesse feito um marketing tão agressivo, acusando os seus adversários de preparar o que ela já sabia que tinha contratado.

Dilma acusou os candidatos Marina Silva e Aécio Neves de estarem preparando um tarifaço de energia, de quererem “plantar inflação para colher juros”, de tramarem um ajuste fiscal desnecessário para tomar medidas impopulares. “Impopular quer dizer contra o povo”. Ela disse muito mais. Pouparei vocês da repetição do longo rosário de falsidades ao qual estivemos expostos na campanha.

Não foi, como já disse aqui, a crise hídrica que nos trouxe o aumento da energia. Como sabem os que acompanharam as análises e as entrevistas dos especialistas, o governo contratou o tarifaço. Ao fim de 2015, a energia terá subido 100% em dois anos. Só em parte é a falta de chuvas. O erro foi reduzir o preço de forma populista e irreal, foi deixar as empresas sem contrato por erros de gestão, foi postergar o problema, mandando as distribuidoras pegarem empréstimos para serem repassados ao consumidor. Foi ignorar os alertas. Dilma já sabia que a energia teria que subir e muito em 2015, chovesse ou não. Os empréstimos bancários foram dados com o aval da Aneel para as distribuidoras cobrarem do consumidor com juros e correção monetária a partir deste ano.

Segundo a versão que a presidente apresentou, a energia vai subir apenas temporariamente. Não é verdade. Até o aumento da bandeira tarifária vai demorar bastante a ser revertido. As empresas ainda estão pegando empréstimos bancários que continuarão nos próximos anos sendo jogados na conta. Disse que estamos entrando numa outra fase da crise internacional de 2008 que, na visão dela, enfrentamos muito bem. A economia americana está crescendo, com recorde de criação de empregos. A China reduziu devagar seu crescimento, mas isso era esperado, e ainda cresce a 7%, a Europa tem dificuldades, mas vários países tem desempenho melhor que o país. O Brasil está estagnado e indo para a recessão. Parte fundamental da crise é resultado de políticas erradas, gasto desenfreado, mentiras contábeis e preços reprimidos.

Dilma disse: “como o mundo mudou, as circunstâncias mudaram, tivemos que mudar”. Para se aceitar essa versão era preciso provar que todo esse novo cenário ocorreu após a eleição. Durante a campanha, ela já sabia que mudaria o rumo na política econômica, mas seu marketing atacou e ofendeu todos os candidatos e seus assessores que alertaram que o Brasil precisava alterar o rumo da política econômica. É difícil, num domingo à noite, ouvi-la falar como se o país fosse formado por pessoas desmemoriadas e desinformadas. A se acreditar no que ela disse, o governo estava certo antes e está certo agora que mudou completamente de rumo, porque essa alteração só foi necessária no momento seguinte ao fechamento das urnas.

Dilma disse também que a crise brasileira não é tão ruim. Falso. O Brasil está com um déficit fiscal gigante, déficit externo enorme, inflação indo para 8%, país em estagnação, e a Petrobras no fundo do poço. Isso é sim um situação grave. Sair dela será mais fácil se o governo reconhecer o tamanho da crise. Dilma comparou com o ajuste de 2003. Naquele momento, a alta do câmbio ocorreu pelo medo de mudança na política econômica que Lula não fez, apesar de ter dito que faria. A manutenção da política foi o suficiente para acalmar os ânimos. O país não estava com esse déficit fiscal, nem com tarifas reprimidas, nem em estagnação, nem em crise política. A conversa “sincera e íntima” que propôs não foi sincera. E foi o que mais irritou. Sinceramente.

(por MIRIAM LEITÃO, de O GLOBO)

 

 

no UOL, blog de JOSIAS DE SOUZA:

Mito de superioridade do PT amplifica as vaias

Dilma Rousseff foi hostilizada novamente nesta terça-feira. Vaiaram-na em São Paulo, ao chegar no Salão Internacional da Construção. Além das vaias, ela ouviu gritos de ‘fora Dilma’ e ‘fora PT’. Pelo manual do petismo, quem participa de atos assim é a elite golpista. Na definição do Planalto, são pessoas que não se conformam com o resultado das urnas e sonham com um terceiro turno, entendido como um neologismo para impeachment.

Nos dois casos, as certezas baseiam-se no mito de excepcionalidade cultivado pelo petismo. O pronunciamento feito por Dilma no domingo, em rede nacional de rádio e tevê, revelou uma inédita pretensão da presidente de ser uma potência gerencial e ética, que só deve contas à sua própria noção de superioridade.

Inédito também o grau de alienação da presidente, denunciado no pedido de “paciência” que endereçou à audiência, na suposição de que seu destino evangelizador bastaria para obter a submissão aos seus próprios mitos autocongratulatórios. De duas, uma: ou Dilma e o petismo são ingênuos ou são cínicos.

Não é o cinismo que assusta. Contra o cinismo sempre é possível proteger as crianças, retirando-as da sala. O que assusta mesmo é quando nem Dilma nem o PT estão sendo cínicos. O que espanta é quando eles acreditam mesmo que sua missão especial no planeta lhes dá o direito de vender uma fábula na campanha e entregar um pergatório no exercício do Poder sem uma autocrítica de permeio.

Nesse ritmo, o mito de superioridade vai acabar convertendo o Brasil num país 100% feito de golpistas. Repare na foto abaixo a face do Brasil que trama o golpe do terceiro turno.


Branco, rico e golpista

por Ricardo Noblat, em O GLOBO:

Rico não pode se manifestar. A não ser por escrito. Ou dentro de casa. Ou em pequenas reuniões com amigos. Sem fazer alarde.

Caso resolva aderir a uma manifestação de massa, saiba que a desqualificará. Seu lugar não é na rua protestando.

Se for visto na rua protestando poderá ser acusado pelo PT de ser golpista. Certamente o será.

Não há nenhum dispositivo na Constituição que proíba o rico de pensar e de dizer o que pensa, mas ele que suporte as consequências.

Da mesma forma o branco. Pior ainda se ele for branco e rico.

É fato que a elite branca e rica lucrou uma enormidade com os governos de Lula e de Dilma. E que os mais ricos e brancos da elite pressionaram Lula para que ele voltasse a ser candidato no ano passado.

Não importa. A eles deve apenas ser assegurado o direito de apoiar o PT. De preferência sem condições. E de financiar o PT tirando dinheiro do seu próprio bolso ou desviando recursos públicos.

Quantos negros e pobres você vê no comando das maiores empreiteiras envolvidas com a corrupção na Petrobras?

Só vê ricos e brancos. E todos parceiros do PT. Deram mais dinheiro para o PT ganhar as eleições do ano passado do que para outros partidos.

Bem, se além de rico e de branco o cidadão morar em São Paulo, aí qualquer margem de tolerância com ele deve ser abolida.

Dilma e o PT perderam feio em São Paulo. O candidato de Lula ao governo colheu ali uma votação humilhante.

O que venha de lá, portanto, não deve ser levado em consideração. Antigamente foi a saúva. Agora, o paulista rico e branco é a praga que mais infelicita o Brasil.

Quem sabe o Congresso não aprova alguma lei que desconsidere o voto de São Paulo na hora de se contar os votos para presidente da República?

O radicalismo da proposta talvez possa ser suavizado com a restrição ao voto apenas nos bairros povoados por uma maioria branca, rica e golpista.

Burgueses!

Há quanto tempo eu não enchia a boca para chamar de “burgueses” os adversários das mudanças sociais, que só fazem enriquecer à custa dos miseráveis.

É verdade que a maior parte dos miseráveis ascendeu socialmente e compra o que os brancos e ricos lhe oferecem. E que quanto mais ascenderem e comprarem, mais os brancos e ricos se tornarão mais ricos. 

 

Mas esse é um dilema que a esquerda corporativa, ávida por emprego público e órfã de ideologia, não sabe ainda como resolver.

Lula (Foto: Divulgação)Lula (Imagem: Divulgação)
NO EL PAÍS:

Liderança de Dilma Rousseff desmorona

Rejeição a seu discurso se deve ao acúmulo de dados negativos em três frentes de seu Governo: a econômica, a política e a ética (por Juan Arias, articulista da edção brasileira do EL PAÍS)

 

primeiro discurso à nação da presidenta Dilma Rousseff, aos dois meses do início de seu segundo mandato, recebido na noite de domingo em uma dúzia de cidades, entre elas as emblemáticas São Paulo e Brasília, com vaias e um panelaço, pode ter sido uma prévia das manifestações de protesto contra ela anunciadas para o próximo domingo, dia 15.

A rejeição ao discurso da presidenta foi mais significativa por ter se dado no momento de começar a falar, antes de se saber o conteúdo de suas palavras. Era um sinal de que para uma parte da população, em especial a classe média mais bem informada, sua credibilidade está seriamente comprometida.

Mais que contra sua pessoa, já que ninguém a considera uma política corrupta, a rejeição a seu discurso se deve ao acúmulo de dados negativos em três frentes de seu Governo: a econômica, a política e a ética.

Desde a redemocratização do país o Brasil não vivia um momento tão crítico. O anúncio de cortes que afetam tanto a classe média quanto os mais pobres, com o país à beira da recessão, onde só crescem a inflação, o valor do dólar, o déficit público, os juros dos bancos e até o fantasma do desemprego, junto com os escândalos de corrupção política, criou um curto-circuito entre a opinião pública e a Presidência da República.

Dilma, bode expiatório ou talvez vítima? Pouca diferença faz para uma população desencantada e irritada. A ela se atribui falta de traquejo político, dificuldade de delegar, falta de tato e de vontade de lidar com um Congresso no qual acabou perseguida e encurralada inclusive por boa parte de sua ampla maioria de dez partidos.

A isso se junta o fato de a presidenta nunca ter contado, menos ainda neste momento, com o apoio pleno de seu partido (PT), e a sua relação com seu criador e tutor, o ex-presidente Lula da Silva, ter acabado por se deteriorar.

Se um dia se falava do dilmismo como continuação gloriosa do lulismo e dos anseios não confessos da presidenta de empreender um voo político próprio, sem a muleta do carismático Lula, hoje o escândalo da Petrobras, que viveu sua maior virulência nos governos Lula-Dilma, perpetrada pelas figuras por eles colocadas na empresa, que acabou saqueada para financiar fundamentalmente os partidos governistas, isso parece ter se tornado um sonho já apagado.

As ruas pedem a saída de Dilma do governo e gritam “fora PT”. Talvez ainda não saibam o que querem em seu lugar. Não sabem o que desejam para amanhã, mas sim o que exigem para hoje.

O próximo teste serão as duas manifestações anunciadas: uma do PT contra as medidas de austeridade de seu próprio Governo, na próxima sexta-feira, e outra no domingo, convocada nas redes sociais para exigir a saída de Dilma. Nelas a presidenta levará tiros pelas duas frentes.

Segundo analistas, o modelo econômico de Rousseff fracassou, como apontam todos os índices negativos. Nesse ponto Dilma se distanciou do modelo Lula, que disse aos senadores do PT e dos outros partidos aliados, segundo vazou um dos presentes, que Dilma deveria “pedir perdão ao país pelo fracasso de sua crise econômica, reconhecer que seu modelo fracassou, comprometer-se a mudá-lo e explicar como pensa em fazer isso”.

No domingo, em seu discurso, Rousseff pintou, em vez disso, um país cor-de-rosa, golpeado apenas por uma pequena vaga passageira, culpa da crise internacional.

Até quando irá a resistência de Dilma, já que quem a conhece assegura que não cairia sozinha?

Ninguém quer hoje ser profeta de um futuro econômico que parece para os especialistas em economia e política cada dia mais incerto e emaranhado.

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O Globo + uol + EL PAÍS

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