Mercado de commodities está travado com ausência de fundos especuladores

Publicado em 02/03/2016 14:01

Há cerca de seis meses, as commodities têm caminhado de lado nos mercados internacionais e vêm confirmando que entraram, realmente, em um novo ciclo de baixas. A questão agora é: até quando isso vai durar? A resposta, segundo explicam economistas e analistas de mercado, no entanto, vão bem além das próprias commodities, mas refletem sua relação, cada vez mais estreita, com o estado de "piloto automático" em que entrou o cenário financeiro global. 

Enquanto parece que nada acontece entre os preços que são exibidos, principalmente nas bolsas de Chicago e Nova York, algumas das principais economias mundiais colecionam reuniões, encontros e debates para definir mudanças entre suas políticas monetárias e, então, dar um rumo para os negócios em todo  o mundo ao anunciarem suas novas medidas. 

O caminho, porém, é difícil e longo. E por ele percorrem, na dianteira, China, Estados Unidos e algumas das mais importantes economias da Europa, como explica o economista chefe da Infinity Asset, Jason Vieira. E enquanto eles seguirem caminhando, o grau de aversão ao risco de ativos como as commodities, especialmente as agrícolas, ainda é elevado e mantém os fundos de investimento fora dos mercados, evitando as especulações neste quadro. Afinal, os fundamentos dos mesmos já são conhecidos e, ao refletirem um equilíbrio entre oferta e demanda, também não estimulam um comportamento diferente. 

China

Ganhando o noticiário mundial, a China - que é a segunda economia do mundo e de quem o mundo criou uma ampla e intensa dependência, especialmente de suas importações - tem gerado muitas dúvidas sobre a saúde e o futuro de sua economia com números que indicam uma possibilidade de desaceleração. Ainda assim, suas perspectivas de crescimento, mesmo que sejam menores do que os 6,9% de 2015, indicam níveis interessantes. 

Mesmo assim, a agência de classificação de risco reduziu, nesta quarta-feira (2), sua perspectiva para a dívida pública do país de "estável" para "negativa". A decisão, entretanto, chega apenas alguns dias antes de o Congresso Nacional do Povo votar o 13º plano quinquenal do país, que traz as propostas de desenvolvimento da nação asiática nos próximos cinco anos. 

"Sem reformas confiáveis e eficientes, o crescimento do PIB da China vai desacelerar de forma acentuada uma vez que o alto peso da dívida afeta o investimento empresarial e a demografia se torna cada vez mais desfavorável. A dívida do governo vai aumentar com mais força do que atualmente esperamos", disse a Moody's.

Ainda como explica Vieira, um dos focos da China nessa remodelação de suas políticas busca o crescimento interno e o país deixando, cada vez mais, de ser um grande produtor. "A China quer, além disso, aumentar e melhorar a tecnologia do que já produz, em um movimento bastante semelhante pelo qual passaram o Japão e a Coreia nos entre os anos 50 e 60. E o país vai se tornar, cada vez mais, uma maior importadora de produtos intermediários e terminados", diz. 

E ao contrário do que acontece no Brasil, por exemplo, ou em alguns outros países considerados emergentes, os chineses adotam medidas que visem, também aumentar cada vez mais suas competitividade, além de garantirem boas oportunidades de garantir importações ainda necessárias em um momento como esse, por exemplo, em que a relação cambial é sua aliada.

A demanda chinesa por alguns itens, no entanto, deve continuar crescendo, ainda segundo os especialistas, e servir como suporte para os preços, mesmo que não seja forte o suficiente para tirá-los desse "confinamento". 

Um dos exemplos mais fortes desse aumento do consumo pode ser observado no petróleo. Segundo um levantamento da Agência Internacional de Energia (IEA), até 2021, as necessidades de importação da commodity pela China devem crescer cerca de 2,6 milhões de barris por dia. 

Nem mesmo essa projeção, porém, é capaz de promover uma puxada mais forte e sustentável dos preços para cima. É possível observar, nesse mercado especificamente, uma volatilidade ligeiramente maior do que nas demais commodities, uma vez que os fatores externos não são somente econômicos, mas passam ainda pela política e conflitos geopolíticos. 

Ainda de acordo com Jason Vieira, os preços atuam com um piso virtual de U$S 30,00 e um teto de US$ 40,00 por barril. Enquanto a OPEP (Organização dos Países Produtores de Petróleo) não chegar, porém, a um acordo sobre a reduação ou não da produção, o cenário também não se altera. "Para congelar a produção os maiores produtores precisariam ver um nível de preço que pudesse compensar essa decisão", explica o economista. 

O mesmo pode ser sentido no complexo soja. A China vem batendo, ano a ano, seu recorde nas compras externas de soja diante da mudança dos hábitos alimentares de sua numerosa população e, como explica Steve Cachia, diretor de inteligência de mercado da Cerealpar Corretora e consultor do Kordin Grain Terminal de Malta, na Europa, não há perspectivas de um retrocesso desse movimento. 

"A demanda chinesa por alimentos continua forte e deve se manter assim. As mudanças previstas podem, inclusive, aumentar esse consumo por lá. Prova disso é que, quando os preços estavam bem mais elevados há alguns anos, as compras continuaram e agora, com níveis mais baixos, não faz sentido reduzirem-nas", diz. "Além disso, caso os preços voltem a subir de forma mais acentuada, as importações podem ganhar ainda mais ritmo para que sejam formados estoques. Por hora, com os preços baixos, não há porque buscar esses estoques", completa. 

Estados Unidos

Nos Estados Unidos, a maior especulação se dá, mais uma vez, sobre o futuro da taxa de juros do país. "E um aumento de apenas 0,25%, nos EUA, é muito. É uma avalanche de dinheiro que circula no mundo. E a atividade econômica mundial está muito concentrada nos EUA nesse momento", explica Jason Vieira. 

Há algumas semanas, indicadores de diversos setores têm sinalizado uma aceleração da economia norte-americana - como a geração de empregos, a situação da indústria e o crescimento esperado de cerca de 2% do PIB do país - o que, consequentemente, fortalece a perspectiva de um aumento dos juros por lá. A projeção, porém, não é unanime. 

Nesta semana, o presidente do Federal Reserve de Nova York, William Dudley afirmou estar "menos confiante do que antes" sobre a economia dos Estados Unidos. E isso poderia, portanto, indicar, mesmo que nas entrelinhas, um maior intervalo de tempo antes do próximo aumento da taxa de juros. A última elevação aconteceu em dezembro, e foi feita pela primeira vez em quase uma década.

"Caso esse aumento aconteça, há uma valorização global do dólar, o que também gera um ganho cambial a ser considerado. E isso acaba sendo outro fator de pressão para as commodities", explica o economista chefe da Infinity Asset.

É importante considerar ainda que a decisão das autoridades norte-americanas sobre os juros também passa pela situação econômica internacional. Assim, apesar de os resultados internos terem se mostrado bons, o crescimento do resto do mundo também impacta na manutenção da taxa por um período mais extenso. A discussão sobre uma possibilidade de redução da taxa de juros no país, como aconteceu em outros anos, surgiu, afinal, pela condição da economia externa e não de uma condição interna americana. 

Por que os fundos estão fora das commodities?

Todos estes fatores e possibilidades que rondam o mercado financeiro mundial criam, ao mesmo tempo, dezenas de cenários possíveis para a economia portanto e a consequência direta é, portanto, a manutenção de uma elevada aversão ao risco, o que afugenta imediatamente os grandes fundos de investimentos desses ativos mais arriscados, como as commodities de uma forma geral, em especial as agrícolas. 

Esse comportamento é agravado, porém, pela falta de perspectivas de uma mudança significativa entre os fundamentos das principais entre essas commodities agrícolas, como explica Steve Cachia. "Os preços vêm caminhando de lado, com um viés baixista, já há alguns meses e esse cenário não deve ter alterações muito fortes caso não haja novidades entre os fundamentos, porque isso mantém os especuladores fora desses mercados", diz. 

Embora a demanda mundial por alimentos, principalmente pela soja em grão e seus derivados, siga forte, ainda de acordo com o diretor da Cerealpar, a mesma é insuficiente para ofuscar o significativo avanço da oferta na última temporada. O quadro, porém, já foi absorvido pelos participantes do mercado e, sem novidades, os preços têm operado, desde agosto de 2015, no intervalo de US$ 8,50 a US$ 9,00 por bushel na Bolsa de Chicago, como mostra o gráfico abaixo, respeitando a força dessas duas referências como, respectivamente, seu suporte e sua resistência. 

A chance de saída das cotações dos grãos negociados em Chicago desse range, ainda segundo Cachia, poderia vir com problemas climáticos prejudicando a safra 2016/17 dos Estados Unidos. O momento, porém, ainda é prematuro para tal análise e as últimas previsões meteorológicas são favoráveis para o país.

"Na atual conjuntura do mercado, só mudanças no clima dos Estados Unidos que trouxessem um problema sério poderiam mudar o andamento do mercado", diz. "Porém, ainda é cedo para sabermos qual será o impacto do clima na nova safra americana, e isso só será possível a partir do período que vai de maio e julho. Aí sim pode haver mais especulação", conclui. 

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Até que isso seja confirmado ou que outro fator inesperado chegue aos especuladores, o padrão de comportamento pode ser observado ainda nos preços do milho. Entre o início de novembro do ano passado a fevereiro de 2016, os futuros do cereal vêm oscilando entre as referências de US$ 3,50 a US$ 3,80 por bushel. 

O consultor do terminal de grãos de Malta afirma ainda que a situação para o trigo é ainda mais severa, já que a pressão negativa sobre seus preços é mais clara e forte. Para o café negociado na Bolsa de Nova York, a perspectiva não se altera. "Safras com problemas, estoques baixos e o consumo em alta. Nenhum fundamento impacta as cotações", disse o analista de mercado Eduardo Carvalhaes, do Escritório Carvalhaes. Após registrar um pico na casa de US$ 1,35 por libra-peso em meados de outubro de 2015, as cotações do arábica também passaram a exibir sessões de estabilidade e baixa volatilidade em NY. De novembro a fevereiro deste ano, os preços seguem presos no intervalo de US$ 1,10 a US$ 1,20. 

A conclusão? 2016 é um ano que começa, portanto, com menos volatilidade diante da ausência dos especuladores, apesar de uma incerteza sobre o futuro da economia mundial e da ligação que há entre todos esses fatores. E até que não se defina uma direção comum, o estado de piloto autmomático também se mantem. "Os fundos também não estão voláteis", finaliza Cachia. 

Abaixo, confira a entrevista ao Notícias Agrícolas do analista financeiro Miguel Daoud:

>> Maior risco para produtor de grãos na próxima safra é a ganância, afirma economista

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Por:
Carla Mendes e André Bittencourt Lopes
Fonte:
Notícias Agrícolas

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