Lamparina a querosene, por Osvaldo Piccinin

Publicado em 16/04/2013 10:57
Por Osvaldo Piccinin, engenheiro agrônomo formado pela USP-Esalq, em 1973. Natural de Ibaté, é empresário e agricultor e mora em Campo Grande/MS.
Osvaldo Piccinin - novo
Se recordar é viver novamente, então devo ter o dobro da minha idade - vivo recordando! Além de exercitar minha mente, as recordações nutrem minha alma com coisas simples vividas em tempos idos.

 Dias atrás, conversando com um amigo, ouvi: - Não sei como conseguíamos viver sem celular, internet, ar condicionado, carros, aviões, trens velozes e tantas outras coisas modernas.

Nossa prosa foi tomando outro rumo e falamos sobre as coisas que fizeram parte de nossas vidas por muitas décadas, assim como as lamparinas. E assim fomos esticando a conversa para dar tempo de tomar mais uma gelada. Sem pestanejar, eu lhe respondi: - só vivíamos sem estas coisas modernas porque não tínhamos referências.
 
Se nos privarem do acesso a tudo isso, o mundo entrará em colapso, porque agora conhecemos o valor dessas tecnologias e o quanto facilitam nossas vidas. Com elas o mundo ficou pequeno.
 
Em nosso sítio, apesar de já termos luz elétrica, vivíamos tendo problemas de queda de energia na rede, principalmente nos dias e noites de temporal. Nessas horas entravam em cena nossas três lamparinas que ficavam guardadas numa prateleira em nossa dispensa – local destinado a guardar mantimentos.

Ao lado delas meu pai sempre mantinha uma caixa de fósforos para acendê-las durante os apagões freqüentes. Nesses momentos, depois de fortes trovões, relâmpagos e até raios nas proximidades de nossa casa, sentíamos um medo aterrorizante, e o “paieeê tô com meeeedo”, vinha de todos os cantos de nossa pequena casa. 
 
Tanto eu como meus irmãos menores, tínhamos pavor do escuro e de chuvas fortes, afinal havíamos perdido um tio, morto por um raio, na colônia onde morávamos.
Diante da escuridão, a santa lamparina nos acudia e iluminava nosso lar nos passando autoconfiança, principalmente depois de nos aninharmos entre nossos pais, em um macio e barulhento colchão de palha. 

Aí, até os salpicos da chuva fria caindo do telhado, se tornavam agradáveis, pois nossa casa não era forrada e havia apenas paredes dividindo os cômodos.

Alguns de meus primos nasceram pelas mãos de uma parteira - chamada Maria Alemoa e sob a luz de uma lamparina. Depois de nosso rádio Semp de oito faixas, do fogão de lenha e do pinico de ágata de minha avó, era a lamparina o utensílio mais útil de nosso aconchegante lar.

Apeguei-me tanto a elas que aprendi a gostar do cheiro de querosene queimado e da fuligem que formava em nossas paredes brancas cobertas com apenas uma demão de cal. 

Naquele tempo os remédios eram raros, e era comum nossa mãe levantar o pavio, embebido no querosene, para nos passar na nunca e às vezes no peito, para curar gripe, nariz entupido e até bronquite. Não sei se curava, mas nossa fé era tão grande que algum alívio imediato nos trazia. 

Lamparina - você que iluminou angústias, alegrias e tristezas de várias gerações.  Você que iluminou nascimentos e mortes. Foi minha companheira nas infindáveis noites de insônia e das delirantes dores de dentes sofridas. Você iluminou as letras do alfabeto nos primórdios de meu aprendizado escolar! Você sim venceu o tempo, bem como toda tecnologia criada nas últimas décadas! Que sua chama abençoada não se apague nunca!

E VIVA A LAMPARINA A QUEROSENE!

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Fonte:
Osvaldo Piccinin

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5 comentários

  • Gustavo Mariussi Sapezal - MT

    Realmente o texto nos tras lindas recordações.

    Parabéns pelo texto.

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  • francisco fido fontana Curitiba - PR

    Osvaldo, quando fui abrir fazenda no interior do Paraná em 1987 no municipio de Arapoti, recém formado em Agronomia, mas guri criado no conforto da capital. Cheguei e tive que me adaptar a outra realidade, sózinho, com luz de liquinhos e banho aquecido por serpentina. Foram anos mais de dez, até poder adquirir o primeiro motogerador usado e depois mais oito até chegar a luz da rede elétrica. Foram tempos difíceis, que muitos companheiros nossos, desbravadores deste Brasilzão de Meu Deus ainda enfrentarão por bastante tempo. Viva a energia elétrica

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  • carlo meloni sao paulo - SP

    Osvaldo---Tambem achei fantastico o seu artigo--

    Ele e' nostalgico e sentimental, e mexeu com os nossos sentimentos, vibramos juntos.

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  • felix cavallini zandomeneghi Sooretama - ES

    Osvaldo. Parabéns pela matéria da lamparina à querosene.

    Também passei por isso em minha infancia no interior de Rio Bananal ES. Quando li seu artigo passou um filme em minha cabeça, até o cheiro do querosene senti, acredita? Meus irmãos mais novos, assim como eu, nasceram de parteira e a primeira luz que vimos foi a da lamparina a querosene.

    um forte abraço.

    Felix zam.

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  • Rene Prado Sapezal - MT

    Srº Osvaldo parabéns... lindo texto. Gostaria eu de que, todos que leem este texto, pudessem ter oportunidade de conhece-lo pessoalmente assim como eu tive essa oportunidade.

    Mais uma vez parabéns pelo texto.

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