Mais confusões de Dilma, editorial do Estadão

Publicado em 14/06/2012 07:36

Mais uma vez a presidente Dilma Rousseff se perdeu num emaranhado de ideias confusas e fora de propósito, desta vez ao falar sobre política econômica em seu discurso no Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, na terça-feira. Em outras circunstâncias o palavrório seria apenas engraçado. 

A graça desaparece, no entanto, quando o País se defronta com uma assustadora crise internacional e a chefe de governo discorre sobre os problemas do crescimento com meia dúzia de chavões de comício. 

Para começar, misturou duas questões muito diferentes - a incorporação de milhões de famílias pobres ao mercado de consumo e o desafio de remover obstáculos à expansão da economia nacional. Detalhe inquietante: a autora dessa confusão tem um diploma de economista. 

O equívoco da presidente é óbvio. A indústria brasileira vai mal, perde espaço tanto no País quanto no exterior, e o emprego industrial diminui, como têm mostrado números oficiais. No entanto, o consumo continua maior do que era há um ano e as importações crescem mais que as exportações. 

É um disparate, portanto, atribuir os problemas da indústria - mais precisamente, do segmento de transformação - a uma retração dos consumidores. A participação de bens importados no mercado brasileiro de consumo atingiu 22%, um recorde, nos quatro trimestres encerrados em março e essa tendência, ao que tudo indica, se mantém. 

Se examinassem o assunto com um pouco mais de atenção, a presidente e seus auxiliares talvez mudassem o discurso. Não há como atribuir os problemas da indústria nem a estagnação da economia brasileira à permanência de um "consumo reprimido" - um fato social indiscutível, mas sem relação com os atuais problemas de crescimento. 

A presidente acerta quando atribui a quem tem uma melhoria de renda o desejo de comprar uma geladeira, uma televisão, um forno de micro-ondas. Mas é preciso saber de onde sairão esses bens. Não basta dispor de fábricas para produzi-los. 

A indústria tem de ser capaz de produzi-los com preços e qualidade compatíveis com os padrões internacionais. Recorrer ao protecionismo é apenas uma forma de empurrar o problema para a frente e - pior que isso - de abrir espaço para problemas adicionais, como a elevação de preços e a estagnação da capacidade produtiva. Muitos brasileiros devem ter aprendido essa lição. A presidente parece tê-la esquecido. 

Há uma enorme diferença entre barrar a competição desleal e recorrer ao mero protecionismo. Isso vale para geladeiras, televisores e camisas, mas vale também para equipamentos e componentes destinados a programas de investimento conduzidos pelo governo ou por ele favorecidos. 

Ao defender a exigência de índices mínimos de nacionalização para certas atividades, a presidente insiste numa política perigosa, muito boa para os empresários amigos da corte, mas muito ruim para o País. 

Apenas de passagem a presidente Dilma Rousseff mencionou a questão realmente séria - a dos investimentos e da capacidade produtiva. Mas, ao contrário de sua tese, há algo mais, no custo do investimento brasileiro, do que a taxa de juros. Há também uma tributação absurda, ao lado de uma porção de outros fatores de ineficiência. 

Um desses fatores, visível principalmente nos investimentos públicos, é a baixa qualidade da gestão governamental. O governo, disse a presidente, continuará a investir - uma declaração um tanto estranha, porque ninguém se opõe à aplicação de recursos públicos em obras de infraestrutura, hospitais, escolas e outras instalações indispensáveis. Ao contrário: cobra-se das autoridades mais empenho na elaboração de bons projetos, na execução das obras e no uso mais eficiente - e mais cuidadoso - do dinheiro público. 

Como gerente do Programa de Aceleração do Crescimento ( PAC) e, depois, como chefe de governo, a presidente Dilma Rousseff se mostrou deficiente em todos esses quesitos. A paquidérmica lentidão do PAC é notória e inflar os resultados com os financiamentos habitacionais - como acaba de ser feito - é só uma forma de enfeitar os relatórios. Fora do governo, poucos têm motivo para aplaudir esse programa. Entre esses poucos estão os donos da inidônea construtora Delta.

Crescimento além do discurso

por JOSÉ SERRA

Duas das principais molas que impulsionaram a economia brasileira nos últimos anos têm perdido sua elasticidade: a demanda internacional por matérias-primas agrominerais e o crédito ao consumo. A primeira sofre os efeitos da contração do crescimento mundial, que se prolongará por alguns anos. Não necessariamente haverá um colapso dos preços das commodities brasileiras, mas as receitas de exportações e os investimentos nessa área perderão velocidade. Quanto ao crédito ao consumo, basta mencionar que 90% das famílias brasileiras revelaram não ter disposição para endividamento adicional. Elas gastam, atualmente, 30% de sua renda em juros e amortizações da dívida já assumida, proporção superior à das famílias norte-americanas. Assim, as tentativas de estímulo ao consumo via crédito não terão impacto forte nem duradouro.

Nesse contexto, não é de estranhar que a economia esteja se retraindo. De novo, nenhum colapso, mas um declínio da taxa de crescimento a cerca de metade do nível obtido no governo passado. De fato, é o modelo - chamemos assim - lulista de crescimento que perdeu o vigor.

Quais foram as principais peças desse modelo? Em resumo:

crescimento médio razoável, puxado pelo consumo, com baixos investimentos, aumento rápido das importações e preço ascendente das commodities exportadas;

diminuição da taxa de desemprego em razão do crescimento das ocupações menos qualificadas. Entre 2009 e 2011, o aumento dos empregos com carteira assinada foi de 5,9 milhões na faixa de até dois salários mínimos; acima dessa faixa, a queda foi de 1,2 milhão;

juros elevadíssimos, de um lado, exigindo despesas fiscais em torno de 6% do produto interno bruto (PIB) e, do outro, atração abundante de aplicações financeiras do exterior;

forte sobrevalorização cambial, tornando as importações mais baratas e as nossas exportações menos competitivas, o que acelerou a desindustrialização do País;

reduzida taxa de investimento público - das menores do mundo -, com reflexos nas deficiências da infraestrutura;

ampliação das distorções tributárias, que, ao lado dos altos encargos financeiros, das carências na infraestrutura e da sobrevalorização cambial, elevaram o custo Brasil às nuvens;

e sistemática substituição das ações para melhorar a eficiência das redes de saúde e educação pela contínua criação de ações midiáticas.

Em face disso tudo, não espanta o reduzido crescimento da produtividade da nossa economia: 1,2% nas últimas duas décadas, equivalente a dois terços da taxa da economia norte-americana.

Esse modelo não é mais sustentável - e não por causa de alguma conspiração da imprensa, mas em razão dos fatos, da lógica econômica e de dois círculos viciosos à frente: desaceleração das receitas fiscais por causa da retração da atividade econômica e queda do emprego caso os empresários desconfiem de que a retomada do dinamismo da economia pode demorar.

O Banco Central acertou quando adotou a trajetória de redução da taxa Selic, evitando o erro espetacular do governo Lula na crise de 2008-2009. Mas essa mudança está longe de ser suficiente. Há obstáculos que precisariam ser removidos com urgência nas áreas de investimentos e de tributação. É preciso, por exemplo, desonerar os investimentos privados de forma radical, acelerar a depreciação de equipamentos e corrigir os abusos nos setores de insumos básicos, como é o caso do gás e da energia elétrica, em que, de cada R$ 1 gasto, R$ 0,52 vai para tributos e recolhimentos.

Já a área de saneamento básico paga mais de R$ 2 bilhões anuais de PIS-Cofins, que poderiam estar sendo investidos de forma rápida pelas empresas estaduais e municipais. Isso reduziria o superávit primário? Ora, hoje essas empresas têm de recorrer ao financiamento do FGTS e da Caixa Econômica Federal - além de demorado, também é considerado vetor de déficit público.

E aqui tratamos da outra peça do modelo esgotado: o baixo investimento governamental, cuja taxa tem até declinado no governo Dilma. A retomada desses investimentos beneficiaria a atividade econômica no curto prazo e, no médio e no longo prazos, reduziria o custo Brasil. Para isso - embora dolorosas para o partido do governo e a coalizão do poder prevalecente -, são essenciais mudanças no aparato governamental com a introdução de técnicas de planejamento, hoje ausentes, e melhora de sua capacidade executiva, hoje tão baixa.

Além disso, há possibilidades imensas nas parcerias com o setor privado na área, por exemplo, de hidrovias e de estradas. Bastaria que o governo federal substituísse o seu modelo inepto de concessões pelo modelo paulista.

Quanto ao saneamento, além da eliminação do PIS-Cofins, é preciso que o endividamento junto ao FGTS não seja mais entendido como dívida bancária do setor público. O governo federal promoveu a retirada da Petrobrás e da Eletrobrás da contabilização do resultado primário. Há como dizer que Sabesp, Copasa e Sanepar, por exemplo, tenham gestão pior do que a daquelas empresas?

Volto a um tópico que há muito tenho abordado: Rio de Janeiro, São Paulo e outras grandes cidades têm uma demanda infinita por metrô e trens urbanos. O governo federal nunca entrou de verdade nesse setor, e os Estados e municípios não têm condições fiscais de dar conta das obras necessárias. Isso tem de mudar, e a possibilidade é dada, paradoxalmente, por um erro monumental: o trem-bala São Paulo-Rio - uma verdadeira alucinação, que custará pelos menos R$ 65 bilhões. Esse projeto deveria ser suspenso e substituído por um programa federal que mobilizaria aquele montante para investimentos massivos nos trilhos urbanos.

* EX-GOVERNADOR E EX-PREFEITO DE SÃO PAULO 

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Fonte:
O Estado de S. Paulo

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