"Mercado agrícola passa por revolução", diz Celso Pessoa

Publicado em 08/07/2012 18:00
Entrevista à Revista SindiRura, de Cascavel (PR) : "Mercado agrícola passa por revolução"

Entrevista: "Mercado agrícola passa por revolução"


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Entrevista:

O mercado agrícola vem experimentando mudanças significativas nesta última década, segundo o economista Celso Gomes Pessoa, consultor e corretor de cereais. “Só para citar um exemplo, nunca se comercializou tanto milho e soja tão cedo como nesta temporada”, observa, acrescentando que o produtor está vendendo no primeiro semestre de 2012 a produção que vai colher em 2013, tirando proveito dos bons preços derivados da quebra da última safra.

Segundo ele, está ocorrendo uma revolução no mercado, com rompimento de diversos padrões. “Até 2006, dizia-se que o preço da soja dificilmente alcançaria, na média histórica, a casa dos U$ 7,00 por bushel (27,2 quilos, cotados na Bolsa de Chicago). Considerando a substantiva inflação que atingiu as commodities mundo afora - não apenas as alimentares, mas também as minerais e de energia - passou-se a falar em limite de U$10,00 por bushel para a soja. Hoje o comentário é de que dificilmente cairá abaixo de U$ 12,00”, diz Pessoa, que é associado do Sindicato Rural de Cascavel. Ele salienta, no entanto, que a alta dos preços foi acompanhada na mesma proporção pela elevação dos custos de produção, tornado a atividade agrícola mais complexa e mais arriscada, exigindo redobrada atenção dos produtores, sobretudo no momento da comercialização. 

Em entrevista à SindiRural, o economista, que é diretor da Granoeste Corretora de Cereais, fundada em 1986, analisa o mercado da soja e do milho e fala sobre o comportamento dos produtores na comercialização da safra. “Um salto na agricultura, que começou há pouco mais de 20 anos, coincidiu com o advento dos profissionais de mercado, aptos a difundir informações e a tornar a formação do preço cada vez mais transparente”, frisa.

Por conta das cotações da soja, o que acontece no mercado agrícola?
Pessoa – Neste ano, a soja registra comercialização intensa desde janeiro, quando os preços começaram a galgar novos patamares em razão das irregularidades climáticas que passaram a prejudicar a safra sul-americana. Os preços superaram todas as expectativas iniciais e históricas. Considerando as duas últimas décadas, é o ano em que mais se negociou soja no primeiro semestre, justamente no momento em que a safra chega ao mercado e, portanto, tende a haver pressão sobre os preços. O preço está altamente remunerador. Quando plantamos a safra 2011/12, a esperança era vender a saca entre R$ 40,00 e 45,00. Hoje está entre R$ 62,00 e R$ 63,00 para produto disponível e na faixa de R$ 57,00 para produto depositado a preço de balcão.

O produtor não perdeu a oportunidade.
Pessoa – Houve uma combinação positiva entre disponibilidade de produto (momento da colheita), necessidade de caixa para pagamento de contas que vencem nesta época e preços em elevação. O produtor entendeu corretamente este momento, aproveitando os bons preços e comercializando num ritmo mais veloz que em outras temporadas. Fenômeno similar aconteceu há uns 8 anos atrás, quando a saca de soja chegou a bater nos R$ 52,00 aqui na região oeste do estado. Só que muitos deixaram de vender, perdendo uma excelente oportunidade de aumentar a renda. Naquela época, teve produtor que, na empolgação, segurou a safra, esperando que o preço alcançasse R$ 60,00 por saca. A partir dali, com a perspectiva de reposição dos estoques, o preço começou a ceder e os produtores que não se aproveitaram da alta, acabaram vendendo por preços tão baixos como R$ 30,00 ou até mesmo a R$ 25,00 por saca. Assistiram a elevação das cotações, mas não se aproveitaram delas. Dizem que o brasileiro não tem memória. Mas, na recente alta, o produtor provou que tem. Lembrou-se muito bem do fato ocorrido há alguns anos, foi esperto e participou do mercado - não somente com a produção já colhida, mas também com parcela da produção da próxima safra. 

O que levou os preços para esse patamar?
Pessoa – Primeiramente, a quebra da safra 2011/2012, por irregularidades climáticas, nos três maiores países produtores e exportadores de soja. Os Estados Unidos perderam 8 milhões de toneladas; o Brasil, 10 milhões e a Argentina, 13 milhões. Outro fator é a demanda arrojada, que não deu trégua mesmo no período em que os preços atingiram os maiores níveis e nem mesmo diante da crise mundial. Citando apenas um exemplo, a China não para de bater recordes. Neste ano deve importar 57 milhões de tons. Um terceiro fator é a desvalorização cambial no Brasil, cuja cotação abruptamente saiu dos R$ 1,70, saltando para até R$ 2,10 e, ultimamente, se posicionando com firmeza entre R$ 2,00 e R$ 2,05.

Esses fatores podem continuar pesando ainda mais nos preços?
Pessoa – Sem dúvida, vão continuar influenciando a formação do preço. Na questão cambial, o governo promete usar de sua artilharia para manter o câmbio desvalorizado, até porque a indústria vem perdendo competitividade. A demanda mundial se mantém firme e deve subir cerca de 5% na próxima temporada. A China deve importar 61 milhões de tons, 7% a mais. A questão central, no entanto, está na oferta total que os três principais produtores poderão entregar ao mercado neste próximo ciclo. Uma safra cheia trará de volta estoques altos, com influência negativa sobre os preços. E as primeiras projeções indicam um aumento substantivo da produção mundial, podendo alcançar 271 milhões de tons, aumento de 15% de um ano para o outro. Como é fácil perceber, um incremento desta magnitude terá efeitos colaterais negativos porque dará total tranquilidade para os consumidores. Dentre os três grandes produtores, nos Estados Unidos, a soja está com plantio praticamente concluído e as lavouras vêm se desenvolvendo bem, com irregularidades climáticas apenas pontuais e produção estimada em 87 milhões de toneladas. No Brasil, cujo plantio começa em outubro, as primeiras projeções versam sobre uma colheita de 80 milhões de toneladas, e, na Argentina, de algo entre 55 e 60 milhões de tons. Há muitos rumores no mercado sobre avaliações a respeito da próxima safra. Uma coisa é certa, porém, o produtor, diante dos altos preços, está estimulado a aumentar a área de plantio. Mas enquanto a safra não se realizar, o comportamento climático desempenhará papel decisivo na formação do preço. Em razão da expressiva quebra da safra passada e, consequentemente, dos minguados estoques atuais, os preços estarão altamente sensíveis às forças do tempo. 

Fala-se na possibilidade de falta de soja para consumo no País?
Pessoa – Esta situação também pode e deve ajudar na formação dos preços domésticos. Com certeza teremos preços acima da paridade internacional no período de entressafra, uma vez que a indústria irá disputar os lotes remanescentes - muito mais se houver necessidade de importação. Mesmo que a safra norte-americana avance dentro de condições normais, diante da comercialização precoce da nossa safra - notadamente para o segmento externo – é provável que venhamos a ter déficit interno, especialmente no Sul. Haverá a necessidade de procurar soja, primeiramente, em outras regiões do país que possam ainda ter estoques residuais; em seguida, no Mercosul - no Paraguai e na Argentina. Se não houver disponibilidade nestas praças, é muito provável que os preços internos, sobretudo de farelo e de óleo, estarão altos e compatíveis com a importação de alguns cargueiros de soja dos Estados Unidos, assim que a colheita começar por lá. Mas isso só acontecerá como última instância. Em princípio, olhando o cenário traçado hoje, eu não acredito que vamos chegar a esse ponto. Mesmo com as perdas que registraram, os nossos países vizinhos têm condições de fornecer os saldos remanescentes de soja para atender a demanda interna brasileira até a chegada da próxima colheita. 

A venda antecipada também pode sustentar preços da safra 2012/13?
Pessoa – O produtor já tem participado ativamente e continua a realizar parceladamente a venda da safra de soja do ano que vem. Muito raramente, o produtor brasileiro costuma vender soja da próxima safra ainda no primeiro semestre. As vendas foram e estão acontecendo em ritmo recorde tanto para a safra velha quanto para a safra 2012/13. Se partirmos do pressuposto de que poderemos ter uma safra recorde e se acontecer como o mercado está prevendo, quem sair na frente, vendendo e aproveitando esses preços, vai ter uma rentabilidade financeira bem melhor, sobretudo porque os custos de produção estão seguindo os preços de hoje e não os de amanhã. 

E se houver quebra?
Pessoa – Obviamente, vai depender do tamanho das perdas. Mas, como regra geral, os preços funcionam como uma função direta da intensidade da redução da oferta. Neste ano existe uma particularidade muito especial. É que, em havendo quebra de safra, ela estaria sobreposta às perdas do ano anterior, que foram enormes. O prometido aumento de área funciona, em princípio, como um amortecedor de certo volume de perdas. Mas, não há como fugir, uma quebra significativa, que comprometa a reposição de estoques, terá uma resposta imediata, com cotações em alta. Os estoques andam apertados no Brasil e no mundo todo, mas, notadamente nos EUA, que é o cérebro formador do preço. Lá, apesar do atual patamar de preços, os estoques estão previstos ao final da estação, em 31 de agosto, em algo como 4,5 milhões de tons – volume considerado crítico. Se novamente houver quebra acentuada, eu diria que os preços se tornarão explosivos. Até porque a demanda não tem dado sinais de arrefecimento. Mesmo com a crise na Europa, a China já tem comprado grandes volumes para entrega no ano que vem.

Assistimos ao rompimento de padrões no mercado da soja...
Pessoa – Em 2006, quebramos o paradigma no qual se acreditava que a soja jamais alcançaria, em preço médio histórico, a faixa de U$ 7,00 por bushel. Esse era um comportamento que se arrastava por 30 a 40 anos. Houve, neste período, quatro vezes em que os preços, por curto espaço de tempo, ultrapassaram a casa dos U$ 10,00. Mas tiveram vida extremamente curta e rapidamente retornavam ao patamar entre U$ 4,50 e U$ 6,00 por bushel - de forma que, na média histórica, os preços se situavam ao redor de U$ 6,00 por bushel. Com a arrancada verificada a partir de 2006/07, passou-se a falar de U$ 10,00, como limite da média histórica. Hoje se comenta que dificilmente baixará dos U$ 12,00 por conta da demanda - uma demanda que ficou não só mais sólida em razão do aumento do uso tradicional para consumo humano e animal, mas também por conta da aplicação na produção de energia e em outros usos alternativos.

E em relação ao milho, qual é o cenário?
Pessoa – Por um lado, o Brasil vive uma revolução tecnológica importante nesta cultura. Se voltarmos na história apenas 10 anos, tínhamos produtividade, em termos de segunda safra, muito baixa. A safrinha era vista como alternativa paliativa para as dificuldades de produção do trigo e de outras culturas tradicionais do inverno. Com o avanço das tecnologias de sementes, das novas descobertas de agroquímicos e de novas formas de cultivo, hoje a produtividade se aproxima daquela apurada na primeira safra. Portanto, estamos aumentando rapidamente o volume de oferta, sem uma resposta na mesma intensidade quando se trata de consumo. Sem dúvida, o consumo interno tem aumentado a cada ano em cerca de 6% em decorrência do aumento da produção de carnes, sobretudo de aves e suínos. Ao transformar proteína vegetal em proteína animal estamos agregando valor ao nosso produto e aumentando a renda. Nas últimas safras, no entanto, o aumento da produção de milho tem sido da ordem de 10% ao ano, com crescentes volumes de estoques e necessidade de dar vazão a esta produção adicional. Em decorrência, o Brasil tem se tornado também um importante exportador de milho em grãos - o quarto do mundo - com volumes crescentes a cada ciclo. 

E como o mercado deverá se comportar?
Pessoa – Os EUA devem elevar a produção de milho neste ano em cerca de 19%, para 375 milhões de toneladas. Deste total, quase 130 milhões de toneladas serão destinadas para a produção de etanol. É um volume que representa duas safras brasileiras. Este consumo alternativo, que há 10 anos era praticamente nulo, fez com que os norte-americanos cedessem espaço no mercado internacional, que passou a ser ocupado também pelo Brasil. O Brasil, que não tinha nenhuma tradição na comercialização externa do grão, está aumentando sua participação a cada ano e, gradualmente, está fixando clientes lá fora. Em 2010/11 exportamos em torno de 10 milhões de toneladas. Nesta safra, chagaremos a uma produção de aproximadamente 68 milhões de toneladas, com exportações que podem chegar a 15 milhões de toneladas.

E os negócios?
Pessoa – Como podemos perceber, cada vez mais dependemos do mercado internacional na formação do preço interno, como ocorre com a soja. Por isso, hoje, não basta olhar para as indicações de compras das plantas frigoríficas, é necessário acompanhar as cotações na Bolsa de Chicago. A exemplo da soja, os negócios vêm ocorrendo de forma surpreendentemente mais antecipados do que em anos anteriores, uma vez que os produtores estão casando operações de venda com os custos de produção. Está em andamento uma revolução na forma de comercializar, com mais antecipação das operações, as quais, ao mesmo tempo, estão sendo mais distribuídas ao longo dos meses. Estamos, desde já, comercializando a produção da safra de verão, a que será colhida somente em 2013. No Paraná, pelo menos 2% já teria sido comercializado nesta modalidade. A safrinha também tem índices bem adiantados, que podem chegar a 30%. Quanto aos preços, o cenário indica certa acomodação em face da grande oferta que se avizinha. É bem provável que, em muitas regiões, os preços serão definidos pela paridade de exportação. Portanto, é fundamental, por ora, acompanhar a evolução da safra norte-americana e as implicações do comportamento climático sobre as variações das cotações nos futuros de Chicago. 

Poderia explicar como atua uma corretora de cereais?
Pessoa – A corretora de cereais está inserida como um elo do setor produtivo - entre o campo e o destino final da produção. É um serviço necessário para que os negócios se desenvolvam com naturalidade, rapidez, eficiência e, sobretudo, com transparência. O produtor está empenhado em produzir e não dispõe do tempo necessário para acompanhar e analisar o mercado. No segmento industrial, o preço de venda é formado a partir do custo de produção. No mercado de commodities agrícolas, o que determina o preço de venda não é a somatória dos custos e, sim, a demanda. Por isso, pode acontecer de o agricultor vender a sua produção até abaixo do custo de produção, num momento de grande oferta e de extrema pressão sobre os preços. Com muita sorte e boa dose de informações, terá outros momentos de contenção da oferta e sólida demanda em que os preços podem alcançar o dobro ou mais do custo de produção. O corretor de cereais trabalha para levar informações sobre o mercado - com toda a transparência e melhores ofertas - ajudando o produtor a decidir sobre seus negócios.

Fala-se em fundamento do mercado. Como isso funciona?
Pessoa – O mercado está embasado sobre dois campos de análise: o fundamental e o técnico. Os investidores, que a grande maioria dos produtores conhece como especuladores, trabalham basicamente com base na análise técnica, como gráficos, tendências e probabilidades. Já, produtores, indústrias e tradings seguem mais os fundamentos de mercado, que considera área plantada, clima, estoques e demanda, dentre outras variáveis - fatores ligados diretamente à oferta e à demanda. Os dois segmentos acabam influindo na formação do preço e, em muitas instâncias, comungam das mesmas tendências sobre o futuro dos preços. Por exemplo, uma informação tipicamente fundamental, como uma seca em determinada região produtora, pode suscitar uma avaliação técnica de alta, levando fundos e especuladores a aumentarem suas posições de compra - beneficiando o preço do produto também no mercado físico. 

Que conselho gostaria de reforçar ao produtor?
Pessoa – No meu entendimento, o produtor deve continuar buscando novas tecnologias em todos os segmentos, quer visando o aumento da produção no campo quer objetivando melhorar as estratégias de comercialização. Até aqui, ele tem desempenhado com louvor a utilização de novas tecnologias para o aumento da produtividade. Talvez deva dar mais atenção ao acompanhamento e desenvolvimento do mercado, que é outro segmento no qual pode maximizar os ganhos. Hoje há um grande fluxo de informações ao alcance de todos. Temos várias entidades e meios de comunicação disponíveis, muitos deles gratuitos. 

Por que existe uma distância entre produtor e mercado?
Pessoa – Normalmente o produtor recebe o agrônomo em sua propriedade para que acompanhe e discuta as regras de como produzir, orientando sobre a regulagem de máquinas, indicando a melhor semente, enfim sobre como ganhar em produtividade. Isso não é de hoje. Quando trabalhava com meu pai na lavoura, nos idos de 1960/70, nunca recebemos um profissional do mercado para dar orientações sobre a melhor forma de comercializar a produção. Meu pai nunca foi a uma palestra sobre mercado. A agricultura brasileira se desenvolveu a partir da segunda metade da década de 60. Mas, só nos últimos 20 ou 25 anos surgiu uma participação mais efetiva dos profissionais de mercado. É uma necessidade básica e tem dado resultados para o produtor. Não adianta ser extremamente eficiente em produzir e pecar na comercialização. Diria que a atividade agrícola tem que ser vista num conjunto que engloba a produção e a comercialização e, ambas, tem peso decisivo na determinação da renda. 

Qual é a melhor forma de comercializar a safra?
Pessoa – Entendemos que a melhor forma é participar do mercado ao longo de todo o ano. Estar presente durante os 12 meses, se não para fechar negócios, para acompanhar o desenvolvimento do mercado e as razões que motivam os altos e baixos dos preços. Muitos produtores curtem a mania de vender toda sua safra, torcendo para que o preço caia no decorrer, a fim de contar vantagens ao vizinho. Uma atitude salutar seria a de participar ativamente, ouvindo o mercado, e participando com lotes parciais e, aí sim, torcer para que os preços melhorem a fim de elevar a média de venda daquela temporada. É importante visualizar o mercado, bem como a participação dos investidores e especuladores e tirar proveito disso.

Fonte: Revista SindiRural

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SindiRural Cascavel

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