Um caldeirão apimentado (Artigo)

Publicado em 23/07/2009 07:53
O caldeirão dos organismos geneticamente modificados (também chamados de transgênicos ou OGMs), principalmente alimentos, volta a ferver, temperado também por questões implicadas com agrotóxicos - e em ambos os casos em função de ações relacionadas com a empresa que é a maior produtora de transgênicos e do agrotóxico que estimula o seu plantio (o glifosato, chamado de Round UP).

Washington Novaes

A polêmica maior se deve à proposta de permitir o uso de herbicidas como o Round UP em "ambientes aquáticos", alegadamente para conter a proliferação de mexilhões, cracas, algas e outras plantas em reservatórios de água para abastecimento público e/ou geração de energia. O projeto está, sob forte polêmica, em discussão no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). De um lado, produtores de herbicida querem ali dispensar da obrigatoriedade de estudo prévio de impacto o registro para comercialização de herbicidas para uso na água; de outro, dezenas de ONGs e um comitê de bacias - Piracicaba, Capivari e Jundiaí - se opõem. O Conama já está sob pressão para permitir o uso de herbicida na represa de Salto Grande de Americana, onde impediria a proliferação de plantas aquáticas. Mas os críticos da proposta argumentam: por que não impedir a entrada nas bacias de nutrientes que favorecem a proliferação de algas, como os esgotos que chegam a reservatórios, em vez de prejudicar mais a qualidade das águas com a adição de herbicidas que não se degradam no ambiente e adicionam fósforo, nitrogênio e outros elementos? Se as plantas forem retiradas por outros métodos, antes contribuirão para remover contaminantes e óleos, retirar fósforo e o nitrogênio, reduzir a demanda química e bioquímica de oxigênio.

A discussão ficou mais incendiada ao ser nomeado coordenador da discussão no Conama um representante da associação de fabricantes de defensivos, ao mesmo tempo que se acentuaram pressões no Congresso para alterar a legislação que regula os agrotóxicos - depois que 14 empresas perderam na Justiça ações nas quais pretendiam abrandar a classificação e exigências em relação a quase 100 produtos. E isso no momento em que pesquisa da Universidade da Califórnia, publicada pelo American Journal of Epidemiology, alerta para o risco de fungicidas e herbicidas usados em plantações de arroz aumentarem a incidência de mal de Parkinson.

Os riscos podem ser comerciais também. O Brasil acaba de ser advertido pelo Japão de que foram encontrados resíduos de pesticidas no café para lá exportado, em quantidade superior ao dobro do máximo permitido pela legislação japonesa. E é tema altamente relevante, na medida em que nosso País é o maior consumidor mundial de agrotóxicos, com cerca de US$ 7 bilhões em 2008 (mais que o dobro do registrado em 2003). São 733,9 milhões de toneladas anuais (mais de metade herbicidas), usadas principalmente na soja, milho, cana, algodão e laranja (os Estados Unidos consomem 646 milhões de toneladas/ano). Apenas cinco empresas dominam 70% do mercado global, com 1.412 produtos que usam cerca de 500 substâncias - com vários estudos mostrando a alta incidência de problemas de saúde entre agricultores usuários, principalmente doenças respiratórias e da pele, infecções gastrointestinais e até câncer. Só um deles, é apontado pelo Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacêuticas como responsável por mais de 100 mil intoxicações em 2007.

A área dos transgênicos voltou ao centro da polêmica com a decisão do governo alemão, de proibir - por prejudicar polinizadores e outras espécies - o plantio no país de uma variedade de milho (já liberada no Brasil pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, a CTNBio, sem exigir estudo de impacto ambiental que era cobrado pelo Ministério do Meio Ambiente). A decisão já foi acompanhada por mais dez países europeus. Na Argentina, foi publicado estudo de cientistas do Laboratório de Embriologia Molecular, da Universidade de Buenos Aires, demonstrando a toxicidade do glifosato para embriões de anfíbios. Na Universidade de Caen, França, o cientista Gilles-Eric Seralini acrescentou a esses riscos o de letalidade para células embrionárias humanas. Nos Estados Unidos, o Departamento de Agricultura voltou a monitorar o uso de agrotóxicos em culturas de alimentos. E a Academia Nacional de Medicina Ambiental pediu moratória no uso de alimentos transgênicos, que considera "sério risco à saúde". Também na Índia a Comissão de Planejamento governamental propôs que não se produzam lá alimentos transgênicos.

No Brasil, entretanto, fala-se agora em aprovar até variedades geneticamente modificadas de mandioca - o que pode significar problemas graves para a agricultura familiar, que responde por 82% da produção desse alimento, usado principalmente pelas faixas mais pobres da população. Um tribunal federal, porém, proibiu o plantio de alfafa transgênica sem estudo prévio de impacto ambiental. Mas a CTNBio aprovou pesquisa para plantio experimental de soja transgênica resistente ao 2,4-D, ingrediente do chamado "agente laranja", usado na Guerra do Vietnã e apontado como responsável por gravíssimos problemas de saúde. E tudo isso no momento em que estudos contestam até o alegado aumento de produtividade da soja com o uso de Round Up e agricultores gaúchos tentam impedir na Justiça que a empresa produtora de sementes transgênicas lhes cobre royalties.

Quem tiver maior interesse no tema pode ler também o livro Roleta Genética - Riscos Documentados dos Alimentos Transgênicos Sobre a Saúde (Editora João de Barro), do jornalista norte-americano Jeffrey M. Smith, um best seller em seu país. Com certeza ficará boquiaberto.

Washington Novaes é jornalista

Já segue nosso Canal oficial no WhatsApp? Clique Aqui para receber em primeira mão as principais notícias do agronegócio
Tags:
Fonte:
O Popular - GO

RECEBA NOSSAS NOTÍCIAS DE DESTAQUE NO SEU E-MAIL CADASTRE-SE NA NOSSA NEWSLETTER

Ao continuar com o cadastro, você concorda com nosso Termo de Privacidade e Consentimento e a Política de Privacidade.

0 comentário