Eugênio Bucci, um petista que não ousa dizer seu nome, professor da USP e notório fazedor de “hedge” com os grandes meios de comunicação, onde vende seu charme de esquerdista moderado e inteligente, publica um artigo no Estadão de hoje em que, exercitando o melhor estilo nem-nem — aquele que iguala culpados e inocentes —, acaba fazendo uma escolha: pelos culpados. Embora negue. Enquanto professores estão sendo constrangidos por brucutus, ele dá “aula pública” para partidários da greve. Na universidade, põe as unhas de fora; na grande imprensa, expõe a pelagem macia. Não é a primeira vez que age assim. Trata-se de um aliado e porta-voz informal de Fernando Haddad em certos setores da imprensa e da “inteligentsia” paulistanas. Haddad é aquele rapaz que afirmou que não se pode tratar a USP como se fosse a Cracolândia e a Cracolândia como se fosse a USP, sugerindo que polícia é coisa pra pobre. Vocês verão que Bucci segue os passos de seu líder.
O artigo de Bucci já é matreiro desde o título: “USP - Entre o capuz e o capacete”. Faz referência aos encapuzados que invadiram a reitoria e ao instrumento de proteção dos policiais. O “inteliquitual” moderno do PT está dizendo que são dois extremos inaceitáveis de uma mesma situação. Mentira! Os capacetes estavam lá por ordem do Poder Judiciário, uma instância da democracia e expressão do estado de direito. Os capuzes estavam lá fraudando o estado de direito e a democracia. Ao equiparar as duas metonímias, Bucci faz de conta que a universidade é uma instância intermediária entre o poder legal e o ilegal, entre o crime e a lei. Basta saber ler. Segue seu artigo em vermelho. Sirvo Bucci em postas em azul.
Há dois anos e meio, em 18 de junho de 2009, escrevi neste mesmo espaço um artigo sobre a Universidade de São Paulo (USP): O atraso no espelho. Poucos dias antes, a Cidade Universitária virara uma praça de guerra, ou quase. Com balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo, policiais haviam dissolvido uma passeata de estudantes e funcionários, que também não eram lá tão pacíficos. Ali ficou patente que a USP mergulhara num déficit de representatividade e de legitimidade, que abria campo para o recrudescimento da violência.
É um resumo ou incompetente ou mentiroso, decida o leitor. A polícia interveio porque os extremistas de esquerda de sempre impediam o exercício de direitos garantidos pela Constituição. E, para variar, tomaram a iniciativa de atacar a polícia. São os fatos.
O déficit de representatividade expressava-se nos movimentos sindicais da universidade. Tanto o Diretório Central dos Estudantes (DCE) quanto o Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), incapazes de mobilizar grandes contingentes entre seus presumíveis filiados, apostavam em ações supostamente radicais. Para propagandear suas reivindicações ocupavam gabinetes oficiais na base de piquetes que se valiam intimidações físicas. De outro lado, o déficit de legitimidade já era notório nos órgãos de poder da universidade, que estavam distantes do conjunto da comunidade, que não os reconhecia como interlocutores.
Bucci reconhece o déficit de representatividade de um lado para poder atacar o suposto déficit de legitimidade de outro. Que déficit? Que instância de interlocução ACADÊMICA não está sendo respeitada na USP? O truque retórico sujo de Bucci consiste em equiparar pessoas que optam por práticas claramente criminosas com outras que agem segundo instâncias reconhecidas pelo estado de direito.
O atraso espelhado - um movimento sindical pouco representativo contra órgãos de poder pouco legítimos - deu no que tinha de dar: um ambiente desprovido de pontes institucionais de diálogo, no qual a força bruta substitui o debate.
Desafia-se aqui este senhor a provar que os órgãos de gestão da USP são “pouco legítimos”. Tenho mais desprezo por esse nhenhenhém bucciano do que pelos extremistas do PCO, da LER-QI ou de outro grupelho de hospício qualquer. Pelo menos aqueles dizem claramente o que querem, o que pretendem. Fazem uma escolha: pelo crime. E ponto! E consideram que isso é ação revolucionária. Bucci precisa, para seduzir incautos, comparar criminosos e inocentes para poder pontificar como representante de uma terceira instância qualquer.
Infelizmente, o quadro não mudou até hoje. A crise de representatividade e de legitimidade continua. O resto é sintoma.
Mentira! A de representatividade continua. A de legitimidade nunca houve. Ao dizer que “o resto é sintoma”, Bucci iguala as culpas. Tanto a Reitoria como os extremistas seriam os culpados pelas invasões, pela desordem e pelo óbvio agravo a direitos constitucionais.
O debate sobre a presença da Polícia Militar (PM) dentro do câmpus era e é sintoma. A celeuma sobre o consumo de drogas pelos estudantes, também. A base profunda do mal-estar reside na inexistência de instâncias acadêmicas e administrativas que deem conta de resolver as interrogações que a vida universitária suscita naturalmente.
Há sempre o momento no artigo em que demagogos são obrigados a recorrer a palavras-caixa ou palavras-gaveta, nas quais tudo cabe: “base profunda do mal-estar”; “interrogações que a vida acadêmica suscita naturalmente”… O que será isso? Cadê o mal-estar? Por que a baderna promovida por 100 delinqüentes, iniciada, sim, porque se tentou impedir o flagrante dado em três maconheiros, seria sintoma de uma crise? Ora, porque os petistas decidiram pegar carona no imbróglio criado por extremistas de esquerda que infernizam a vida da USP há quase três décadas. Chego lá.
O problema da USP não é tanto de autonomia jurídica, mas de autonomia intelectual: ela não dispõe dos meios institucionais para pensar e para resolver os desafios que ela própria produz em sua rotina. Como uma criança, precisa chamar o irmão mais velho na hora do aperto, tanto para fazer piquete como para afastar o piquete.
Mais truque sujo de retórica. Como fica impossível demonstrar que a USP não tem a necessária autonomia — que ele chama de “jurídica” —, então vem com a cascata da “autonomia intelectual”, seja lá o que isso signifique. Mas eu suponho o que seja: a criação de grupos informais, que se fazem ao arrepio da lei e de qualquer idéia de representação, para decidir os destinos da universidade. São os doces tribunais informais do petismo — que já funcionam em muitos casos. Em certas faculdades e departamento, é quase impossível um não-esquerdista se tornar um professor. Ele não passa pelo Santo Ofício da “autonomia intelectual”, que só é “autônoma” se for de esquerda, como Bucci.
No final de 2011, temos um remake piorado do mesmo filme de 2009. No dia 27 de outubro, policiais tentaram deter estudantes que portavam maconha. A reação dos colegas foi imediata e barulhenta. Em questão de 48 horas, o velho roteiro de crise foi posto em marcha, incluindo a previsível e indefectível invasão da Reitoria. Desta vez, porém, com um déficit de representatividade ainda mais grave. A proposta de ocupação tinha sido rejeitada pela assembleia do DCE, mas a minoria que perdeu a votação manobrou o resultado: após o encerramento da assembleia, quando muitos estudantes já tinham ido embora, reinstalou às pressas a mesma assembleia - esvaziada - e, só aí, conseguiu aprovar o que queria. A ocupação ocorreu. Ato reflexo, a opinião pública voltou-se contra o movimento estudantil, que apareceu na foto como birra de gente mimada que quer fumar maconha na santa paz.
O resumo é razoável. Mas notem a tentativa de descaracterizar o que, de fato, aconteceu. Sim, a canalha quer fumar maconha na USP sem ser importunada. Mas Bucci, a gente vê, acha que não. Isso seria só um sintoma de algo maior. Ora, PCO, LER-QI e assemelhados também acham. Tanto é assim que, logo depois da invasão do primeiro prédio, apresentaram a sua pauta: PM fora da Cidade Universitária, revisão de processos administrativos e saída do reitor. Só que eles têm a coragem de confessar sua delinqüência intelectual e política; eles têm a coragem de dizer que o caso da maconha foi um “pretexto”. Bucci tenta transformar a pauta política dos petistas num dado da natureza, caído da árvore da vida.
Na semana passada, quando 400 policiais, dois helicópteros, além de cavalos, desalojaram e indiciaram os 73 jovens que se encontravam acampados no prédio principal da USP, o quadro inverteu-se. A ação da PM efetivamente devolveu a Reitoria ao reitor, mas, inadvertidamente, devolveu o ânimo ao movimento estudantil.
Ah, que cobra criada do petismo esse rapaz! Reparem que ele lista o aparato da PM como quem descreve um aparato de guerra contra 73 pobres criaturas. Fez muito bem a Secretaria de Segurança Pública em cumprir a determinação da Justiça com aquele número de homens. Até porque não se sabiam quantos estavam acoitados na reitoria. Magno Carvalho, diretor do Sintusp, havia falado em “confronto sangrento”. Os soldados puderam garantir a segurança dos delinqüentes. Bucci se esqueceu de dizer que havia coquetéis molotov e gasolina estocados na reitoria. Também se esqueceu de listar que havia bombeiros e paramédicos para atender eventuais feridos — o que não houve, felizmente. Desde a primeira agressão à polícia, só soldados se machucaram.
Não, rapaz! “A reitoria não foi devolvida ao reitor”! Foi devolvida à USP, ao estado de direito, à população de São Paulo.
Ânimo ao movimento estudantil? Qual?
As assembleias lotaram, várias faculdades entraram em greve e, dessa vez, os mesmos estudantes que reprovavam a invasão passaram a condenar com veemência a ação dos policiais.
Mentira! As assembléias não lotaram; não há faculdades em greve (uma ou outra estão sitiadas por delinqüentes), e a maioria dos estudantes continua favorável à presença da PM no campus. É impressionante que este senhor, que pretende fazer um texto neutro, omita os piquetes violentos, a intimidação a professores, o esforço dos alunos para assistir às aulas, os manifestos por escrito para que não haja greve. Está se alinhando com os violentos, mas à sua maneira: suave, com palavras de veludo.
Não porque estes se tenham excedido em maus tratos, o que não ficou provado. A revolta contra a presença dos policiais tem uma razão mais sutil: a comunidade universitária sente-se humilhada quando um excesso estudantil é removido por uma ação policial que lembra essas operações de combate a motim de presídio.
Huuummm… Seguindo o seu chefe político, Bucci está dizendo que a USP não é presídio e que presídio não é a USP. Também ele acha que polícia é coisa pra pobre. Age como criminoso quem veste capuz para tomar um prédio público. “Excesso de estudante”? Por que este professor da USP não se solidariza com seus colegas, que continuam a ser intimidados, como evidenciam relatos enviados por docentes a este blog? Este senhor está declarando um apoio da opinião pública aos delinqüentes que simplesmente inexiste.
Aliás, quando eclode um motim entre presidiários, o pessoal de direitos humanos é chamado para tentar negociar uma solução antes da entrada da tropa. Na Cidade Universitária, nem isso houve.
É mentira! Houve várias reuniões entre os invasores e a Reitoria. E simplesmente os transgressores da lei se negaram a conversar. Foi-lhes oferecida até — a meu ver, de maneira imprópria — a impunidade. Nem assim. Mas notem: quem, nesse trecho, compara universidade a presídio é Bucci.
Que a PM patrulhe o câmpus com o objetivo de proteger a vida dos que ali estudam e trabalham pode até ser, mas chamar o batalhão para resolver manifestações políticas, sem que se esgotassem outras tentativas de mediação, isso é humilhante.
Bucci está seguindo a pauta de seu partido (já falo mais a respeito) e tentando dar gás a um movimento minoritário. QUEM DETERMINOU A REINTEGRAÇÃO DE POSSE, ADEMAIS, FOI A JUSTIÇA.
É verdade que o figurino adotado pelos invasores da Reitoria colaborou para que a crise da USP assumisse um visual de presídio amotinado. Com o rosto coberto, eles se achavam fantasiados de manifestantes antiglobalização da Europa, mas estavam ainda mais parecidos com presidiários do PCC e com traficantes, o que eu mesmo tive chance de dizer aos alunos numa aula aberta que fiz na quinta passada nos jardins da ECA.
Aula aberta de quem apóia o movimento, sim. Aula aberta de quem — e eu tenho tantos “repórteres da USP” — estava lá para ensinar que a melhor tática para quebrar a espinha da universidade e do governo do Estado (que Bucci evita atacar diretamente) é outra. Notem: para ele, foi só uma questão de “figurino”.
O capuz foi um erro estético, resultante do erro ético de afrontar uma decisão de assembleia.
***Acho que é o trecho mais indecente de seu texto. E também é aquele em que ele mais se entrega. O trotskista light está dando dicas aos jovens. “Erro estético?” Quer dizer que o “erro ético” foi só ter afrontado a decisão da assembléia? Se aqueles 300 da primeira assembléia tivessem aprovado a invasão dos dois prédios, os piquetes e as atitudes violentas, numa universidade com 89 mil alunos, tudo estaria no seu devido lugar? QUER DIZER QUE A MINORIA DA ESQUERDA DA USP É AGORA A DONA DA ÉTICA? A vida na cidade universitária é uma questão privada dessa minoria?
Do mesmo modo, os capacetes e escudos da PM foram um erro de método, este decorrente da ausência de instâncias de interlocução interna. Uma universidade que não dialoga é uma universidade que se bate, mais do que se debate. Em síntese, de 2009 a 2011, a USP não deu um passo para a frente nem um passo para trás: deu apenas um passo para baixo, afundou-se no buraco em que se encontra encravada. Para onde ir agora?
Mero exercício de retórica circense. Por que este senhor não vai perguntar o que pensa a respeito a maioria dos estudantes da USP? Neste momento, enquanto escrevo, a direção do DCE da USP trama o adiamento da eleição, prevista para os dias 22, 23 e 24.
Do ponto de vista das entidades de professores, alunos e funcionários, a palavra de ordem é a renovação completa das chapas, das bandeiras e dos métodos. As maiorias precisam entrar em cena, precisam falar. Só assim poderão desautorizar as minorias que acreditam mandar no grito. Quanto às instâncias oficiais da USP, precisam da mesma renovação, o que pode incluir até mesmo consultas à comunidade para a escolha de diretores e reitores. Aí, o diálogo poderá encontrar lugar institucional na vida acadêmica - e só o diálogo institucional pode esvaziar a violência e libertar a universidade.
Ah, finalmente ele chegou ao ponto: a eleição direta para reitor, vazada numa linguagem arrevesada. Essa é a pauta dos petistas em seus fóruns. Dizem, explicitamente, que há de se aproveitar esse momento para emplacar essa tese. Mais: o partido, a exemplo do que faz Bucci, condena os “excessos”, mas apóia a essência do movimento. E está pronto para se engajar numa grande greve no ano que vem. Os motivos da paralisação ainda precisam ser definidos, mas isso é o de menos.
Já antevejo: “Ai, como esse Reinaldo é agressivo! Bucci é tão manso!” É? A agressão de seu texto está sobretudo naquilo que omite. Neste momento, colegas seus estão sendo intimidados por uma tropa de choque de delinqüentes. E ele não diz uma miserável palavra a respeito. Ao contrário: foi fazer proselitismo em sua “aula pública”. Mais: claramente usa em benefício de uma pauta partidária a ação estúpida dos extremistas que diz repudiar. Não sou agressivo, não! Eu sou é claro! Sim, eu visto o capacete da democracia e do estado de direito. Por isso convido Eugênio Bucci a vestir a carapuça da ilegalidade.