Suiá Missu: Produtores expulsos de área demarcada pela Funai relatam abandono e miséria

Publicado em 04/12/2014 17:12 e atualizado em 05/12/2014 11:38

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Por mais de dez minutos, o agricultor João Machado silenciou e emocionou representantes do governo e deputados da Comissão de Agricultura da Câmara. Aos 72 anos, Machado é um dos ex produtores rurais retirados, em janeiro de 2013, da área da antiga Fazenda Suiá-Missu, no Mato Grosso, demarcada pela Funai como terra indígena Marãiwatsédé.

“É minha profissão. Foi o que aprendi e não tenho mais o que fazer. Minha carteira [profissional] é de lavrador”, disse hoje (4), durante audiência pública para discutir as consequências, medidas e atitudes tomadas no processo de desintrusão e pós-desintrusão dos moradores do Posto da Mata, distante mil quilômetros de Cuiabá.

O debate foi marcado por depoimentos de ex-moradores e agricultores da região. Machado criticou a forma como a produção agrícola é considerada vilã. “É um povo que enriqueceu o país com a ousadia do trabalho que hoje é criminoso. Vocês estão vivendo hoje de um crime. O crime de trabalhar, produzir, adquirir. Eu não sei falar, mas vivemos uma época de inconsciência, falta de respeito ao ser humano. É falta de respeito e consideração a essas vidas. Estou com 72 anos, mas e os outros?”, completou Machado.

Outros produtores que tiveram de deixar a região lembraram que a desintrusão atingiu pequenos, médios e grandes proprietários. Segundo eles, muitos fazendeiros de porte à época dependem hoje da distribuição de cestas básicas pelo governo do estado. Outra parte com menos condição foi selecionada para deslocamentos para um assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

“O pessoal está jogado debaixo de lona, se água e energia”, protestou Renato Teodoro, ex-presidente da Associação dos Moradores e Produtores da Agropecuária Suiá Missu, que ocupou a região desde os anos de 1960. Segundo ele, na época uma comissão de moradores esteve em Brasília, com autoridades do Incra, para alertar sobre o problema que seria causado após a desintrusão. “Mas não houve nenhum ajuste ou providência. Se algo aconteceu, a culpa é dos direitos humanos”, afirmou.

Para Renato Teodoro, mais de 50 pessoas morreram no local desde a retirada dos moradores de Posto da Mata. “A sensação é de abandono. Estamos pedindo clemência para o povo e as autoridades não ouvem. Dois anos já se passaram”, completou.

Vice-prefeita de Alto Boa Vista, Irene Maria Rocha dos Santos, que também foi expulsa da área demarcada, reforçou a falta de condições do local. “Somos 1,5 mil famílias e 5 mil pessoas. Dessas, apenas 12 estão assentadas no [projeto de assentamento] Casulo. Disseram que as casas sairiam até julho, mas até agora nada. Onde estão o assentamento, a casa, moradia e vida digna?”, questionou.

Irene acrescentou o caso de uma família que se alimenta de restos do lixão. “Direitos humanos nunca nos procurou. Esse povo deveria participar para sentir a realidade. Das 12 pessoas que tem casa montada lá, uma estava no lixão outro dia pegando lixo e comendo coisa podre”, assinalou.

Emocionada, a comerciante Maria Brasilina, disse que antes da retirada tinha renda própria e era uma microempresária em Posto da Mata, e que hoje precisa trabalhar como doméstica para ter o que comer. Brasilina também relatou que chegou ao ponto de pedir dinheiro nas estradas para comprar comida.

Bruno Renato Nascimento Teixeira, ouvidor Nacional de Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, explicou que o órgão acompanhou o processo até o deslocamento dos moradores para o assentamento. Segundo ele, não há informações sobre a atual situação. Há um ano, Teixeira reconheceu que o Governo violou direito humanos das pessoas que foram expulsas da área indígena. Relembre:

“Se as coisas não avançaram a contento, cabe ao governo continuar acompanhando e dialogando com os senhores, porque o papel da ouvidoria é colher informações e buscar soluções. Este caso nunca foi minorizado. Temos um servidor destacado para acompanhar a discussão. Vamos continuar acompanhando”, garantiu. Segundo Teixeira, uma comissão irá até o local para fazer um novo diagnóstico da situação do assentamento.

O deputado Nilson Leitão (PSDB/MT) explicou que “a ideia [da audiência] é ter a responsabilidade de construir um novo futuro, já que não é possível mudar o que passou”. Leitão assegurou que não adotou o discurso de oposição, mas afirmou que o governo não assumiu postura clara em relação ao problema. “Vou propor à Casa um grupo de trabalho. Sugerimos isto para ao governo e não tivemos êxito. Vamos reunir deputados e senadores para tentarmos construir um novo futuro”, concluiu.

Paulo Alex Meneses Mendes, fiscal federal e coordenador-geral substituto de Sustentabilidade do Ministério da Agricultura, observou que o ministério não pode atuar diretamente sobre esse caso. Adiantou que o processo sobre a situação de ex-moradores e produtores da região está na Justiça. “Para o ministério é uma surpresa muito desagradável. É sempre complicado e difícil nos depararmos com este cenário. Realmente tem coisa errada”, avaliou. Mendes disse, ainda, que o ministério terá representantes no grupo de trabalho do Legislativo.

Diretor de Ordenamento da Estrutura Fundiária do Incra, Richard Torsiano explicou que o órgão enfrenta problemas na gestão territorial, principalmente por causa da dificuldade na aquisição de terras. Ele reconheceu que o ideal seria a desintrusão de terras ser feita apenas quando o assentamento estivesse pronto.

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Fonte:
Questão Indígena

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1 comentário

  • Emanuel Geraldo C. de Oliveira Imperatriz - MA

    > Governo ladrão. Rouba a terra, a dignidade, a honra, de 5.000 brasileiros para dar a índios que nada fazem sem pagar absolutamente nada pela propriedade: simplesmente joga na miséria famílias inteiras. Esse mal ha de ser reparado. Parabéns Nilson Leitão, parabéns FPA! O Brasil não respeita seus cidadãos que só serve como escravo para trabalhar e gerar impostos para alimentar a corrupção do governo!

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