Como reagiriam as tropas do PT se José Serra ganhasse a eleição e, no quinto mês do mandato, anunciasse a reestatização da telefonia? Certamente exigiriam que o novo presidente, ajoelhado no milho e aos berros, pedisse perdão a Lula pelo equívoco monumental cometido por Fernando Henrique Cardoso. Pois bem: a reestatização das empresas telefônicas representaria para o PSDB o que representa para o PT a privatização dos três maiores aeroportos, anunciada nesta terça-feira por Dilma Rousseff. O que esperam os tucanos para escancarar a prova definitiva de que o palavrório sobre a “herança maldita” foi apenas uma pilantragem eleitoreira difundida pela seita que Lula conduz?
Para evitar o colapso dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília, a superexecutiva que Lula promoveu a gerente de país tratou de assimilar às pressas a lição ministrada por FHC no fim do século passado: como a iniciativa privada é muito mais ágil, eficaz e competente que o mamute estatal, é preciso livrar certos setores da economia das garras federais. Durante quase 15 anos, a cegueira ideológica proibiu o PT de enxergar as incontáveis vantagens da privatização. Durante oito, a maioria dos caciques do PSDB fingiu não enxergá-las por miopia oportunista.
De costas para milhões de brasileiros que sempre compreenderam a relevância do legado da Era FHC, os candidatos José Serra e Geraldo Alckmin caíram no conto da “herança maldita” em três campanhas presidenciais sucessivas. Em 2010, caso fosse acusado por Lula e Dilma de planejar a privatização dos aeroportos, Serra certamente prometeria transferir a capital para Guarulhos. Depois desta terça-feira, talvez descubra que deveria ter repetido o que FHC escreveu num artigo publicado pelo Estadão em 2009.
“Lula se esqueceu dos ganhos que a privatização do sistema Telebrás trouxe para o povo brasileiro, com a democratização do acesso à internet e aos celulares”, replicou o ex-presidente a mais uma agressão do sucessor . “Esqueceu que a Vale privatizada paga mais impostos ao governo do que este jamais recebeu em dividendos quando a empresa era estatal. Esqueceu que a Embraer, hoje orgulho nacional, só pôde dar o salto que deu depois de privatizada. Esqueceu que essas empresas continuam em mãos brasileiras, gerando empregos e desenvolvimento no país”.
Como Serra preferiu recitar declarações de amor à Petrobras, Dilma Rousseff, sem ser contraditada, atravessou a temporada eleitoral enfileirando falatórios que acabou de jogar no lixo. “Eu não entrego o meu país”, disse, por exemplo, em 10 de abril de 2010. “Não vou destruir o Estado, diminuindo seu papel. Não permitirei que o patrimônio nacional seja dilapidado e partido em pedaços”. Reeditou a falácia em 7 de outubro: “Nós somos contra a forma, o conteúdo e o sentido das privatizações”.
Uma semana depois, no programa eleitoral do PT, garantiu que FHC e Serra, juntos “venderam dezenas de empresas brasileiras e agora estão querendo voltar ao poder, já pensando em privatizar mais”. O eleitorado deveria optar pela candidata de Lula “para o Brasil seguir não privatizando”. O que espera Serra para exigir da presidente explicações para a abrupta mudança de rota?Dilma decerto dirá que a Infraero vai controlar 49% das ações e que o governo seguirá monitorando os aeroportos. Mentira. A estatal precisa dessa fatia para, daqui a alguns meses, ser também privatizada com algum lucro. Hoje não vale nada.
Fernando Henrique Cardoso merecia adversários menos boçais e aliados mais valentes, escrevi num post de 2010. Há algo de muito errado com um país em que um grande governante tem de recordar ele próprio o muito que fez. Desde janeiro de 2003, patrulheiros federais se valeram da meia verdade ou da falsificação grosseira para transformar em “herança maldita” um legado de estadista. A cada avanço dos vendedores de fumaça, os generais do PSDB se renderam sem combate.
A oposição oficial sempre comprou como verdades milenares as mentiras que o governo vende. A mais recorrente transformou a privatização no Grande Satã parido pelo neoliberalismo. Nesta terça-feira, Dilma tirou o demônio para dançar. O PT sabe que perdeu. Os líderes oposicionistas precisam saber que venceram ─ mas venceram sem luta. Talvez se animem a desfraldar a bandeira que, durante oito anos, mantiveram arriada por falta de altivez, visão política e coragem.
Se enriqueceu sem pecar, Antonio Palocci poderia ter esclarecido o caso da multiplicação do patrimônio no mesmo dia em que foi divulgado pela Folha de S. Paulo. Bastaria solicitar aos clientes da Projeto que, para livrar o chefe da Casa Civil de constrangimentos e poupar o país de outra crise política, abrissem mão da cláusula de confidencialidade e permitissem a divulgação de informações básicas. Todos certamente o autorizariam a revelar os nomes das empresas que contrataram seus serviços e dizer quanto cobrou de cada uma. A opção pelo silêncio que já dura 17 dias foi o primeiro indício veemente de culpa.
O segundo foi a contratação do advogado José Roberto Batochio sem ter virado réu oficialmente. A terceira evidência de que Palocci tem culpa no cartório ocorreu nesta quarta-feira, assim que circulou a notícia de que o ministro fora convocado para depor na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados (veja o vídeo abaixo). Apavorados com a rachadura na blindagem, os chefes da aliança governista prometem fazer coisas de que até Deus duvida para impedir o depoimento. É provável que Palocci escape da ameaça. Mas algum dia terá de explicar-se. E não há explicações plausíveis.
“A crise é de inteira responsabilidade do Palocci”, diz o senador Walter Pinheiro, do PT baiano. “Não é do governo nem do PT”. Talvez seja, sugere a inquietação dos parceiros da base alugada. Sabe-se que a Projeto ganhou pelo menos R$ 20 milhões em quatro anos. Desse total, R$ 7,4 milhões foram gastos na compra de um apartamento e um escritório. Sobram R$ 12,6 milhões. Onde estão? Guardados em bancos? Embaixo de colchões? Foram aplicados de alguma forma? Não sobrou nenhum centavo para o partido? Só depois das respostas a tais perguntas o senador baiano saberá se pode mesmo dormir sem sobressaltos.
A destinação do dinheiro é tão nebulosa quanto a origem. Na reunião com Dilma Rousseff e os senadores do PT, o médico sanitarista admitiu que ganhou muito dinheiro como consultor econômico e financeiro. Mas limitou-se a revelar um único trabalho pesadamente remunerado (recebeu R$ 1 milhão em troca de “consultas” a duas empresas interessadas em fundir-se) e o preço de cada palestra que andou ministrando: entre R$ 20 mil e R$ 30 mil. É improvável que tenha conseguido como palestrante os R$ 19 milhões que faltam. Nos últimos quatro anos, dispôs de 1.040 dias úteis (incluídos feriados e feriadões). A conta só fecharia se, paralelamente às atividades de deputado federal, Palocci tivesse feito 633 palestras, duas a cada três dias, cobrando o preço máximo por apresentação.
Caso consiga safar-se das evidências de que subiu na vida como traficante de influência, o ministro terá consumado um segundo milagre de espantar os santos mais poderosos. O primeiro foi a própria multiplicação do patrimônio, comprova a nota divulgada pelo jornalista Ancelmo Gois em sua coluna no jornal O Globo. Diz o seguinte: “A conta, de brincadeira, claro, é do consultor Maurício Hissi, o Bastter. Se Palocci multiplicasse seu patrimônio por 20 a cada quatro anos, bastariam 17 anos para acumular R$ 129 trilhões (ou US$ 80 trilhões) e ser dono de todo o dinheiro do mundo”.
É difícil entender o apego de Palocci ao emprego. Não vai recuperar o poder que tinha. Melhor aproveitar a vida e disputar a liderança do ranking dos homens mais ricos do planeta.
(por Augusto Nunes)
Há mais de duas semanas não aparece o chamado “fato novo” no Caso Palocci – aquela informação a mais que todos (que devem) temem. Beleza. Mesmo assim, o ministro não para de sangrar em praça pública.
Por Lauro Jardim
Provocam grande mal-estar entre os atores do sistema brasileiro de defesa da concorrência as informações de que Antonio Palocci teria dado superconsultorias para a fusão de empresas.
Por Lauro Jardim
Num almoço anteontem em São Paulo, dois grandes empresários – e bota grande nisso – conversavam intrigados sobre Antonio Palocci. Ambos chegaram, inclusive, a contratá-lo para palestras em suas empresas. Pagaram algo entre 15 000 e 25 000 reais pelo trabalho. Depois de constatarem que todos os empresários que conhecem também dizem que chamaram Palocci para palestras pelos mesmos valores, um deles perguntou:
- Mas, então, de onde vem esses 20 milhões de reais?
Por Lauro Jardim